Título: Especialistas querem metas para reforma do ensino superior
Autor: Ricardo Balthazar
Fonte: Valor Econômico, 01/03/2005, Brasil, p. A12

Empresários, especialistas em educação e lideranças da comunidade acadêmica apresentaram ontem sugestões para promover uma revisão profunda do projeto de reforma universitária lançado em dezembro pelo Ministério da Educação. Eles passaram o dia reunidos num hotel de São Paulo, num encontro organizado pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) com apoio do Valor. O grupo, que incluiu reitores de duas universidades públicas e representantes de instituições particulares, concluiu que o governo deve evitar interferir de maneira excessiva na maneira como as universidades são administradas, mas precisa exigir da academia o cumprimento de metas de desempenho e qualidade bem definidas em troca dos benefícios propostos pela reforma. As sugestões do grupo serão reunidas pela CNI num documento a ser apresentado ao governo dentro de algumas semanas. Outro encontro para colher sugestões de especialistas será realizado na próxima segunda-feira, em Recife. O documento final também deverá incorporar sugestões que a CNI apresentou ao Ministério da Educação em outubro, antes que o projeto do governo federal viesse a público. A reforma proposta por Brasília dá autonomia administrativa e financeira às universidades federais e amplia o volume de recursos orçamentários à sua disposição. Ao mesmo tempo, reduz a liberdade que os donos de faculdades particulares têm para administrar suas escolas e cria mecanismos de controle externo para vigiar seu comportamento. O Ministério da Educação promete apresentar uma nova versão do seu projeto no fim de março, incorporando sugestões que recebeu desde que divulgou a atual versão, que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva classificou na semana passada como "o primeiro borrão". A nova versão será encaminhada à Casa Civil para mais uma etapa de consultas públicas antes que o projeto seja mandado para o Congresso. Os especialistas recrutados pela CNI dirigiram a maior parte de suas críticas à falta de critérios para a distribuição do dinheiro do orçamento entre as universidades federais. De acordo com a proposta do governo, elas terão direito a 75% dos recursos federais destinados à educação e seu orçamento não poderá ser reduzido de um ano para o outro. O problema é que o projeto do governo exige muito pouco em troca da autonomia, na avaliação dos críticos. "É o que qualquer reitor pediu a Deus", disse o economista Cláudio de Moura Castro, presidente do conselho consultivo da Faculdade Pitágoras, de Minas Gerais. "O projeto dá tudo e não cobra resultados." Segundo a proposta do governo, as universidades teriam que submeter à aprovação de Brasília planos detalhados a cada cinco anos e projetos de expansão sempre que exigirem repasses adicionais de recursos orçamentários. Mas os críticos acham que isso é muito pouco e o grupo reunido ontem fez várias sugestões para corrigir essa deficiência. Uma delas seria incluir entre as exigências metas de desempenho mais definidas, como a expansão das matrículas ou o aumento do número de vagas em cursos noturnos. Outra idéia foi limitar os gastos das universidades com pessoal a um porcentual fixo das despesas, para evitar que o dinheiro extra seja usado para dar aumentos salariais a professores e funcionários sem critério. Do jeito que as coisas funcionam hoje, existem inúmeras distorções nas universidades federais. Se as suas despesas forem divididas pelo número de alunos, é possível encontrar custos maiores em universidades do Nordeste do que no Sudeste. Para o presidente da Federação das Indústrias do Paraná, Rodrigo Costa da Rocha Loures, seria melhor se o governo definisse um limite por aluno matriculado na hora de dividir o dinheiro entre as federais. Também surgiram idéias para expandir a oferta de vagas no sistema de forma inovadora. O reitor da Universidade Estadual de Campinas, Carlos Henrique de Brito Cruz, sugeriu a criação de cursos de nível superior de duração menor que os tradicionais em algumas áreas profissionais. "Isso ajudaria muita gente a conseguir o diploma e seus benefícios mais depressa", disse Brito. Cursos desse tipo, com apenas dois anos de duração, são responsáveis por quase metade das matrículas no ensino superior nos Estados Unidos, segundo ele. Seus custos chegam a representar um décimo dos custos observados em universidades de elite, que têm cursos mais longos e laboratórios caros para aparelhar. Os representantes da indústria defenderam a criação de mecanismos que as aproximem das necessidades mais imediatas das empresas. "É fundamental que o sistema educacional brasileiro tenha um maior enfoque na formação tecnológica, pela valorização dos cursos das ciências exatas e biológicas", disse o presidente da CNI, Armando Monteiro Neto, em mensagem dirigida aos participantes do debate. É uma idéia que entra diretamente em choque com as concepções de liberdade acadêmica que as universidades tanto prezam, mas é uma amostra da insatisfação dos empresários com outra lacuna do projeto do governo. "Estamos discutindo uma reforma sem definir o projeto de educação em que ela está inserida e para quê deve servir a universidade", afirmou Ricardo Young, dono da rede de escolas de idiomas Yázigi Internexus.