Título: Apelo concreto
Autor: Bellotto , Alessandra
Fonte: Valor Econômico, 30/01/2009, EU & Investimentos, p. D1

A perspectiva de queda acentuada do juro brasileiro neste ano, em meio a um cenário de crise global, traz uma combinação inusitada para o desenvolvimento dos fundos imobiliários. Embora do ponto de vista da oferta ainda haja dúvidas sobre lançamentos, do lado do investidor, na busca pela preservação do capital, as carteiras imobiliárias se provam como opção atrativa. O histórico de 2008 evidencia o caráter conservador destes portfólios. Mesmo com a deterioração do cenário no último quadrimestre, o retorno da maioria dos fundos imobiliários listados em bolsa superou o CDI, o juro interbancário. A comparação considera uma alíquota de 20% de imposto para aplicações de renda fixa de um ano, enquanto a distribuição de rendimento pelo fundo imobiliário cotado em bolsa ou balcão é isenta de IR para a pessoa física.

Levantamento da Fundos Imobiliários Consultoria de Investimentos mostra que, das 18 carteiras listadas desde o início de 2008, 9 distribuíram mais de 10%, acima dos 9,90% referentes ao CDI líquido de imposto. Outros cinco fundos tiveram retorno entre 9,15% e 9,88%, um rendeu 8,96% e os outros dois, 7,30% e 7,04%. Além da renda mensal, gerada na maioria dos casos pela locação dos imóveis, o cotista tem sempre a possibilidade do ganho de capital, com a valorização da cota. No ano passado, enquanto mercados como a bolsa despencaram - o Ibovespa teve queda superior a 40% -, o valor de mercado dos fundos imobiliários praticamente se manteve estável ao longo do ano, com um recuo, na média, de apenas 2,5%.

"A volatilidade menor das cotas de fundos imobiliários, que está intimamente ligada à capacidade de geração de renda mensal, é um grande atrativo para o investidor em momentos de forte turbulência", afirma o sócio da Fundos Imobiliários, Sérgio Belleza Filho. Neste ano, com a perspectiva de queda acentuada da taxa básica de juros, um retorno mensal a partir de 0,8% num fundo imobiliário, que tem baixa oscilação, fica ainda mais interessante, acrescenta Belleza.

E, se aumenta a procura pela aplicação, a tendência é de valorização da cota. "Há uma correlação forte entre a queda dos juros e a valorização das cotas de fundos imobiliários", ressalta o sócio responsável pela área imobiliária da Credit Suisse Hedging-Griffo (CSHG), Alexandre Machado. Segundo ele, toda vez que há um movimento de corte dos juros, a demanda por fundos imobiliários aumenta.

A segurança de ter um imóvel como lastro da aplicação é outro ponto a favor num mercado adverso como o atual, destaca o executivo. "No Brasil, o imóvel sempre teve um apelo forte por funcionar como proteção contra a inflação alta", lembra Machado. E hoje, acrescenta, não é diferente, uma vez que, na pior das hipóteses, o cotista de um fundo imobiliário continuará com o ativo real, só que sem a dor de cabeça de ter administrá-lo e ainda contando com maior liquidez. Há fundos negociados em bolsa com presença em quase todos os pregões. É o caso do BB Progressivo, que teve cota negociada em 90% dos pregões em 2008.

A retomada das emissões de cotas de fundos imobiliários passa pela recuperação do mercado de capitais em geral, primeiro com operações mais convencionais como debêntures ou ações, pondera o responsável pela administração de fundos imobiliários da Rio Bravo, Martin Fass. "Embora seja nestes momentos de oferta mais escassa de dinheiro que exista uma tendência de melhores negócios, ainda falta recuperar a confiança do investidor porque o mercado de capitais influencia na percepção de riqueza das pessoas." Na Comissão de Valores Mobiliários (CVM), há R$ 790 milhões em ofertas de fundos em análise.

Para o executivo, é preciso ter clareza dos impactos que a crise global terá na economia brasileira não só neste ano como em 2010 porque a performance dos fundos depende da dinâmica de cada segmento. Conforme exemplifica, a rentabilidade das carteiras de shopping center está intimamente relacionada com as vendas no varejo e a ocupação das lojas, enquanto as incorporações comerciais e residenciais dependem do apetite dos consumidores e da disposição dos bancos para conceder o crédito. Mesmo assim, acrescenta, para investidores que gostam de imóveis performados, que já estão gerando renda, há boas oportunidades no secundário.

Machado, da CSHG, que tem um fundo de shopping listado na bolsa, ressalta que o segmento de varejo, por enquanto, foi pouco afetado pela crise. E lembra que, nos últimos dois anos, os shoppings, que contam uma carteira de inquilinos mais diversificada, conseguiram reduzir a vacância para os menores índices históricos, além de terem negociados seus contratos em condições mais favoráveis. "Isso pode funcionar como uma proteção no curto prazo para a carteira", diz Machado.

Na outra ponta, Belleza afirma que há segmentos que devem passar ilesos pela crise, como os fundos de imóveis alugados para bancos, como o BB Progressivo, do Banco do Brasil, e o Almirante Barros, da Caixa, ou para empresas como o Torre Almirante, da Petrobras. "Essas são carteiras que não devem sofrer variação na receita com o aluguel", afirma.

Emissões que tenham lastro em imóveis que já têm renda de alocação assegurada podem encontrar espaço desde que usadas como estrutura de capital, não para salvar companhias que estejam com "água no pescoço", alerta Rafael Camargo, diretor da Binswanger Brasil, consultoria especializada em operações de "sale and lease back", em que uma empresa vende bens do seu imobilizado e arrenda de volta, garantindo aos investidores um fluxo de aluguel.

Nesse tipo de estruturação, que não vai à distribuição pública, ele conta que é comum o aplicador avaliar os dois últimos balanços, questionar qual é o principal cliente da companhia, se tem dívidas com o BNDES, se as condições financeiras são saudáveis no longo prazo. O mesmo raciocínio vale para as colocações no mercado. "Não vejo espaço para fundos que captam para desenvolver empreendimentos, que ainda precisam atrair inquilinos, mas os que são compostos por produtos já performados como shopping center têm tudo para prosperar."

A queda dos juros é um componente adicional que vai estimular a criação de fundos mais diversificados, compostos por certificados de recebíveis imobiliários (CRI), já sob o amparo da nova regulamentação, de novembro passado. Segundo Fábio Nogueira, da Brazilian Mortgages, até aqui o setor tinha de enfrentar a competição injusta com a alta remuneração do CDI e dos títulos do Tesouro, com liquidez diária. Com juros menores, a busca por diversificação da parcela tradicionalmente aplicada em renda fixa é mais natural. "A possibilidade de modelar carteiras com CRI é mais palatável, os fundos oferecidos por assets e grandes bancos têm grande apelo no varejo e, ao mesmo tempo, isso traz liquidez para esses ativos no secundário."

Para que os fundos de CRI prosperem ainda falta a Receita Federal confirmar a isenção de imposto de renda. Com os ecos do "subprime" espalhando estragos pelo globo, Nogueira admite que o investidor brasileiro pode confundir a securitização com os esquemas das hipotecas americanas de alto risco, mas assegura que o Brasil está construindo uma história totalmente distinta daquela que tem abalado o planeta. "Ao longo dos anos, o país desenvolveu uma análise de crédito muito rigorosa, porque nunca pôde contar com dinheiro barato, sempre foi caro e com o governo disputando os recursos." Ele argumenta que o mercado brasileiro não vivenciou nenhum problema como emissores de CRI e que mesmo no crédito imobiliário, que está apenas engatinhando, são baixos os índices de inadimplência. "Não há nada que se permita aqui repetir os exageros da alavancagem dos EUA."