Título: Pfizer tem o desafio de descobrir outros campeões de venda
Autor: Amy Barrett
Fonte: Valor Econômico, 01/03/2005, Empresas &, p. B9
Todo dia útil, cerca de 38 mil representantes de vendas da Pfizer correm o mundo. Armados com valises cheias de amostras grátis de medicamentos e maços de papel com dados clínicos, eles entram em consultórios médicos e hospitais. Seu objetivo: convencer médicos do mundo inteiro a adotarem os medicamentos da Pfizer para tratamentos das dores e de outros problemas de seus pacientes. Essa enorme equipe de vendas é apenas a guarda avançada na tentativa da Pfizer de dominar a área de medicamentos no mundo. Igualmente importante é o orçamento publicitário anual de US$ 3 bilhões da companhia. Uma série de comerciais caros exibidos nos horários nobres da TV e anúncios em luxuosas revistas de moda nos EUA mostram pessoas vibrantes livres das ameaças dos problemas no coração, febre do feno e de uma vida sexual apática. É claro que os consumidores não podem sair por aí comprando essas coisas. Elas precisam ser receitadas por um médico. Mas a Pfizer e o setor farmacêutico aprenderam que uma grande demanda dos consumidores exerce uma pressão irresistível entre os médicos. É por isso que a Pfizer é hoje a quarta maior anunciante dos Estados Unidos. Esforços como esse impõem custos fixos enormes. A Pfizer, por exemplo, gasta hoje duas vezes mais com vendas e despesas administrativas - US$ 16,9 bilhões no ano passado -, do que com pesquisa e desenvolvimento. E emprega 15 mil cientistas e pessoal de apoio em sete laboratórios espalhados pelo mundo. Enquanto esses laboratórios continuarem despejando um fluxo firme de medicamentos para a gigantesca força de vendas da Pfizer promover, essa abordagem de mercado de massa será extremamente lucrativa. A Pfizer, que possui um grande número de medicamentos de sucesso, que incluem nomes como Lipitor, Viagra e Zoloft, lucrou US$ 16 bilhões no ano passado sobre vendas de US$ 52 bilhões. Há apenas um problema: o modelo "arrasa-quarteirão" não está funcionando mais. As companhias farmacêuticas, com a Pfizer na liderança, colocaram tantos representantes de venda a campo que eles estão tropeçando uns nos outros. Os outrora elogiados laboratórios da companhia, como os da maioria das companhias do setor, atingiram um terreno árido, com os lançamentos de tratamentos novos e promissores diminuindo em ritmo alarmante. Alguns dos lançamentos recentes da Pfizer não foram um sucesso. (Já ouviu falar do Caduet ou do Inspra?) As doenças que a Pfizer e outras companhias farmacêuticas perseguem são mais difíceis de serem derrotadas com a solução do tipo "uma pílula" para o mercado de massa. Os planos de saúde estão colocando um freio na disparada dos gastos com medicamentos. E a coisa poderia piorar muito. A Food & Drug Administration (FDA) discutiu o destino de alguns dos medicamentos de maior vendagem e mais promovidos - analgésicos que incluem o Celebrex, com vendas de US$ 3,3 bilhões, e o Bextra, com vendas de US$ 1,3 bilhão. Apesar de o FDA permitir que eles continuem no mercado, todos esses medicamentos, chamados de Cox 2 - e não só o Vioxx da Merck, que foi retirado voluntariamente das prateleiras - estão ligados a problemas cardiovasculares. Críticos dizem que a Pfizer não se esforçou para dissipar essa dúvida. Adicione isso e a coisa se parece com o fim de uma era. Segundo a consultoria Datamonitor, as vendas das grandes companhias farmacêuticas deverão crescer apenas 2,2% ao ano até 2010. A receita da Pfizer nesse período vai na verdade ter uma queda de estimados 1,5% ao ano. A companhia teve um forte crescimento nos lucros desde que Henry A. "Hank" McKinnell Jr. passou a ocupar os cargos de principal executivo e presidente do conselho de administração, há quatro anos, mas grande parte desse crescimento teve origem nos cortes de custos ocorridos na esteira de grandes aquisições. Isso levou os investidores a fugirem das ações da Pfizer, que desvalorizaram 45% desde que ele se tornou o principal executivo. "A indústria farmacêutica está em processo de transformação", diz Stanley O. Ikenberry, membro de longa data do conselho de administração da Pfizer. "Estamos tendo de reexaminar todas as suposições que as companhias farmacêuticas fizeram até onde eu posso me lembrar." Discretamente, a Pfizer vem conclamando os funcionários a abraçar uma reestruturação que, segundo acreditam analistas, vai eliminar bilhões de dólares da base de custos da empresa. Isso não quer dizer que McKinnell, 62, aceita o fim da era "arrasa-quarteirão". Ele reconhece que a Pfizer caminha para tempos difíceis, mas argumenta que a companhia está aparelhada para uma revitalização. E ele se tornou a face pública de um setor que, hoje, parece estar apenas um ponto acima da indústria do tabaco na opinião pública. É ele na C-SPAN, tentando acalmar ouvintes irados com os altos preços dos medicamentos. É ele olhando calmamente para a câmera de TV em anúncios em que explica como os cientistas da Pfizer se esforçam para encontrar a cura para os males que afligem a humanidade. Ele não aceita a idéia de que os melhores anos da sua empresa são coisa do passado. Pelo contrário. McKinnell afirma que existem muitas doenças ainda sem tratamento que representam enorme potencial para o mercado. Ele diz que as pesquisas internas da Pfizer apontam grandes oportunidades. A companhia vai dar entrada no registro de 20 novas aplicações de medicamentos até o fim de 2006. E vários desses medicamentos são potenciais "best-sellers". Quem mais a não ser a Pfizer, pergunta McKinnell, poderia gastar US$ 2,1 bilhões com o que ele acredita que será o próximo sucesso do setor, um medicamento de combate a doenças cardíacas que atende pelo nome químico de torcetrapib? A Pfizer está testando a droga em uma pílula combinada com o Lipitor, o seu atual medicamento de controle do colesterol. O novo medicamento não deve chegar ao mercado antes de três anos, mas se os testes mostrarem que ele provoca grande redução nas placas de gordura formadas nas artérias do coração, McKinnell acredita que ele vai acabar superando o Lipitor, cujas vendas anuais chegam a US$ 11 bilhões. "Se der certo, ele será o maior blockbuster de todos os tempos", diz McKinnell. Aos que argumentam que o modelo blockbuster já era, ele responde: "As pessoas que defendem isso não entendem nosso negócio". Mesmo assim, os sinais estão por todo lugar. Ele viu a era do Viagra passar depois que um monte de concorrentes entraram no campo da disfunção erétil; as vendas do Viagra caíram 11% em 2004, para US$ 1,7 bilhão, abaixo das projeções iniciais. Isso não quer dizer que não haverá novos medicamentos de grandes vendagens. McKinnell acredita que grandes oportunidades ainda existem, como o medicamento anti-fumo que os laboratórios Pfizer estão desenvolvendo. Mas no geral, as doenças que continuam sem tratamentos satisfatórios representam mercados menores ou são tão complexas que desafiam as soluções do tipo "tamanho único". A Pfizer está desenvolvendo medicamentos para o tratamento do câncer. Embora possam ser produtos de "tamanho decente", as terapias contra o câncer em geral não envolvem produtos com vendas de muitos bilhões de dólares. A medicina está caminhando para tratamentos mais personalizados ligados à composição genética dos indivíduos e a comercialização desses produtos vai se tornar ainda mais sofisticada. Tudo isso significa que haverá menos medicamentos com vendas na casa de US$ 1 bilhão sendo comercializados pela máquina de vendas de produtos arrasa-quarteirão, que sustentou as grandes companhias farmacêuticas na última década. Esse enxugamento da "fila" de lançamentos mostra um outro desafio para as farmacêuticas: elas gozam de proteção de patentes apenas por um período limitado - normalmente de dez anos. Depois disso, elas enfrentam a competição massacrante dos genéricos. Nos próximos três anos, a Pfizer verá medicamentos de grandes vendagens (US$ 14 bilhões ao ano) perderem proteções de patente. Mesmo com os registros de novos medicamentos, a maioria dos analistas concorda que não há novidades suficientes nos laboratórios da Pfizer que possibilitem à companhia continuar crescendo face a essas perdas. E muitos dos medicamentos que ela está desenvolvendo são resultados de parcerias, o que vai acabar tornando esses produtos menos lucrativos para ela. O modelo blockbuster proporciona uma grande alavancagem. Mas é uma faca de dois gumes. Cada um dos representantes de vendas da Pfizer custa perto de US$ 170 mil por ano, incluindo carro, computador e benefícios, segundo cálculo da analista Catherine J. Arnold, do Crédit Suisse First Boston (CSFB). Esse número não muda muito, estejam as vendas da companhia crescendo ou baixando. Portanto, um medicamento de grande vendagem pode gerar margens fantásticas na medida que as vendas aumentam. A Pfizer obteve surpreendentes US$ 45 bilhões em lucro líquido no ano passado. Isso representa US$ 1,2 milhão por representante de vendas. O Celebrex, com margens de lucro de 90%, segundo analistas, contribuiu com cerca de US$ 3 bilhões desse total. Mas veja só o que acontece se esses blockbusters fracassam. Se o Celebrex fosse tirado do mercado, os lucros por representante de vendas imediatamente cairiam para US$ 1,1 milhão - uma queda de 7% na produtividade. Se vários medicamentos caíssem dramaticamente, que é o que vai acontecer na medida que patentes forem vencendo e outros medicamentos não conseguirem rapidamente assumir o lugar dos anteriores, essa força de vendas maciça poderá se tornar um fardo pesado demais. Mesmo sem a perda inesperada de um de seus blockbusters, o lucro líquido da Pfizer deverá cair quase 9% este ano, para US$ 14,7 bilhões, na medida que os fabricantes de genéricos começarem a lançar drogas como os medicamentos Cox-2. McKinnell precisa fazer alguma coisa. Esse PhD em administração de empresas pela Stanford University vai em breve iniciar uma grande reestruturação. Segundo um memorando do fim de janeiro obtido pela "BusinessWeek", McKinnell ordenou uma revisão do topo à base com o objetivo de tornar a gigante farmacêutica mais flexível e menos burocrática. Mas não espere grandes cortes na máquina de vendas da companhia. Fontes afirmam que a reorganização da Pfizer prevê que os vendedores vão procurar menos médicos e falar de um número menor de produtos - com o objetivo de evitar a repetição de mercadorias que os médicos recebem e facilitar a avaliação de quem é mais produtivo. E a força de vendas vai encolher, embora em grande parte através de desgaste e cortes seletivos. Os funcionários já foram avisados que as reduções de custos e medidas associadas serão anunciadas a Wall Street por volta de abril, em uma reunião com analistas. Há quem se arrisque a prever que McKinnell vai cortar as despesas em até US$ 3 bilhões nos próximos anos. No entanto, a Pfizer poderá exigir uma cirurgia mais radical. Uma medida inteligente seria injetar o tipo de decisão "de baixo para cima" na companhia, que funcionou tão bem em empresas como a Johnson & Johnson. A descentralização pode ser uma aposta melhor para uma companhia que imagina ter um portfólio mais diversificado de produtos necessitando de estratégias de vendas mais direcionadas. Isso seria uma grande mudança para a Pfizer, famosa por concentrar o poder na cúpula. Ainda mais audaciosa seria uma diversificação para outros negócios na área de cuidados com a saúde para reduzir a dependência dos produtos farmacêuticos. A Pfizer era assim não muito tempo atrás - no começo dos anos 90 ela vendeu todas as operações que iam de válvulas cardíacas a perfumes. O ex-principal executivo e presidente do conselho William C. Steere Jr. vendeu a maioria desses negócios para se concentrar na operação de medicamentos, um segmento que crescia muito na época. Isso preparou o caminho para a fase de grandes crescimento da companhia. Hoje em dia, porém, os aparelhos e equipamentos médicos são um negócio em crescimento acelerado. O problema é que se a Pfizer comprasse hoje uma companhia produtora de equipamentos, iria pagar um preço salgado, uma vez que muitas empresas desse ramo estão vendo os preços de suas ações subirem. Comprar uma outra grande companhia farmacêutica também não seria fácil, uma vez isso tornaria a base de receita da Pfizer ainda maior, contribuindo para o desafio que ela agora enfrenta para ampliar sua receita. Um caminho mais provável é que McKinnell recorra à compra de medicamentos para reforçar o portfólio da Pfizer. Ele certamente tem força financeira para isso - a Pfizer deverá gerar US$ 10 bilhões em fluxo de caixa livre em 2005 e poderá repatriar até US$ 38 bilhões em lucro obtidos fora dos Estados Unidos, para tirar vantagem de uma isenção tributária. Isso é dinheiro que McKinnell pode usar para licenciar medicamentos ou comprar empresas menores. No entanto, de uma maneira ou de outra a Pfizer terá de enfrentar a carência de novos blockbusters. Assim como outros grupos do setor, a Pfizer vem sendo atingida pela queda da produtividade em seus laboratórios. Segundo Stephen M. Scala, analista da corretora SG Cowen Securities Corp., a Pfizer gastou cerca de US$ 70 milhões com cada produto que se encontrava em fase final de desenvolvimento em 2004, em comparação a US$ 53 milhões dois anos antes. E vários dos mais animadores produtos que estavam para ser lançados eram adquiridos ou licenciados - um sinal de fraqueza da Pfizer nas operações de descobertas iniciais. Seu último blockbuster desenvolvido em seus próprios laboratórios foi o Viagra, lançado em 1998. É por isso que os investidores estão tão céticos com o esforço de McKinnell de levar a Pfizer de volta ao crescimento de dois dígitos dos anos 90. O modelo blockbuster de negócios das grandes indústrias farmacêuticas pode estar cambaleando, mas McKinnell continua desafiador, insistindo que vai encontrar uma maneira de livrar a Pfizer de seus problemas. "Estamos querendo realizar experimentos. As coisas que não funcionam, nós paramos, e as coisas que funcionam, nós seguimos em frente", diz. "Somos excepcionais na execução." Talvez, mas este é um paciente que exige mais que um tratamento normal. (Tradução de Mário Zamarian)