Título: Interação universidade e indústria ainda é polêmica
Autor: Ricardo Balthazar
Fonte: Valor Econômico, 01/03/2005, Brasil, p. A12
A discussão de formas de interação entre a indústria e a universidade, tema do terceiro painel do Fórum "A indústria e a Reforma da Educação Superior", realizado ontem em São Paulo, deixou claras diferenças conceituais nas visões dos dois lados que exigirão ainda muita discussão antes de se chegar a um consenso. O aspecto mais polêmico da questão envolve a defesa da autonomia das universidades e a demanda das empresas por pesquisa voltada para as necessidades imediatas da indústria nacional. Ao apresentar o painel, Ernesto Heinzelmann, presidente da fabricante de compressores de ar condicionado Embraco, ressaltou a importância de as indústrias manterem parcerias que viabilizem o desenvolvimento de novas tecnologias, frisando que isso "não deve ser confundido com a criação de projetos de produtos". Essa separação foi também levantada posteriormente pelos debatedores dos grupos de trabalho, muitos dos quais defenderam participação mais ativa de representantes da indústria nos conselhos universitários como forma de influenciar direta e democraticamente as decisões sobre os rumos das pesquisas. Outra preocupação recorrente entre os debatedores foi a omissão do texto do governo quanto ao papel das empresas no contexto da Reforma Universitária proposta, bem como a falta de uma conexão clara com a Lei de Política Industrial e a Lei de Inovação, que prevêem e estimulam a parceria de empresas e universidades. "Faltou mencionar essas leis no anteprojeto da reforma para que as coisas se complementem, pois acreditamos que só se houver um alinhamento das políticas do governo como um todo elas poderão ser eficazes", argumentou Carlos Cavalcante, superintendente do Instituto Euvaldo Lodi (IEL). Essa interação, segundo Cavalcante, poderia viabilizar, inclusive, "a criação de políticas públicas de apoio à interação, com destinação de verbas oficiais, como ocorreu na área do agronegócio e as parcerias com a Embrapa e as universidades, por exemplo". Já a preocupação dos reitores e representantes das escolas e fundações que participaram do encontro estava mais voltada para a preservação da autonomia em relação à decisão sobre o foco das pesquisas. Enquanto o reitor da Universidade de São Paulo (USP), Adolpho José Melfi, declarava que "a universidade deve manter sua autonomia, mas não pretender ter soberania, pois ela deve, sim, uma satisfação à sociedade", a maioria de seus colegas afirmava de forma mais categórica que o papel da universidade deve ser formar recursos humanos e gerar conhecimento e não desenvolver tecnologias voltadas para os interesses imediatos da indústria. O consenso, pela avaliação geral dos participantes ao final do encontro, deve caminhar para uma posição intermediária que preserve a pesquisa pura e ao mesmo tempo contemple a participação do setor produtivo. A sugestão de que se valorize academicamente o registro de patentes (da mesma forma que se valoriza a publicação de estudos e artigos) também foi encaminhada pelos debatedores como uma forma de incentivar o desenvolvimento de pesquisas voltadas para a realidade das empresas. Os grupos de trabalho, mais uma vez, fizeram questão de defender o papel das fundações no incentivo à pesquisa e à geração de conhecimento, que ficaria inviabilizada caso se mantivesse o texto atual do anteprojeto de lei do governo. Nas conclusões encaminhadas para elaboração do documento final, foi reivindicada a manutenção das fundações no seu papel atual, desde que se criem mecanismos de controle e transparência que evitem problemas de desvio de verbas ou de funções. E se sugeriu que de alguma forma conste no texto final da reforma algum tipo de incentivo à disseminação da cultura do empreendedorismo entre os estudantes, que seriam incentivados a canalizar seu conhecimento para uma futura produção. Segundo dados apresentados pelos debatedores, enquanto nos Estados Unidos há 12 habitantes para cada empresa, no Brasil essa relação é de apenas 40 habitantes por empresa.