Título: Vitória de Sarney pode ameaçar ingresso da Venezuela no Mercosul
Autor: Leo , Sergio
Fonte: Valor Econômico, 30/01/2009, Política, p. A10
Ainda na dependência de votação no Senado brasileiro, o ingresso da Venezuela no Mercosul ganhará um forte opositor caso o senador José Sarney (PMDB-AP) seja eleito presidente da Casa, e essa ameaça provocou, ontem, manifestações de senadores de pelo menos três partidos contrários a interferências no processo normal de discussão do tema. As manifestações foram provocadas pelo rumor de que Sarney teria feito acordo com o DEM e o PSDB para dificultar a votação. Curiosamente, tanto Sarney quanto o DEM e o PSDB negam o acordo ou mesmo o interesse em impedir a votação.
Sarney e o presidente venezuelano, Hugo Chávez, trocam acusações desde 2007. No ano passado, o venezuelano chegou a entrar na disputa política maranhense ao visitar São Luís e firmar contratos de cooperação com o governador Jackson Lago (PDT), adversário do clã Sarney. O conflito começou em 2007 quando o Senado emitiu uma nota pedindo a Chávez que reconsiderasse a decisão de não renovar a concessão de uma emissora de TV oposicionista. Chávez reagiu acusando o Congresso de ser um "papagaio" dos Estados Unidos. Sarney foi um dos parlamentares a reagir com dureza, despertando ataques pessoais de Chávez. Um deputado chavista, Carlos Escarrá, chegou a chamar Sarney, em discurso na Venezuela, de "quisto lacaio e servil" - o próprio Sarney mencionaria os insultos em pronunciamento no Senado, atribuindo-os a Chávez.
Sarney criticou as ações de Chávez até em um seminário na Argentina. Durante o plebiscito em que buscou mais poderes, em 2007, Chávez foi alvo de severo discurso do senador, que o acusou de promover uma corrida armamentista na região e se disse contrário à entrada da Venezuela no Mercosul, pelas ameaças que a gestão do venezuelano traria às cláusulas democráticas do bloco.
Em março de 2008, Sarney voltou a criticar a Venezuela e sua suposta corrida armamentista, durante um conflito entre Chávez e o presidente da Colômbia, Álvaro Uribe, que, na visão do senador, ameaçaria a estabilidade no continente. Uribe e Chávez há poucos dias apertaram as mãos em público, com promessas de cooperação econômica, em mais um episódio da esquizofrênica relação entre os dois vizinhos, marcada por recorrentes rupturas e reconciliações, forçadas pela dependência comercial entre Colômbia e Venezuela. A notícia divulgada ontem pela "Folha de S. Paulo", de que Sarney teria se comprometido a barrar a entrada da Venezuela no Mercosul, em troca dos votos do DEM e do PSDB para a presidência do Senado, irritou senadores que defendem a aprovação do novo sócio e surpreendeu tucanos e democratas.
"Não é uma moeda de troca e seria um absurdo se tivesse sido", garantiu o presidente da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional, Heráclito Fortes (DEM-PI). "A questão da Venezuela não está entre os 12 pontos que o partido listou para apoio a Sarney", comentou o vice-presidente da Comissão, Eduardo Azeredo (PSDB-MG). O PSDB foi o único a fechar questão contra a entrada da Venezuela durante a votação do tema na Câmara, mas Azeredo garante que não há nada no Senado. "O nosso tema internacional com o governo, agora, é a questão do Cesare Battisti", disse o senador, em referência ao militante esquerdista que se tornou pivô de uma crise entre Brasil e Itália. Aliados de Sarney garantem que o candidato, embora contrário ao ingresso da Venezuela durante a presidência de Chávez, encaminhará o assunto a votação, após aprovado nas comissões. Mesmo sem confirmar a informação veiculada ontem, Sarney foi alvo de críticas dos senadores Aloizio Mercadante (PT-SP), Pedro Simon (PMDB-RS) e Cristovam Buarque (PDT-DF).
Presidente da representação brasileira no parlamento do Mercosul, Mercadante editou nota cobrando neutralidade de Sarney e defendendo a aprovação do ingresso de acordo com os compromissos do país, independentemente de "idiossincrasias políticas e ideológicas mutáveis ". Mercadante argumentou que Paraguai e Uruguai já afirmaram que só aceitarão dar voto proporcional no Parlamento do Mercosul caso a Venezuela entre no bloco, para evitar desequilíbrio em favor do Brasil. Hoje, cada país tem 18 votos e peso igual nas decisões, que, em sua maioria, têm efeito simbólico.
Como Mercadante, Buarque lembrou que a Venezuela é, hoje, responsável pelo segundo maior superávit comercial do Brasil, só inferior ao obtido com a Argentina. Simon argumenta que a recusa só isolaria a Venezuela, afastando-a dos mecanismos de controle do Mercosul. "Chávez passará, cedo ou tarde, e o que ganhamos em isolar a Venezuela, para ela, Bolívia e Equador criarem sei lá o quê?", indagou. Mercadante informou que a Comissão Mista do Mercosul deve aprovar ainda este ano o ingresso da Venezuela.