Título: Ele já falava como governador...
Autor: Tahan, Lilian ; Alves, Renato
Fonte: Correio Braziliense, 19/02/2010, Cidades, p. 28

Durante conversa com o Correio, o presidente da Câmara Legislativa fez planos como se estivesse com o GDF nas mãos

A chance de comandar o Distrito Federal nunca chegou tão perto do presidente da Câmara Legislativa, Wilson Lima (PR) quanto ontem. Meia hora antes do pronunciamento do governador em exercício Paulo Octávio (DEM), Lima estava seguro de que seria o próximo a sentar na cadeira do chefe do Executivo. Recebeu um telefonema comunicando a tendência de renúncia. Embevecido com a possibilidade de ocupar o Buriti meteoricamente, o distrital eleito com 9 mil votos falou como se governador fosse.

Assim que o fotógrafo entrou na sala, às 15h55, Wilson Lima tratou de arrumar a gravata e fechar os três botões do terno, indumentária que passou a adotar como rotina recentemente, após assumir a presidência da Câmara Legislativa. Não economizou nas poses. Seria a primeira entrevista como novo chefe do Executivo no DF. Cargo que, admitiu, nunca havia sonhado assumir. Mas nem por isso deixou de fazer planos. Já tinha na cabeça a

primeira medida: ¿Vou chamar os partidos, os deputados, fazer um governo de coalizão¿. Falou que prefere despachar no Buriti: ¿É mais modesto¿. Cogitou até mesmo mudança para a residência oficial de Águas Claras: ¿Estou estudando¿. Faltou combinar com Paulo Octávio, que anunciou a renúncia, mas voltou atrás por volta das 17h, meia hora após Lima receber a equipe do Correio.

Lima fez lembrar o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Na disputa pela Prefeitura de São Paulo, em 1985, jornais publicaram, no dia da eleição, uma foto de FHC sentado na cadeira de prefeito. A imagem entrou para a história como mau agouro. Jânio Quadros desbancou o concorrente nas urnas. No caso do deputado distrital, ele posou para o Correio como governador porque acreditou na palavra de Paulo Octávio, que havia garantido a repórteres, por telefone, a saída do Buriti. Os demais deputados também confiaram no governador em exercício. Tanto que, durante a entrevista de 34 minutos de Lima, lotaram a presidência da Câmara Legislativa. Queriam saudar o novo governador.

Há a expectativa de que o senhor se torne o próximo governador do DF. Como o senhor reage a essa responsabilidade? Antes de mais nada, tenho que tomar pé da situação, tenho que formar um governo de coalizão, reunir os partidos e os deputados para que me ajudem nessa missão espinhosa. Brasília passa por um momento muito difícil, a população está sofrendo com tudo isso. As empresas estão apreensivas para saber o futuro delas, há uma insolvência que pode vir se não tiver uma administração austera.

O senhor vai ter pulso para enfrentar esse quadro de crise? Sou muito católico, acredito na providência divina. Enquanto puder dar a minha dose de contribuição, darei até a última gota para fazer o povo de Brasília feliz.

Qual a primeira atitude que o senhor tomaria para retomar a governabilidade ? Já pedi aos deputados que, numa hipótese dessa natureza, eles se colocassem à disposição, porque não têm que pensar no partido, mas no povo de Brasília, no sufoco.

Tem sido falado que existia um acordo entre o governador em exercício Paulo Octávio e o senhor para uma renúncia casada. Essa informação procede? Não tem nenhum acordo dessa natureza, nós estamos observando a linha sucessória. O governador está impedido; o vice-governador, se renunciar; aí, sou eu. Não vou fugir da missão, não.

O senhor já imaginou um dia ser governador? Nem durante essa crise eu imaginei ser, nunca passou pela minha cabeça. Mas eu sou um homem que vive dia a dia. E me preparo. Talvez não seja a pessoa que as pessoas esperavam. Mas espero superar todas as expectativas.

A crise toda gira em torno de denúncias de corrupção. Como é que o senhor vai agir com relação aos contratos do GDF com empresas consideradas suspeitas pela Operação Caixa de Pandora? Já fiz uma preliminar com a presidenta do Tribunal de Contas, Anilcéia Machado. Ela vai me dar o suporte que eu precisar do tribunal. Tenho na Casa aqui uma assessoria que pode me ajudar a não errar.

O senhor tem fama de gastador. Nos últimos três anos, foi o segundo distrital que mais consumiu com verba indenizatória. Vai manter essa rotina no GDF? Gastar em que lá?

São R$ 21 bilhões de recursos¿ Vou aplicar no que é correto durante o período em que eu estiver à frente do GDF. Mas quero tudo detalhado. Se não puder pagar, não vai ter. A verba que existe na Câmara Legislativa é legal, não é imoral. Uso ela (sic) para a divulgação do trabalho parlamentar, sou autor de 39 leis ¿ são de alcance social, ajudam a população, as pessoas menos esclarecidas.

Como o senhor vai lidar com os cargos no GDF. Vai fazer loteamento entre os partidos? Vou fazer uma composição o mais técnica possível. Claro que existem as composições políticas. O GDF não é diferente do governo federal. Ele (o presidente Lula), quando compôs com o PMDB, o Edison Lobão e outros mais ocuparam o ministério de porteira fechada. O PTB pegou um monte de cargos.

O senhor vai seguir esse exemplo? Não, não é isso. Estou falando que não é ilegal. Tenho que rever algumas coisas¿ ou muita coisa. O governo tem que tomar outra cara.

Assim como o presidente Lula, o senhor subiu na política sem passar pela universidade. Acha que o estudo formal faz diferença agora que pode ocupar cargo tão importante? Não faz diferença não. A faculdade da vida ensina muito a gente. Entendo um pouco de direito hoje, de engenharia, faço um prédio acontecer de baixo até em cima.

Por falar em prédio, a Câmara Legislativa construiu um prédio suntuoso. Ele combina com o atual momento vivido pelos distritais? Aquela Casa lá é do povo. O povo merece estar num local confortável.

Mas não seria mais justo o povo escolher se queria um prédio suntuoso ou hospitais públicos? Mas existe recurso para tudo. Há tempo e recurso para tudo. Uma igreja, quando vai ser construída, o padre sabe que o dinheiro é dos fiéis e, no entanto, faz a igreja mais acolhedora possível.

Qual a característica pessoal que ajudou o senhor a se projetar na política ? Diálogo, ausculta, tendência. Para onde vai passar tal coisa. Você tem que tirar as conclusões. Não é escuta, é ausculta. Essas qualidades que eu acho, são virtudes que a gente costuma exercer.

E um defeito? Ninguém é perfeito. O nervosismo da gente, a gente é nervoso. Sou um fofinho. Posso não agradar a todos, mas sou casado com a minha esposa e fiel a ela há 31 anos.

O senhor foi eleito com 9 mil votos, mas pode comandar um cidade com 2,5 milhões de habitantes. Como agradar todo mundo? Estou indo a serviço de todos. Vou tentar de todas as formas. Mas eu peço um voto de confiança da população.

O senhor vai se candidatar nas próximas eleições? Não sei. O futuro a Deus pertence. Não sei ao que eu posso me candidatar ou se tenho que renunciar. E não sei também por quanto tempo eu fico no governo. De repente, a lei faculta que alguém volte, não sei. Mas se eu ficar à frente, levarei a cabo.

O senhor vai despachar no Buriti ou no Buritinga? Ainda não sei não. A princípio pode ser lá no Buriti, naquela sala onde o governador está. Eu vi a sala, a montagem que tem lá é boa. Uma estrutura que atende a necessidade do governo. Acho um lugar mais modesto.

E quanto à Residência Oficial de Águas Claras? Não sei como deve ser usado e quando deve ser usado. Vou fazer um estudo de tudo isso.

Prudente mantém os seus na Presidência Carlos Moura/CB/D.A Press

Enquanto Wilson Lima (PR) sonha com o cargo de governador do Distrito Federal, o deputado do dinheiro nas meias continua dando as cartas na Câmara Legislativa. Mesmo um mês após ser tirado da presidência da Casa pela Justiça, Leonardo Prudente (sem partido) mantém pessoas de sua confiança em cargos estratégicos do Legislativo candango. Inclusive na presidência, onde permanecem 13 dos seus antigos e fiéis assessores.

Até agora, Wilson Lima, que assumiu a presidência da Câmara em 2 de fevereiro, trocou somente o secretário-geral da gestão Leonardo Prudente. Lima manteve até o chefe de gabinete do colega, Jair Tedeschi. Coronel da reserva da Polícia Militar do DF, Tedeschi foi diretor-geral do Departamento de Trânsito (Detran) de abril de 2008 até o início de 2009. Deixou o órgão para trabalhar na chefia de gabinete de Prudente.

Flagrado em vídeo abarrotando os bolsos do paletó e as meias de dinheiro ¿ entregue por Durval Barbosa, ex-secretário de Relações Institucionais do GDF ¿, colocou pessoas de sua estrita confiança em cargos estratégicos do Detran quando Tedeschi era o diretor-geral do departamento. O plano de Prudente era facilitar a contratação de suas empresas de vigilância.

Desde que passou a ter ingerência no Detran, no início do governo Arruda, Prudente manteve familiares em cargos estratégicos do órgão. O deputado indicou, para presidir a Comissão Permanente de Licitação (CPL) ¿ que analisa contratos de prestação de serviço ¿, Cristiano Gonçalves Menna Barreto. Ele é casado com Rosa Maria da Silva Menna Barreto, irmã de Conceição Ceolin Prudente, a mulher do deputado.

A desconfiança sobre as intenções de Prudente no Detran surgiu a partir de revelações feitas pelo ex-secretário Durval Barbosa ao Ministério Público. No depoimento prestado em 16 de setembro de 2009, Durval afirmou que Prudente comanda o Detran por meio de parentes e aliados com ¿a finalidade de desviar dinheiro público¿. Ele cita que isso ocorreu na Comissão de Licitação e na Ouvidoria do órgão, mas não especifica os nomes.

Em três anos, os contratos emergenciais do Detran e, portanto, com dispensa de licitação, quadruplicaram. Saltaram de R$ 11 milhões, em 2006, para R$ 46 milhões, em 2009. Uma ação ordinária apresentada pelo MP, de fevereiro de 2008, reforça as suspeitas dos interesses duvidosos de Prudente no Detran. O processo assinado pela promotora-adjunta Carina Costa Oliveira Leite descreve as circunstâncias da contratação da G6 Sistema de Segurança Integrada pela autarquia. A G6 foi criada por Prudente e repassada anos depois, quando ele se tornou deputado, aos nomes de amigos de sua família.

Sem mudança Mas nada disso parece incomodar o atual presidente da Câmara Legislativa. Wilson Lima disse não ter intenção de mudar a equipe deixada por Prudente. ¿São pessoas competentes¿, elogiou. Tedeschi, que controla o acesso ao gabinete de Lima, diz não ter motivos para deixar o cargo. E considera isso um ato de bravura e lealdade. ¿Nunca fui de fugir de nada, por isso continuo aqui¿. Já Prudente continua indo à Câmara, segundo sua assessoria, mas ninguém o vê nos corredores, no plenário nem no cafezinho. Ele também não dá entrevistas. (RA)