Título: Brasil quer menor dependência do dólar
Autor: Moreira , Assis
Fonte: Valor Econômico, 30/01/2009, Finanças, p. C8

O Brasil defenderá na reunião de cúpula do G-20, em Londres, uma reforma do sistema financeiro internacional que estimule a utilização de outras moedas no comércio internacional, para reduzir a dependência em relação ao dólar nas trocas. O presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, revelou ontem em Davos que o tema está na agenda brasileira. A reunião de presidentes e chefes de governo do G-20 em Londres deve começar a decidir a reforma do combalido sistema financeiro.

O interesse do Brasil é forte com base já no projeto em curso de utilização de peso e real nas trocas entre Argentina e Brasil. "Não mais passando pelo dólar, é importante porque reduz os custos operacionais"", afirmou. Meirelles disse que a intenção do Brasil é expandir esse acordo da Argentina para os outros parceiros do Mercosul e depois para o resto da América do Sul, ou seja, substituindo dólar pelas moedas locais nas trocas.

O Valor apurou que Bruxelas tenta articular posição comum com o Brasil sobre a utilização de mais moedas nos fluxos comerciais. Os europeus estão interessados em estimular o uso do euro, e reclamam que a economia mundial está centrada demais na moeda americana.

A proposta é só sobre o uso do dolar no comércio, e não como moeda de reserva internacional. Esta é outra discussão, e em Davos foi reafirmada a hegemonia da moeda americana. Num debate do qual Meirelles participou, houve convergência de que não há muitas moedas que possam se candidatar a serem moedas de reserva.

Em entrevista ao Valor, o presidente do Banco Central da Suíça, Jean-Pierre Roth, colocou dúvidas sobre até que ponto o euro poderia desempenhar esse papel. ""O dolar restará por muito tempo com hegemonia natural, visto a situação política e econômica dos EUA. É muito utilizado fora dos EUA, seu papel internacional é incontestável. Vejo ser muito difícil essa situação mudar no curto prazo"", disse. Roth estima que o o euro "ganhou seu lugar", mas que "o dolar é a moeda mais importante"".

Henrique Meirelles deixou claro que, no caso brasileiro, como a dívida do pais é fundamentalmente em dólar e a função de reservas não é especular e sim dar proteção, a moeda americana resta assim como dominante nas reservas.

Se o interesse do Brasil é por menos dólar no seu comércio regional, outros emergentes como China e Rússia atacam mais diretamente a hegemonia da moeda americana, única verdadeira moeda internacional e refúgio de capitais, que tem permitido aos EUA atrair enormes massas de financiamento provenientes do resto do mundo, com um endividamento numa proporção sem equivalente em nenhum outro país.

Em Davos, o primeiro-ministro russo Vladimir Putin foi incisivo, propondo o desenvolvimento de múltiplas moedas regionais de reserva em complemento ao dólar. Ele reclamou que, quando "um centro regional imprime dinheiro sem cessar e consome riqueza material"", outros centros produtores sofrem quando há turbulências.

O primeiro-ministro chinês Wen Jiabao usou outro tom, não pedindo a substituição do dólar como moeda de reserva mundial, e sim uma "cobertura do sistema financeiro internacional, com particular ênfase no reforço da supervisão das grandes moedas de reservas"".