Título: Para EUA, trabalho infantil na AL viola direitos humanos
Autor: Tatiana Bautzer
Fonte: Valor Econômico, 01/03/2005, Internacional, p. A57

Alta incidência de trabalho infantil e casos de trabalho escravo foram apontados como os principais abusos contra direitos do trabalhador no Brasil e na América Latina no relatório anual do Departamento de Estado dos EUA sobre abusos contra direitos humanos, divulgado ontem. Os dados podem reforçar a pressão americana por cláusulas trabalhistas em acordos comerciais. O maior ataque ao direito de livre associação ocorre na área rural, diz o relatório, que ressalta os assassinatos de sindicalistas rurais no Pará em 2003. O índice de sindicalização no Brasil é relativamente alto, de 16% da força de trabalho. O relatório descreve os casos de trabalho escravo descobertos pelo Ministério do Trabalho em áreas rurais e a ocorrência de condições de trabalho forçado em confecções em São Paulo afetando imigrantes chineses, bolivianos e coreanos. O relatório cita ainda um número de 25 mil pessoas trabalhando de maneira escrava, fornecido pelo governo às Nações Unidas. O relatório reconhece os esforços do Ministério do Trabalho para punir os exploradores. O principal abuso contra direitos humanos registrado no país é a violência policial ou de grupos ligados à polícia, aponta o relatório. O texto diz que 6,7% da população de crianças com menos de 14 anos trabalhou em 2003, praticamente a metade sem receber pagamento e 90% no setor informal. "A maior incidência de trabalho infantil ocorre no Nordeste", afirma. Mais da metade dos casos ocorre na área rural. A Organização Internacional do Trabalho (OIT), segundo o relatório, estima que 20% das meninas entre 10 e 14 anos trabalham como empregadas domésticas. Embora reconheça o trabalho do governo, o programa Bolsa-Escola e programas em colaboração com a OIT e o Unicef, o governo dos EUA critica a falta de punição e processos judiciais contra exploradores de trabalho infantil. O Brasil não é um caso isolado na América Latina, e o relatório cita altos percentuais de trabalho infantil e escravo em vários países. No Equador, o dado oficial é de 300 mil crianças, mas o Unicef estima o total de 756 mil. Na Argentina, estima-se que 7% das crianças entre 5 e 14 anos trabalhem (a comissão de erradicação do trabalho infantil estima que 1,5 milhão de crianças, 23% da população infantil, faça algum tipo de trabalho). Na Venezuela, o índice é também de 7%, segundo o Unicef; são 1,2 milhão de crianças, a maior parte empregada pelo setor informal ou vendendo mercadorias nas ruas. O Chile tem índices melhores de trabalho infantil e praticamente não há registros de casos de trabalho escravo. Na Bolívia, cerca de 25% das crianças entre 7 e 14 anos trabalham, muitas na colheita de cana ou como empregados domésticos sem pagamento. No México, o trabalho infantil vem diminuindo, mas os índices ainda são altos nas áreas rurais. Estima-se que 5 milhões de crianças trabalhem- inclusive para grandes empresas do setor de agribusiness. As condições de trabalho em países em desenvolvimento são o principal argumento de sindicatos em países desenvolvidos para tentar bloquear negociações comerciais. Os acordos comerciais mais recentes dos EUA, como o acordo bilateral com a Jordânia, estabelecem padrões mínimos de cumprimento da legislação trabalhista. A inclusão de cláusulas trabalhistas nos acordos é vista muitas vezes por países em desenvolvimento como uma desculpa para mascarar interesses protecionistas. Para Mike Kozak, subsecretário para Democracia e Direitos Humanos do Departamento de Estado, a situação no Brasil "mudou pouco em relação ao ano anterior". Ao apresentar o relatório, ele disse que embora o governo federal respeite os direitos humanos, altos índices de pobreza e governos estaduais minam estes esforços. Kozak vê "sérios problemas em muitas áreas" na América Latina, e um quadro desigual entre os países. A violência policial é responsável pela maior parte dos abusos no Brasil e no México. Ele lembrou ainda a falta de voz política de grande parte da população da Bolívia e Peru, e a existência de grupos armados de direita e esquerda na Colômbia.