Título: New Deal de Obama vai priorizar gastos em 5 áreas
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Fonte: Valor Econômico, 18/12/2008, Internacional, p. A11

Sob o manto de estímulo econômico, o presidente eleito dos EUA, Barack Obama, está elaborando um novo New Deal, ou Novo Acordo, nos moldes do que Franklin Delano Roosevelt fez na época da Grande Depressão dos anos 30. Dessa maneira, Obama pretende corrigir cinco aspectos que há muito carecem de recursos na infra-estrutura americana"

Infra-estrutura de transporte

Em agosto de 2007, quando a ponte I-35W de Minneapolis caiu no Rio Mississippi, o chamado à ação para se reparar o muito deteriorado sistema de transporte dos EUA veio de ambos os partidos políticos. No entanto, pouca coisa foi feita. Os engarrafamentos - nas estradas, nos portos, no ar e nas ferrovias - estão piores do que nunca, prolongando o tempo de trajeto das pessoas e atrasando a expedição de mercadorias.

A quantidade de veículos nas ruas praticamente dobrou desde 1989, ao passo que a capacidade das estradas aumentou em apenas 6,6%, segundo as estatísticas federais e grupos do setor.

As estradas não estão apenas congestionadas, como também velhas e decrépitas. O estado da pavimentação em 260.000 km de estradas interestaduais é considerado inaceitável pelo Departamento de Transportes dos EUA e pela Administração Federal das Rodovias. Mais de 153.000 pontes, cerca de metade do total do país, foram julgadas obsoletas ou estruturalmente perigosas.

O custo dos reparos é assustador. A Associação Americana de Construtores de Estradas e Transportes afirma que o plano de estímulo proposto por Obama ofereceria alívio imediato às empresas transportadoras, assim como aos usuários das estradas e das ferrovias, além de criar empregos através dos projetos de construção. No entanto, a associação afirma que esse plano não resolveria, em absoluto, os problemas de longo prazo causados pelo rápido aumento na população e no trânsito do país. Estes exigiriam modificar a lei de transportes por superfície, quando esta for apresentada para re-autorização em 2009. Além do pacote de estímulo, o governo teria de gastar US$ 20 bilhões por ano acima dos orçamento atual para o setor apenas para manter os níveis atuais de segurança e fluxo de tráfego nas estradas.

"Os sinais da deterioração da infra-estrutura dos transportes e da falta crônica de investimentos estão em todo lugar", diz Pete Ruane, diretor-presidente da associação de construtores de estradas e transportes. "Qualquer americano que dirija nas estradas, ou que viaje por trem ou utilize um aeroporto sente a gravidade do problema."

Eficiência energética

Há uma dupla vantagem em investir pesado na melhoria da eficiência energética dos edifícios públicos. Muitos deles desperdiçam energia, e essa é uma área estratégica para se começar a melhorar a eficiência energética da economia americana como um todo.

Os edifícios federais, por si mesmos, não usam tanta energia. Consomem apenas cerca de 2% de toda a energia utilizada nos edifícios dos EUA, ou pouco mais de 0,5% do uso total de energia no país, segundo a Administração de Informações sobre Energia (EIA) do Departamento de Energia.

No entanto, na luta para melhorar a eficiência energética, os edifícios federais têm muito peso. O governo é um dos maiores proprietários de imóveis do país, observa Bracken Hendricks, especialista em energia do Centro para o Progresso Americano, centro de estudos de orientação progressista dirigido pelo chefe da equipe de transição de Obama, John Podesta.

Poucos agentes, além do governo federal, "poderiam, sozinhos, e mediante uma única ação, transformar tanto os critérios para construção", diz Hendricks.

Melhorar a eficiência energética de todos os edifícios americanos reduziria acentuadamente o uso de combustíveis fósseis. Os edifícios usam cerca de um terço de toda a energia consumida no país, segundo dados da EIA. Vários estudos já concluíram que melhorar a eficiência seria a maneira menos dispendiosa de reduzir a demanda por combustíveis fósseis.

Em um momento de crise econômica, há razões financeiras mais imediatas para se visar aos edifícios federais em primeiro lugar nos gastos com eficiência energética, diz Martin Kushler, diretor do programa de eletricidade do Conselho Americano para uma Economia com Eficiência Energética.

Os empregos criados pela eficiência energética vão desde trabalhadores da construção civil, que instalam isolamento térmico e janelas modernas, até eletricistas que vão modernizar os sistemas de iluminação e ar-condicionado.

Um relatório de setembro coordenado por Robert Pollin, professor da Universidade de Massachusetts, concluiu que um pacote federal de estímulo de US$ 100 milhões dirigido a atividades relacionadas com o meio ambiente criaria 2 milhões de empregos.

Reforma dos prédios escolares

Desde o tempo de Bill Clinton na Casa Branca, os democratas vêm pedindo um aumento substancial nos gastos com construção e reparos das escolas. E nos últimos dez anos conseguiram o que queriam - US$ 504 bilhões, sobretudo para construção de novas escolas, entre 1995 e 2004.

No entanto, o dinheiro foi dirigido, desproporcionalmente, para os distritos escolares mais ricos, deixando os alunos mais necessitados em instalações decrépitas, segundo um levantamento de 2006 coordenado pelo Fundo Escolar do Século 21, grupo de defesa do setor baseado em Washington.

Esse relatório chamou a atenção do então senador Obama, que notou suas "valiosas sugestões para políticas, que deveriam receber séria atenção", tais como um maior envolvimento federal no direcionamento das verbas.

"O direcionamento é algo que tem de ser feito no nível federal", diz Amy Wilkins, vice-presidente do Fundo para Educação, de Wa-shington. Do contrário, conclui, "políticos vão direcionar o dinheiro para a roda que range mais".

Embora os especialistas em educação digam que a construção de escolas, por si só, não vai remediar as disparidades educacionais, pode ajudar a atrair professores melhores para os distritos em dificuldades. Pesquisadores do Instituto Brookings observam que a estrutura salarial do professorado "não oferece nenhuma remuneração extra para lecionar nas escolas mais carentes, onde o trabalho provavelmente é mais difícil". Uma infra-estrutura melhor poderia trazer melhores professores, embora outros incentivos também sejam necessários.

Mary Filardo, diretora executiva do Fundo Escolar do Século 21, avalia que um investimento de US$ 20 bilhões pode ajudar a compensar os anos de manutenção deficiente em escolas de baixa renda, além de gerar cerca de 250 mil empregos de manutenção e reparos.

Expansão da banda larga

Em pleno boom da internet, nos anos 90, o governo Bill Clinton ficou preocupado com os efeitos sociais e econômicos causados pelo fato de que as famílias de baixa renda não tinham o mesmo acesso à internet que as famílias de renda alta - a chamada "exclusão digital". No governo de George W. Bush, o debate passou para o aspecto da competitividade econômica e o atraso dos EUA em relação ao resto do mundo no aspecto banda larga - medida pelos critérios de implantação da infra-estrutura, velocidade e preços.

Agora, o presidente eleito Obama está novamente dando atenção a essas duas questões.

Segundo quase todas as medidas, os EUA, país que inventou a internet, caíram do primeiro lugar nas classificações internacionais. Hoje o país é o 15º em porcentagem de habitantes com acesso à banda larga, segundo a Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico. Países como o Japão desfrutam de acessos 30 vezes mais rápido que a média nos EUA, com freqüência a preços mais baixos. Cerca de metade dos EUA, sobretudo as áreas rurais e algumas áreas urbanas, ainda não usa banda larga.

Os investimentos, por si só, não podem remediar essas deficiências. Talvez o que falte aos EUA seja, simplesmente, a competição nos serviços de internet, necessária para estimular o desempenho - problema que ultrapassa o alcance dos gastos federais. A maioria dos mercados do país consiste de um duopólio formado por uma operadora de telecomunicações e uma empresa de TV a cabo. Na Europa, os governos obrigaram as telefônicas a abrir suas redes para provedores concorrentes, medida que encontra resistência nos EUA.

No curto prazo, os efeitos econômicos de uma ampliação das redes existentes criariam 97.500 empregos na indústria de equipamentos de telecomunicação para cada US$ 5 bilhões investidos, segundo cálculos dos Trabalhadores em Comunicações da América. No longo prazo, dispor de uma rede de última geração pode melhorar a eficiência dos mais diversos setores, dizem alguns especialistas.

"As ferrovias, estradas e canais foram construídos por causa da sua importância para a economia", diz Markham Erickson, diretor executivo da Coalizão pela Internet Aberta, grupo de defesa do setor. "Agora, a internet é esse motor econômico."

Há muitas maneiras de ampliar a rede, e as opções tomadas por Washington vão criar vencedores e perdedores. Alimentar esse motor pode deflagrar uma guerra dos lobbies, fazendo os provedores de cabo e de telefonia disputarem as verbas governamentais. A indústria da fibra óptica já começou a apresentar seus argumentos. Levar cabos de fibra óptica a 90% dos domicílios americanos que hoje ainda não têm acesso a essa tecnologia custaria cerca de US$ 100 bilhões, segundo o Conselho para Fibra nos Domicílios, grupo de lobby do setor.

Poucos esperam que o próprio governo americano cuide da instalação da rede. Grandes telefônicas, como a Verizon, que estavam trabalhando para modernizar suas redes de alta velocidade, iriam protestar se o governo entrasse no negócio. Mas uma iniciativa governamental desse tipo tem um precedente, quando o primeiro New Deal, o Novo Acordo de Franklin D. Roosevelt, levou a eletricidade ao interior do país, estimulando o crescimento.

Registros de saúde digitais

Se essa rede de banda larga for construída, Obama já sabe de uma coisa que quer que flua pelas fibras: registros médicos uniformes, digitalizados.

Durante a campanha, Obama propôs um plano de saúde em duas partes: acesso universal ao seguro-saúde e um programa de tecnologia da informação sobre saúde orçado em US$ 50 bilhões ao longo de cinco anos. Assessores de Obama que participaram da montagem do plano de estímulo queriam usá-lo para estender as metas da política do presidente eleito. O programa de tecnologia da informação para a saúde "cabe perfeitamente na lei", disse um assessor.

Diferentemente dos outros setores, o sistema de saúde dos EUA, que movimenta US$ 2 trilhões, está entupido de papéis, pastas e uma montanha de selos. Mais de 90% dos médicos do país e pelo menos dois terços dos hospitais ainda usam papel para prontuários médicos e muitos dos que se informatizaram não podem trocar informações com prestadores externos. O resultado são bilhões de dólares a cada ano em gastos administrativos desnecessários, testes duplicados e erros médicos.

Consertar esse problema parecia um dos mais simples da reforma do sistema de saúde, principalmente porque todo mundo concorda com que digitalizar melhorará o atendimento. Mas questões legais e de privacidade e o fragmentado sistema de 700 mil médicos são obstáculos ao avanço. Os médicos têm sido relutantes em investir entre US$ 40.000 e US$ 60.000 num sistema eletrônico de arquivo que pode não interagir com outros sistemas, especialmente quando a maior parte dessa economia vai para as seguradoras ou outros prestadores de serviços.

Obama tem dito que a informatização do sistema de saúde pode economizar até US$ 77 bilhões e pagar por uma boa porção da outra parte da reforma. A estimativa de US$ 77 bilhões é fruto de um estudo feito pela Rand Corp., segundo o qual essa economia não será alcançada antes de 2019 - e apenas se 90% dos hospitais e médicos estiverem online até lá.