Título: O CCR e a integração regional
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 18/12/2008, Opinião, p. A12

Em períodos de escassez de crédito, o Convênio de Créditos e Pagamentos Recíprocos (CCR) pode ser fundamental para o comércio exterior dos países membros da Associação Latino-Americana de Integração (Aladi). Em tempos de liquidez, o mecanismo funciona como um mitigador de riscos, característica que reduz o custo dos financiamentos e confere competitividade à região. Esse é o perfil do CCR, que historicamente tem resultado em grandes vantagens para as exportações e importações do Brasil e de seus vizinhos.

O CCR funciona como a combinação de um mecanismo de clearing com um mecanismo de garantias mútuas. No convênio, os bancos centrais dos doze países participantes (Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, Equador, México, Paraguai, Peru, República Dominicana, Uruguai, Venezuela) se comprometem a aceitar, irrevogavelmente, débitos provenientes de operações de importação e exportação. Os débitos e créditos são compensados multilateralmente a cada quadrimestre, de forma que só são transferidos ou recebidos os saldos resultantes, o que representa economia de divisas.

Por exemplo: se o Brasil importa US$ 100 milhões da Argentina e exporta US$ 90 milhões e, em seguida, importa US$ 50 milhões do Chile e exporta US$ 70 milhões e, ainda simultaneamente, a Argentina importa US$ 70 milhões e exporta US$ 60 milhões para o Chile, após a compensação de todas essas operações, o Brasil receberá US$ 10 milhões do Chile. Ou seja, de uma corrente de comércio de US$ 440 milhões, há transferência de divisas de somente US$ 10 milhões.

O sistema reúne uma série de aspectos positivos que o tornam estrategicamente diferenciado, pois nivela as condições de competição com os países desenvolvidos e, assim, estimula o comércio intrabloco de produtos e serviços de maior valor agregado, cujo maior provedor é o Brasil.

Crédito é uma das etapas fundamentais no processo de integração regional, pois, em condições uniformes, contribui para a estabilidade entre as moedas. Vale uma comparação com a experiência européia. Antes da UE, em 1950, foi criada a União Européia de Pagamentos, cujo formato e objetivo se assemelham aos do CCR: ao representarem um meio de pagamento das operações de comércio exterior intrabloco, cumprem a função de moeda comum e, ao contribuir para a estabilidade entre as moedas, deixam de ficar à mercê da valorização do dólar, por exemplo.

No que diz respeito ao setor de infra-estrutura, para disputar os contratos, as construtoras estrangeiras oferecem aos países que investem em obras um crédito à exportação. De acordo com as políticas do crédito à exportação brasileira, os recursos são desembolsados no Brasil em reais e se destinam exclusivamente a remunerar o que é exportado (mão-de-obra, equipamentos, materiais de construção e tecnologia brasileiros). Estes recursos do crédito à exportação do Brasil complementam o investimento total. Sendo assim, todas as compras e contratações realizadas fora do Brasil são pagas com recursos de outras fontes (como CAF, BID, BIRD ou orçamento dos países), sem utilizar os recursos do crédito à exportação do Brasil.

Os recursos destinados ao crédito à exportação são oriundos do BNDES e do Banco do Brasil/Proex. A aplicação depende da capacidade de endividamento do importador, que terá seu balanço afetado pela dívida e, posteriormente, devolver integralmente os recursos ao Brasil em dólares acrescidos de juros. Tais bancos também têm linhas de crédito disponíveis para investimentos em infra-estrutura no Brasil. A aplicação destes recursos depende da capacidade de endividamento da União, dos Estados e municípios, diretamente, ou através das empresas estatais. Assim, os recursos destinados ao crédito à exportação não competem com os de investimentos em infra-estrutura. Os recursos para os investimentos no Brasil estão vinculados à política fiscal adotada pelo país, que condiciona a capacidade da União, dos Estados e dos municípios de captar os recursos disponíveis no BNDES para estes investimentos.

Ainda no que tange às exportações de bens e serviços brasileiros, há o Seguro de Crédito à Exportação (SCE), com participação do Fundo de Garantia à Exportação (FGE), cuja capacidade de alavancagem ainda é muito inferior ao praticado internacionalmente. Tal seguro, utilizado de forma usual em economias avançadas, pode ser contratado pelo importador, pelo exportador ou mesmo pelo financiador para cobrir uma série de riscos comerciais e políticos. Ou seja, o Banco Central brasileiro não é afetado por esses contratos e obrigações.

Levando-se em conta a recente ameaça equatoriana de não honrar o crédito - em reais - contratado junto ao BNDES para financiar a exportação de bens e serviços produzidos no Brasil, cujos repagamentos - em dólares - cursam via CCR, é necessário esclarecer que o default seria sistêmico. Ou seja, o Equador não ficaria inadimplente somente com o Brasil, mas com os 12 países que fazem parte do mecanismo da Aladi. Mais ainda, a medida do Equador significaria a implosão do CCR. Fato que nunca ocorreu nos mais de 30 anos de funcionamento desse convênio.

Como atualmente o Equador encontra-se na posição de credor, tal atitude seria um absoluto contra-senso, uma vez que deixaria de receber os créditos aos quais tem direito. O fato é particularmente dramático em um período de restrição ao crédito internacional, queda dos preços do barril de petróleo e estreitamento das divisas remetidas pelos que migraram para os países desenvolvidos.

A conclusão do imbróglio - espera-se que principalmente para os equatorianos, que tendem a ficar isolados no âmbito da Aladi caso insistam em comprometer o funcionamento de um mecanismo regional estratégico - é a de que o CCR precisa ser fortalecido nos tempos difíceis que se avizinham. O mesmo vale para os demais países da Alba: é chegado o momento que o discurso político deve se adequar à realidade de crise econômica externa e premência de mais cooperação regional. Do contrário, não haverá nenhuma possibilidade de crédito para financiar qualquer projeto de construção das infra-estruturas necessárias à geração de desenvolvimento real para a região.

Francisco Carlos Teixeira da Silva é professor de História Contemporânea do Laboratório do Tempo Presente da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ.