Título: Estados assumem política industrial dos EUA
Autor: Engardio , Pete
Fonte: Valor Econômico, 05/02/2009, Especial, p. A12

Enquanto o staff da Faculdade de Engenharia e Ciências de Nanoescala espera pacientemente em uma sala de reuniões, um ruído alto e prolongado quebra o silêncio. "Deve ser ele", diz alguém. Alain Kaloyeros acaba de entrar em um estacionamento no campus de Albany da Universidade Estadual de Nova York (Suny, na sigla em inglês) em sua Ferrari F430 Spider preta de US$ 220 mil, a que tem "Dr. Nano" escrito nas placas de licenciamento. Minutos depois, Kaloyeros, 52, diretor-geral da escola, com um salário anual de US$ 696 mil, entra rapidamente na sala falando em seu BlackBerry e vestindo uma camiseta de algodão branca, de mangas compridas, e jeans desbotados. Ele pede desculpas pelo atraso. "Não consigo entender como certas pessoas creem estar economizando dinheiro dirigindo a 25 km/h", reclama.

Apressado e extravagante, Kaloyeros simboliza uma nova geração de servidores públicos empreendedores. Ele ajudou a convencer o Estado de Nova York a injetar US$ 900 milhões em dinheiro dos contribuintes americanos em instalações de pesquisa e desenvolvimento, incluindo uma das salas purificadas mais avançados do mundo para a fabricação de protótipos de chips da próxima geração.

Kaloyeros ganha um salário alto para comandar uma operação que emprega 2,2 mil pesquisadores e já atraiu US$ 3,5 bilhões em investimentos em pesquisa e desenvolvimento de empresas como a IBM, Advanced Materials, Tokyo Electron e do consórcio governamental de pesquisas com chips Sematech, para as quais dominar materiais na escala atômica é vital para futuros produtos.

O esforço da Suny Albany no campo da nanotecnologia representa uma nova e ousada direção na estratégia econômica que está varrendo os Estados americanos - e que agora está sendo testada com rigor. Os Estados vêm proporcionando grandes benefícios às empresas do setor privado há décadas. Nos últimos anos, porém, alguns cruzaram audaciosamente a linha entre os setores público e privado, elaborando estratégias que se parecem mais com políticas industriais. Eles estão se voltando para determinadas tecnologias e, junto com as empresas, investindo grandes somas em centros de pesquisas sofisticados, unidades de teste de novas tecnologias e parques industriais cujos ocupantes recebem um incentivo especial. Estados que vão da Pensilvânia ao Oregon se tornaram fontes cada vez mais importantes de capital inicial para empresas iniciantes do setor de tecnologia.

Agora, muitos Estados enfrentam grandes problemas de orçamento e precisam escolher entre proteger os programas de pesquisa público-privados que possam criam empregos no longo prazo, ou reduzir os gastos com o ensino público e a área de saúde. Kathleen Sebelius, governadora do Kansas, por exemplo propôs um corte de US$ 35 milhões nos recursos para uma iniciativa na área de biociências e o fechamento de uma agência que oferecia ajuda financeira e empresarial para companhias de tecnologia promissoras. O Estado de Indiana pretende reduzir em US$ 20 milhões os recursos para pesquisas e desenvolvimento na área de ciências biológicas, enquanto cortes no orçamento estão forçando a Maryland Technology Development a fechar seu programa de incubadora de empresas. "Como os Estados não podem imprimir dinheiro, os programas que encorajam as parcerias das universidades com o setor privado estão sob pressão", diz Brian Darmody, vice-presidente de pesquisas da Universidade de Maryland.

Os parceiros naturais desses experimentos também estão sofrendo. As doações às universidades americanas diminuíram e as empresas estão sendo duramente pressionadas a levantar recursos para continuarem operando. Portanto, não há dinheiro para iniciativas novas e arriscadas. Essas pressões financeiras certamente vão aumentar em 2009.

Até agora, porém, a maioria dos Estados está aguentando firme. A iniciativa nano de Nova York continua em grande parte incólume - um centro de pesquisas de US$ 150 milhões bancado por empresas acaba de abrir no campus de Albany. E, embora a IBM esteja considerando demissões em suas operações de fabricação de chips nos EUA, Kaloyeros diz que ela está falando em ampliar sua colaboração em pesquisa e desenvolvimento.

O pacote de estímulo econômico de US$ 900 bilhões da administração Obama dá novas esperanças aos Estados de conseguirem recursos em Washington para colaborações público-privadas bem-sucedidas nos Estados.

Misturar o dinheiro dos contribuintes com o do setor privado é arriscado, é claro. Há motivos para o guru da competitividade da Harvard Business School, Michael Porter, pregar cautela. "O modelo de base, em que as regiões seguem sem esperar pelo governo, é uma das grandes forças da América", diz Porter. Mas ele chama de irreais muitas das intervenções estatais. "Os subsídios normalmente são um sinal de que você não tem uma vantagem básica num setor."

Muitos funcionários públicos insistem que estão se sofisticando mais no desenvolvimento econômico. Em vez de tentar atrair fábricas que poderão se mudar para o México ou a China em cinco anos, eles estão tentando construir novas empresas em áreas como a da energia renovável, nanomateriais e dispositivos biomédicos que possam gerar empregos bem remunerados por décadas. Isso significa treinar primeiro a força de trabalho local, fornecer capital de risco e promover as pesquisas e o desenvolvimento. San Diego oferece um modelo promissor. Lá, o governo e empresários locais vêm cultivando metodicamente um centro de biotecnologia de ponta, que hoje conta com cerca de 700 empresas. O esforço começou nos anos 60.

Parcerias como a de San Diego estão proliferando. A DuPont, o Oak Ridge National Laboratory e a Universidade do Tennessee formaram uma associação de longo prazo na área de pesquisa e desenvolvimento ligada à transformação do switchgrass (um tipo de capim comum nas pradarias norte-americanas) em biocombustível. O Estado está investindo US$ 40 milhões dos US$ 170 milhões necessários para a construção de uma unidade piloto. A Califórnia destinou US$ 400 milhões para institutos de biomedicina, nanotecnologia e outras áreas que pretendem captar US$ 800 milhões junto a empresas. Ohio, Michigan, Arizona e Massachusetts vêm formando grandes fundos para aplicar em pesquisas público-privadas. "O aumento da colaboração é a maior mudança no pensamento em relação ao desenvolvimento ocorrida em décadas", afirma Mary Jo Waits, que vem estudando a tendência para a National Governors Association e o Pew Center. "Estou surpresa como os governadores estão tentando manter os investimentos em pesquisa."

Alguns defensores sustentam que os governos são hoje uma das poucas fontes de capital com paciência para esperar retorno. Ao contrário da tecnologia da informação, onde US$ 25 milhões poderiam lançar uma Google ou uma Amazon.com, fábricas para a construção de células de energia solar, iluminação digital ou baterias elétricas de automóveis de próxima geração, custam bilhões de dólares. A companhia iniciante A123 Systema, de Watertown, Massachusetts, por exemplo, conseguiu uma ajuda de US$ 10 milhões de Michigan e está tentando conseguir um empréstimo federal de US$ 1,8 bilhão para fabricar baterias de íons de lítio para automóveis. "O velho modelo do capital de risco que funcionou para a tecnologia da informação, não funciona para as tecnologias limpas", afirma James Greenberger, um advogado de Chicago especializado em energias renováveis. "A escala e os riscos são muito maiores."

Para os críticos, os subsídios são um auxílio-desemprego corporativo. Greg LeRoy, diretor do Good Jobs First, um grupo de proteção aos trabalhadores, reclama desses esforços dos Estados. Ele calcula que a maior parte dos US$ 50 bilhões ou mais que os Estados gastam anualmente com incentivos industriais vai para uma guerra fiscal na tentativa de atrair empresas.

Kaloyeros diz que essas críticas não procedem. Nova York vem desde 1995 investindo constantemente em pesquisa, laboratórios e força de trabalho necessários para tornar Albany um centro viável de nanotecnologia. O Estado e a IBM construíram um centro de pesquisa e desenvolvimento na Universidade de Albany, para desenvolver a próxima geração de chips. Ele é parte de um consórcio que inclui a Samsung, Freescale Semiconductor e a Chartered Semiconductor, de Cingapura.

A universidade, então, construiu uma fábrica de pastilhas de silício que o diretor de pesquisas da IBM John E. Kelly chama de "de longe, o mais avançado centro de pesquisas do mundo da nanotecnologia", e salvou empregos que provavelmente teriam sido transferidos para outros países. Dezenas de fabricantes de chips e vendedores de equipamentos abriram grandes laboratórios no campus.

O Novo México vem sendo ainda mais ambicioso em suas parcerias . Desde 2002, as autoridades passaram a tentar identificar novos setores que pudessem criar empregos bem remunerados que não pudessem ser terceirizados. Eles escolheram a produção de cinema, as energias renováveis, os serviços financeiros e o setor aeroespacial. Para atrair companhias, o Novo México recorreu a fundos fiduciários de muitos bilhões de dólares estabelecidos pelo Estado para investir royalties de petróleo, gás e minerais extraídos de terras públicas. Ele separou US$ 600 milhões em capital de risco para aplicar em companhias iniciantes e investiu em cinema, um fabricante de aviões e um "porto espacial" de US$ 250 milhões para viagens espaciais comerciais. O Nova México reembolsa as empresas com 10% dos salários e outros custos que recaem sobre a criação de cada novo emprego que elas criam e que pague um salário de pelo menos US$ 50 mil por ano. Os estúdios de cinema recuperam 25% dos custos que têm no Estado.

Apesar da recessão, a estratégia está se mantendo. A Hewlett-Packard, a Fidelity Investments e a Schott Solar da Alemanha estão prosseguindo com a construção de novas unidades de produção e serviços em Albuquerque, que vão empregar mais de 1 mil pessoas cada. Antes de 2003, um ou dois grandes filmes ou série de TV eram rodados no Novo México a cada ano. Em 2008, foram 30, incluindo "Termination Salvation" (o quarto filme da série "O Exterminador do Futuro"), da Warner Bros.

No entanto, a participação de 5% que o Estado tem na Eclipse Aviation parece ser um fracasso. A fabricante de aviões pequenos (para seis passageiros) de Albuquerque, fundada em 2003, pediu concordata em novembro, depois de problemas de atrasos na produção e cancelamentos de pedidos. O analista Richard Aboulafia, da consultoria aeroespacial Teal Group, chama a Eclipse de "um caso de estudo dos motivos porque os governos são ruins em tomar decisões de investimentos".

Alana McCarraher, uma porta-voz da Eclipse, responde que o investimento de US$ 30 milhões feito pelo Estado até agora levou à geração de US$ 100 milhões em impostos e investimentos locais. "O Novo México teve um retorno substancial com a Eclipse Aviation", diz ela.

Em outro canto do país, em Bethlehem, Pensilvânia, a enferrujada Bethlehem Steel Works oferece uma lembrança diária da decadência da cidade. A usina já empregou 30 mil pessoas e forneceu grande parte ao aço para a frota naval americana na Segunda Guerra Mundial. Ela fechou em 1995. Mesmo assim, à distância de uma caminhada, o espaço que já serviu de estacionamento abriga hoje as sedes de empresas como a fabricante de equipamentos médicos Orasure Technologies, a fabricante de materiais semicondutores IQE e a terceirizadora de negócios PeopleForce. Elas estão entre as centenas de companhias iniciantes lançadas com a ajuda da Ben Franklin Technologies Partners, um veículo de investimentos do Estado.

Fundada em 1982 pelo então governador Dick Thornburgh, a Ben Franklin começou a ajudar as universidades locais a espalhar tecnologia. Hoje, ela é uma das maiores empresas de capital de risco estatal dos EUA, investindo em pacotes que vão de US$ 25 mil a US$ 500 mil para ajudar empresários a desenvolverem protótipos, aperfeiçoarem planos de negócios e ampliar a produção.

Esses programas agora existem em todos os Estados dos EUA. A National Association of Seed & Venture Funds (NASVF) calcula que existam hoje nos Estados US$ 290 milhões em capital inicial. Os Estados respondem por uma pequena parcela de todos os investimentos de private equity e venture capital do país. James Jaffe, presidente da NASVF, calcula que na Pensilvânia, Oregon, Novo México e outros, "os Estados se tornaram fontes decisivas de capital inicial".

E funciona? Paul Kedrosky, sócio sênior da Ewing Marion Kauffman Foundation, que se concentra no empreendedorismo, observa que ainda não existe um estudo verdadeiramente independente sobre os fundos de venture capital estaduais americanos. Outra dúvida é: será que os Estados não poderiam gerar mais atividade econômica investindo em outras áreas, como a educação? "Se você aplica US$ 100 milhões em um monte de empresas, você vai criar um monte de empregos", diz Robert Wiltbank, um professor da Universidade Willamette, que é parceira de uma firma de venture capital. "Isso não quer dizer que você vai se sair melhor do que qualquer outro."

Os defensores dos fundos respondem que, na maior parte dos Estados, um ecossistema de companhias iniciantes de tecnologia nunca se desenvolveu. Dois terços do capital de risco americano são investidos na Califórnia, Massachusetts, Texas e Nova York. Isso deixa de lado milhares de empresas com potencial em outros Estados, nos cinco ou mais anos necessários para se transformar uma ideia de um laboratório em um protótipo de trabalho.

A Ben Franklin diz que os US$ 140 milhões investidos entre 2002 e 2006 em centenas de empresas já renderam US$ 517 milhões em novos impostos estaduais e geraram US$ 8 bilhões em atividade econômica. Os sucessos incluem a Garland, uma fabricante de fornos de cozinha de ponta da cidade de Freeland, e a Orasure de Bethlehem, uma fornecedora de kits de teste de aids através da saliva humana, que fatura US$ 83 milhões por ano. Quando a Innovative Control Systems, de Wind Gap, quis desenvolver novos controles de computador para lavadoras de carros em meados da década de 90, "os bancos não quiseram conversar com a gente e os capitalistas de risco disseram que não éramos atraentes ou grandes o suficiente", diz o presidente Kevin Detrick. A Ben Franklin injetou US$ 236 mil na companhia. Quando Detrick mudou a direção estratégica em 2004, a Ben Franklin organizou uma "tiger session", onde empresários locais apontaram falhas em seu plano de negócios. Eles convenceram Detrick a se concentrar não só nos hardwares, mas também nos serviços para ajudar as lavadoras de carros a gerenciarem de tudo, de pagamentos de cartões de crédito a lembrar os clientes quando seus automóveis estavam precisando de um polimento. Em 2008, a Innovative Controls teve vendas de US$ 16 milhões e atendeu 2 mil lavadoras de carros. Sem a Ben Franklin, "acho que não estaríamos aqui agora", diz Detrick.

Mesmo havendo bolsões que em as parcerias público-privadas estão dando certo, será que essas experiências são grandes o suficiente para fazer a diferença, especialmente na concorrência com a China, Japão ou Coreia do Sul? A assistência bem planejada de Washington poderia ter um impacto, mas essa coordenação vem sendo fraca. "Há muitas grandes experiências na comercialização de novas tecnologias no nível estadual", diz Dan Berglund, presidente-executivo do State Science & Technology Institute (SSTI) de Westerville, Ohio, uma organização sem fins lucrativos que aconselha governos regionais. "Mas, no nível federal, há pouco financiamento e nenhuma estratégia."

Se a administração Obama conseguir unir os esforços dos Estados e os de Washington, os Estados que investiram antes em setores estratégicos poderão estar melhor posicionados para receber o apoio federal. Isso é parte do pensamento de Kaloyeros - tornar Albany o lugar onde " terá de estar qualquer pessoa que queira demonstrar qualquer conceito em nanotecnologia". Seu objetivo, brinca ele, é ampliar seu campus de pesquisa para que ele possa andar até a Starbucks mais próxima sem precisar sair do campus. Essa loja da Starbucks fica a 1,5 km.