Título: "Todas as operações tinham garantia"
Autor: Sergio Lamucci
Fonte: Valor Econômico, 01/03/2005, Política, p. A54

O ex-ministro Luiz Carlos Mendonça de Barros está processando Carlos Lessa, ex-presidente do BNDES, por calúnia e difamação. O tucano, que comandou o banco na época de privatizações importantes na era FHC, rebate acusações de que concedeu empréstimos sem exigir garantias adequadas, como no caso da venda em 1998 da Eletropaulo, controlada pela AES. Segundo ele, nessa operação específica, o BNDES financiou 50% do valor do lance mínimo fixado para o leilão, contando como garantia o penhor da totalidade das ações vendidas. "Isso equivalia a 200% do valor do empréstimo." Mendonça de Barros também critica o fato de Lessa ter lançado a dívida com a AES como prejuízo no primeiro semestre de 2003. A seguir, os principais trecho da entrevista ao Valor. Valor: - Lessa diz que várias operações feitas pelo BNDES na época do governo FHC não tinham garantias jurídicas adequadas. O empréstimo à AES tinha? Luiz Carlos Mendonça de Barros: Para permitir que São Paulo e o Tesouro Nacional recebessem à vista os recursos da venda do controle da Eletropaulo, era necessário o apoio do BNDES. O banco financiava até 50% do valor mínimo do leilão, e se exigia a garantia total das ações de controle no empréstimo. Isso fazia com que o nível de garantias fosse de 200% do valor do empréstimo. Quem ganhou foi a Lightgás, que era subsidiária integral da Light. O acionista majoritário era a francesa EDF. A AES era um sócio minoritário. O valor de aquisição foi o equivalente em reais a US$ 1,7 bilhão. O BNDES financiou metade disso. A Lightgás era uma empresa brasileira, negociando com um banco brasileiro. O contrato estava todo registrado aqui no Brasil. Em 2002, a EDF a AES resolveram abrir suas participações na Lightgás, a EDF ficou com a Light e a AES ficou com a Eletropaulo. A AES mudou o nome da Lightgás para AES/Elpa, sucessora da Lightgás e de acordo com a lei brasileira responsável por todas as cláusulas contratuais do empréstimo. Valor: Mas e o fato de a controladora da AES/Elpa estar sediada num paraíso fiscal não dificultava a execução da dívida? Mendonça de Barros: Isso não faz sentido. Não havia aval da empresa lá fora. Havia o penhor de ações de uma empresa brasileira constituída no Brasil. Valor: Mas quando houve a interrupção de pagamento, em abril de 2002, as ações valiam pouco, não? Mendonça de Barros: Em abril de 2002, o saldo devedor era de US$ 454 milhões. O valor das ações era de cerca de US$ 300 milhões. O BNDES no limite exerceria as garantias e teria um prejuízo contábil. A AES tinha pago ao BNDES US$ 430 milhões. Valor: Mas a dívida da AES com o BNDES não era de US$ 1,2 bilhão? Mendonça de Barros: Foram duas operações entre o BNDES e a AES/Elpa. A primeira era derivada do processo de privatização, que tinha um saldo de US$ 454 milhões. A outra operação foi uma em que a AES comprou a prazo do BNDES ações preferenciais da Eletropaulo. Quando o BNDES foi renegociar com AES/Elpa, ele juntou as duas. Valor: Lessa disse que não falou em corrupção com Lula. Quais as bases para o sr. processá-lo? Mendonça de Barros: Eu o estou processando por calúnia e difamação, porque ele disse e reafirmou que as operações tinham sido realizadas sem garantia real, o que atinge minha honra. Ele fala em operações bancárias mal feitas e vai até mais longe, falando em pessoas despreparadas. É mentira que as operações não tinham garantias reais e que o banco estava em dificuldade. Valor: Lessa diz que pegou o banco em situação difícil, com problemas de R$ 4 bilhões. Mendonça de Barros: Nos oito anos do governo FHC, o BNDES emprestou em média R$ 40 bilhões por ano. Em oito anos são R$ 320 bilhões de empréstimos. A legislação brasileira e a internacional permitem que uma instituição financeira, a cada ano, separe 3% do valor da carteira, como eventuais prejuízos desses créditos. Você pode fazer isso sem ter prejuízo, constituindo uma provisão sobre a qual não paga Imposto de Renda. Vamos supor que o BNDES tomou um cano de R$ 4 bilhões. Isso é 1,4% dos R$ 320 bilhões. Está abaixo dos 3%. Se o BNDES tivesse esse prejuízo, quem iria pagar era o IR, e não o BNDES. Mas não é verdade, porque os R$ 4 bilhões tinham garantias reais. Valor: O BNDES deveria ter jogado a dívida com a AES como prejuízo no 1º semestre de 2003? Mendonça de Barros: Quando você joga uma operação como prejuízo, ela vai a valor zero no seu ativo. Quando o BNDES a renegociou e a colocou como adimplência, todo o valor da dívida entrou como receita extraordinária. Tanto é verdade que diretores e funcionários do BNDES receberam gratificação por resultado devido a essa malandragem contábil. Nada que é prejuízo em abril pode ser lucro em setembro.