Título: É preciso investir, mas onde estão as leis?
Autor: Cynthia Malta
Fonte: Valor Econômico, 02/03/2005, Brasil, p. A2

A precária conservação das rodovias, o encolhimento da malha ferroviária e a obsolescência e falta de capacidade dos portos para escoar a produção encontram um paralelo na vergonhosa situação do saneamento básico no Brasil, onde 95% da população recebe água encanada, mas unicamente 50,6% têm o esgoto coletado e apenas 28,2% têm esse esgoto tratado. O governo federal alega falta de recursos para oferecer aos cidadãos uma adequada infra-estrutura, cujas carências não apenas encarecem a produção, como ajudam a proliferar doenças na camada mais pobre da população. A falta de água de boa qualidade e de rede de esgoto faz com que, a cada meia hora, morram 180 crianças nos países em desenvolvimento. Cinqüenta delas morrem na América Latina, nas contas do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). O quadro é sério. O governo já percebeu a necessidade do investimento privado. Mas como as empresas privadas - nacionais ou estrangeiras - podem preparar-se adequadamente para investir na ampliação e melhoria da infra-estrutura se ainda não há regras para isso? Há 15 anos, segundo o Ministério das Cidades, discute-se no país uma nova legislação para os serviços de saneamento básico. O governo FHC foi incapaz de resolver o impasse criado na discussão sobre a titularidade dos serviços, se deveria ficar com os Estados ou com os municípios. E o governo Lula, já na segunda metade de seu mandato, não enviou ao Congresso o projeto de lei que regulamentará os futuros investimentos nessa área. Enquanto isso, o capital privado nacional senta e espera. E o estrangeiro que se cansou de esperar, arruma a mala e vai embora. É o que já fizeram a francesa Vivendi e a britânica Thames Water, para citar apenas empresas que operam em saneamento básico. Há ainda companhias, claro, que continuam trabalhando no país e estudam investir em água e esgoto - quando houver condições. Uma delas é a espanhola Abengoa Brasil, que já aplicou R$ 500 milhões em linhas de transmissão de energia em território brasileiro desde que chegou, há cinco anos. Seu presidente, Antonio Frías Pecellín, perguntou, na semana passada, ao secretário de Assuntos Internacionais do Ministério do Planejamento, José Carlos Miranda, quando o país terá uma nova lei de concessão para saneamento básico. O secretário, que havia sido convidado para falar sobre os planos do governo na área de infra-estrutura para uma platéia de executivos espanhóis, respirou fundo e respondeu que o projeto de lei deverá ser enviado ao Congresso pelo Ministério das Cidades neste mês de março. E, otimista, previu que no segundo semestre o projeto poderia ser aprovado. A titularidade ou o poder de concessão do serviço poderá ser exercido por Estados, municípios ou consórcios de municípios, explicou Miranda. No início dos anos 90, quando o Brasil iniciava o debate sobre a nova legislação nessa área, o Chile mostrava uma situação precária em saneamento, com redes de água e esgoto praticamente inexistentes. Hoje o Chile, que escolheu alavancar investimentos nessa área com recursos privados, é apontado pelo BID como um caso de sucesso. No Brasil, a proposta da nova lei ainda nem chegou ao Congresso.

Não há regras para saneamento nem para PPP

O Chile abastece 99% da população com água potável, cerca de 90% com esgoto, sendo que 60% desse volume é tratado para não poluir o meio ambiente. O modelo tem por base investimentos privados, caminho que o governo brasileiro dá sinais de querer trilhar. Mas mais importante do que ter definido sua política é o fato de o Chile manter o modelo, já há mais de 10 anos. O quadro regulatório no Brasil também está atrasado nas demais áreas da infra-estrutura. A lei 11.079, que estabelece normas para contratar parcerias público-privadas (PPP), e que o governo quer aplicar para a construção ou modernização de rodovias, ferrovias e portos, já recebeu a sanção da Presidência da República. Mas falta a regulamentação. Na mesma reunião com Miranda, o executivo Carlos Eduardo Valente, da Cymi do Brasil, que também opera em transmissão de energia, perguntou quais projetos de PPPs seriam escolhidos pelo governo numa fase inicial. O governo quer lançar dois projetos em 2005 - uma rodovia e uma ferrovia, disse o secretário. Até o último trimestre será anunciada a PPP para completar a construção da Norte-Sul. Mas a rodovia não está definida. Alguns especialistas estimam que os primeiros contratos possam ser assinados no início de 2006. Esse quadro, se lembrarmos que a malha ferroviária encolheu mais de 10 mil km nos últimos 50 anos e que há 50 mil km de rodovias a serem restauradas e duplicadas no país, não é nada animador. A falta de regulamentação das PPPs preocupa potenciais investidores. A Confederação Espanhola de Organizações Empresariais , entidade que reúne cerca de 1 milhão de empresas públicas e privadas, acompanha de perto o assunto e declarou sua preocupação ao secretário. " Estamos preocupados com a estrutura normativa do regime de concessão no Brasil. Não entrará capital estrangeiro neste país se o marco regulatório não for atrativo para as empresas " , disse José García Morales, diretor da CEOE. O secretário ainda ouviu mais uma pergunta de uma executiva espanhola. Ela quis saber quando será aprovado o Plano Diretor de Portos. Miranda, já constrangido, respondeu que não tinha previsão pois o assunto dependia do Congresso. A Espanha é o segundo maior investidor estrangeiro no país, só perdendo para os Estados Unidos. Tem US$ 27 bilhões aplicados em diversos setores, nas contas do governo de Madri. Pode depreender-se, do evento na semana passada em São Paulo - ao qual compareceram 70 empresas espanholas, representantes do governo espanhol e o príncipe das Astúrias, herdeiro do trono -- que a Espanha mantém o interesse em ampliar negócios na área de infra-estrutura no Brasil. Só falta o governo e os congressistas brasileiros aprovarem a legislação pertinente para que os investimentos possam deslanchar.