Título: Crise reabre debate sobre o cálculo do PIB
Autor: Thornhill, John
Fonte: Valor Econômico, 30/01/2009, Especial, p. A14

As medidas correntes do desempenho econômico estão repentinamente produzindo resultados terríveis para a maioria dos países. O Reino Unido descobriu na semana passada que sua economia encolheu 1,5% no quarto trimestre de 2008, a maior queda desde os anos 80. A Alemanha divulgou uma queda ainda maior. Já Cingapura - uma economia aberta vista como modelo do comércio mundial - espera um desempenho negativo de até 5% para este ano.

Talvez seja hora de repensar a fita métrica. A maioria dos especialistas concorda que o indicador mais comumente usado, o Produto Interno Bruto (PIB), é um parâmetro imperfeito da atividade econômica. O problema é que, até hoje, ninguém inventou um melhor.

Mas espere: uma comissão formada por 24 economistas de renome e liderada por Joseph Stiglitz e Amartya Sen, ambos vencedores do Prêmio Nobel, deverá anunciar em abril meios para melhorar nossa contabilidade econômica. O objetivo é fornecer dados econômicos mais amplos, mais inteligíveis para o público e mais relevantes para os formuladores de políticas, ao levar em conta fatores como a degradação ambiental e a qualidade de vida.

Alguns membros da comissão esperam que, ao mudarmos a maneira como calculamos a atividade econômica, possamos mudar nossas prioridades políticas e construir sociedades mais felizes e ambientalmente justas.

Esta iniciativa ambiciosa foi lançada no ano passado por Nicolas Sarkozy, presidente da França, preocupado com a desconfiança popular em relação às estatísticas econômicas. Com muita freqüência, dizia ele, os dados oficiais pareciam estar em conflito com a experiência pessoal, criando uma dissonância entre a política e a vida comum. A ameaça de mudanças climáticas catastróficas também deveria forçar os formuladores de políticas a recalibrarem o impacto ambiental amplo do crescimento econômico, afirma Sarkozy.

Stiglitz, professor da Universidade Columbia, de Nova York, diz que, enquanto indicador do valor de mercado de todos os bens e serviços produzidos por uma economia, o PIB sempre foi uma medida falha do desempenho econômico, sem falar no progresso social. Ele afirma que as atuais turbulências econômicas mundiais tornaram essas deficiências ainda mais patentes. "Esta crise vem mostrando que os números do PIB americano estavam totalmente errados. O crescimento era baseado em uma miragem", diz ele.

"Muitas pessoas olhavam para o crescimento do PIB dos Estados Unidos na década de 2000 e diziam: "Como vocês estão crescendo! Precisamos imitar vocês". Mas não era um crescimento sustentável ou eqüitativo. Mesmo antes do crash, a maioria das pessoas estava pior do que estava em 2000. Foi uma década de declínio para a maioria dos americanos."

Ao longo do último ano, a comissão Stiglitz-Sen vem analisando um grande número de indicadores econômicos alternativos, ao mesmo tempo que discute três questões principais: como melhorar o PIB padrão; como incorporar novas medidas de sustentabilidade econômica, social e ambiental aos dados; e como criar novos indicadores para avaliar a qualidade de vida. A comissão poderá não inventar uma única medida para substituir o PIB, mas poderá sugerir um "painel" de indicadores visando estimular um debate mais amplo sobre o uso - e o abuso - das estatísticas econômicas.

Sen, professor de economia da Universidade Harvard, diz que as pessoas são perfeitamente capazes de lidar com mais de um número econômico e provavelmente veriam com bons olhos ter perspectivas diferentes. "Os indicadores são meios de gerar discussão pública", diz ele. "Uma vez que eles estiveram aí, acredito que vão atrair muita atenção e isso vai afetar as políticas."

Embora muitos estatísticos demonstrem insatisfação com o PIB, ele tem suas virtudes, principalmente por ser claro sobre o que ele inclui e o que exclui, por ser baseado em preços objetivos lançados por mercados livres, e por ser comparável através dos países. A Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) concluiu em 2006 que o PIB continuava sendo crucial para qualquer avaliação do bem-estar econômico, mesmo com a necessidade de medidas complementares para complementar o quadro.

Mas o PIB é uma medida quantitativa, e não qualitativa. Ele não leva em conta a distribuição da renda e não inclui nenhum julgamento moral sobre o valor da atividade executada (a não ser excluir atividades ilegais, como o tráfico de drogas). Então, por exemplo, os gastos do governo com prisões tem o mesmo peso que os gastos do governo com universidades. A limpeza de um acidente nuclear contribuiria para o PIB da mesma maneira que a produção de energia solar. Quando o petróleo é extraído do solo e vendido aos consumidores, isso é somado à riqueza de uma nação, e não contabilizado como um esgotamento de seus recursos.

Em um depoimento ao Senado dos EUA no ano passado, o escritor californiano Jonathan Rowe destacou alguns dos absurdos da avaliação mecânica da economia com a contagem de tudo que ela produz. Medir a área de cuidados com a saúde pelos insumos, em vez dos produtos - a venda de serviços médicos e medicamentos, em vez do número de pessoas saudáveis - pode levar a perspectivas particularmente perversas. Em sua visão, o "herói" econômico das estatísticas do PIB seria um paciente de câncer em estado terminal que precisa usar medicamentos muito caros e passa por um divórcio custoso.

"Depois, vamos ouvir falar da "recuperação conduzida pela doença"", zombou Rowe. "Para estimular a economia, teremos que encorajar as pessoas a ficarem doentes para que a economia possa ficar boa."

Jean-Philippe Cotis, presidente da Insee, agência de estatísticas da França, que também faz parte da comissão, diz que a grande tarefa é tentar diminuir as diferenças entre as medidas objetivas da produção econômica e as percepções subjetivas do bem-estar.

"O PIB tinha a função original de medir a produção e a atividade econômica. Ele nunca teve o propósito de medir o bem-estar. Isso está além da área de atuação dos estatísticos", diz ele. "Mas há hoje tantas coisas que afetam o bem-estar além do PIB que vale a pena tentar melhorar o PIB."

Cotis sugere que um dos serviços mais práticos que os estatísticos podem prestar é examinar os comportamentos do PIB em mais detalhes, para conseguir um quadro mais claro do que está acontecendo. A Insee vem estudando os orçamentos das famílias francesas entre 2001 e 2006, distinguindo entre seus custos fixos - moradia, os impostos e as contas de serviços públicos - e os gastos com o dinheiro excedente. "Basicamente, o "fluxo de caixa livre" do um quinto mais baixo foi de 45% da renda em 2001 - mas cinco anos depois ele caiu para 25%, principalmente por causa do aumento dos custos com moradia", diz Cotis.

Desse modo, os lares franceses nesse grupo de renda tinham um bom motivo para acreditar que seu padrão de vida vinha caindo, mesmo com os números do PIB sugerindo que a riqueza do país estava aumentando. Esse conhecimento poderá ajudar as autoridades a desenvolverem políticas melhores voltadas para as pessoas mais afetadas. "A percepção pode ser enviesada, mas a verdade às vezes está do lado da percepção", afirma Cotis. "Sentir-se pobre já é de fato ser pobre, num sentido filosófico."

O foco na renda intermediária, em vez da renda média, poderá ajudar a lançar uma luz sobre quem está se beneficiando do crescimento econômico e quem não está, sugere Cotis. Atribuir um valor a atividades que não são do mercado - como os momentos de lazer e os cuidados com os filhos - também poderá destacar as trocas entre o crescimento econômico e o bem-estar social. Criar os filhos ou cuidar de parentes doentes pode não contribuir para o PIB, mas essas atividades são valiosas para as famílias e a sociedade.

Nos últimos 20 anos, economistas vêm dedicando tempo e esforços para desenvolver meios de avaliar a degradação ambiental e a sustentabilidade econômica. É muito mais fácil calcular essas medidas quando os recursos, como o petróleo, têm um valor de mercado; é bem mais complicado quando os bens comuns, como ar e água, são considerados gratuitos. Até onde o PIB deveria levar em conta parte das "coisas ruins" produzidas pelo crescimento econômico indiscriminado, como a poluição? Que valor deveria ser atribuído a outros fatores como os níveis de ruído, a disponibilidade de espaço ou a atratividade de uma paisagem?

Julgamentos subjetivos parecidos surgem quando se tenta avaliar a qualidade de vida. A Organização das Nações Unidas (ONU) desenvolveu seu próprio Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), que tenta medir fatores sociais como as taxas de mortalidade, alfabetização e padrões de vida. Sen, que participou do desenvolvimento do IDH, há muito tempo destaca a importância das oportunidades educacionais e da justiça social na formulação da política econômica.

Kemal Dervis, diretor do Programa de Desenvolvimento da ONU, que calcula o IDH, diz que esses índices têm uma importância inestimável por chamarem a atenção para problemas que são ignorados pelo PIB. Eles também vêm atuando como um estímulo para formuladores de políticas ao destacarem comparações entre os países. Mas esses índices compostos sempre serão de certa forma arbitrários, pois eles dependem do peso relativo de componentes diferentes e nunca poderiam substituir o PIB, acrescenta.

Talvez o tema mais controvertido que a comissão está examinando seja a criação de algum tipo de "índice de felicidade" baseado em pesquisas sobre as atitudes das pessoas.

Os defensores do utilitarismo afirmam que a aspiração do governo deveria ser ajudar a proporcionar o maior número de benefícios para o maior número de pessoas, e que isso a melhor maneira de se conseguir isso é perguntar às pessoas o quanto elas estão satisfeitas. Mas os críticos afirmam que esses estudos têm pouco uso prático porque são muito subjetivos. Na verdade, eles podem até mesmo ser contraproducentes, incitando os governos a se intrometerem demais na economia na busca de objetivos sociais.

Mas Sen insiste que os economistas e os psicólogos deveriam se esforçar mais para entender o que as pessoas pensam e como agem na vida real, em vez de apenas atribuir motivações racionais a elas. "Normalmente os economistas se concentram na racionalidade do comportamento do mercado. Nós achamos que os atores econômicos são homens fortes, calmos e racionais e você pode observá-los e descobrir quais são suas preferências. Em vez disso, nós vamos fazer perguntas a eles", diz Sen.

Por enquanto, com a crise financeira abalando a economia mundial, os eleitores provavelmente vão responder que eles querem simplesmente manter seus empregos. Mas a discussão sobre qual tipo de crescimento é socialmente desejável e ambientalmente sustentável no mundo pós-crise já é muito grande.