Título: Contra a crise, América do Sul eleva gasto, mas ainda não corta os juros
Autor: Uchoa , Rodrigo
Fonte: Valor Econômico, 17/12/2008, Internacional, p. A13

Não é só o Brasil. As maiores economias da América do Sul estão resistindo em cortar os juros para combater os efeitos da crise mundial. Os governos prometem mais gastos públicos e menos impostos, mas os Bancos Centrais se mostram renitentes em relação aos juros. Economistas ouvidos pelo Valor e até autoridades monetárias sul-americanas mostram preocupação com os efeitos dos juros altos num momento em que o continente desacelera e os gastos dos consumidores tendem a cair.

"Os BCs da Europa e dos EUA vêm atuando em conjunto, baixando suas taxas de juros com o objetivo de estimular suas economias. Na América do Sul não há essa coordenação", diz António Miranda, consultor e economista da Universidade de Miami. "Mas creio ser inevitável que os países, quase todos, comecem logo os cortes."

O BC chileno informou no começo do mês que "considera que, no cenário mais provável, deve começar o processo de afrouxamento monetário. O ritmo desse afrouxamento vai depender do panorama inflacionário."

Desde junho do ano passado, o Chile aumentou os juros escalonadamente, chegando a 8,25%. Em outubro e novembro, as autoridades monetárias chilenas resolveram manter as taxas inalteradas nesse patamar.

O economista chileno Rodrigo Aravena, da corretora Banchile, disse que o mercado espera cortes já em janeiro e uma "queda acentuada" dos juros no ano que vem, para estimular o consumo.

Um dos efeitos da crise internacional sobre o Chile deve ser a desaceleração do consumo interno, um dos motores da economia do país. A demanda doméstica, que cresceu 9,2% neste ano, deve ficar perto da estagnação, com expansão de 0,6% no ano que vem, segundo estimativa do BC.

Por outro lado, a inflação deve cair também. O IPC do Chile caiu 0,1% no mês passado, com uma inflação anual de 8,9%.

"Como a inflação deve continuar caindo, a política monetária deve ser afrouxada", afirma Alfredo Coutiño, economista da Economy.com. "A política do BC chileno deve seguir as ações similares de outros BCs e abaixar os juros."

Até agora, a presidente chilena, Michelle Bachelet, anunciou apenas um pacote de estímulo de US$ 1 bilhão, com corte temporário de impostos e facilitação do crédito para pequenas empresas.

Na Colômbia, a contínua alta dos juros levou Carlos Gustavo Cano, um dos diretores do Banco da Colômbia (BC) a protestar. "Eu pedi para esperarmos para ver o que acontece com a inflação mundial, mas a maioria não concorda", disse na semana passada. A taxa de juros na Colômbia está em 10%, o maior nível em sete anos.

"Acredito que eles [do BC da Colômbia] estejam perto de reduzir os juros, num momento em que o ciclo de crescimento vai acabando", disse à agência de notícias Bloomberg o analista David Duarte, da 4cast, de Nova York.

O país viu uma "euforia" de consumo nos últimos anos, com o aumento de empréstimos bancários e a venda de bens de maior valor, como carros e casas.

Entretanto a crise deve afetar as exportações para mercados importantes, como Venezuela e Equador, e o desemprego já dá sinais de aumentar, ultrapassando a barreira dos 11% - nos últimos meses vinha em tendência de queda, em cerca de 10,5%.

O presidente colombiano, Álvaro Uribe, é o que menos gastos públicos prometeu na região. Por outro lado, vem criticando duramente os juros altos, dizendo que eles desestimulam o consumo e encarecem a produção.

No Peru, repete-se a situação de manutenção dos juros altos. Contra a crise, o governo anunciou um pacote de estímulo de US$ 13 bilhões, com foco em gastos em infra-estrutura e habitação. O presidente Alan García espera que o país feche o ano com crescimento de 9%, desacelerando para 6,5% no ano que vem.

O BC peruano entretanto não vem dando sinais de que vá cortar juros, e sim de mantê-los no maior patamar de sete anos: 6,5%. Este é mais ou menos o mesmo patamar da inflação no país, mas o BC espera que ela desacelere para cerca de 3,5% no ano que vem, o que abriria espaço para a queda nos juros.

Argentina e Venezuela são um caso a parte. Ambos têm taxas de juros nominais altas - a da Venezuela é o maior da região. Mas, em relação à inflação real, os juros são negativos.

A inflação venezuelana, segundo economistas independentes, chega aos 30%, superando os juros de 25% fixados pelo Banco Central.

Para a consultoria Ecoanalitica, de Caracas, a inflação venezuelana está fora de controle, devendo chegar a quase 40% em 2009, especialmente se ocorrer a esperada desvalorização da moeda. "Não há espaço para redução de juros, e o governo já vem injetando quantidades crescentes de dinheiro de origem fiscal. O presidente Hugo Chávez teria sim é de controlar a quantidade de dinheiro que injeta na economia", afirma Asdrúbal Oliveros, diretor da consultoria.

O governo da Argentina é outro que aposta no gasto público para estimular a economia do país. Anunciou investimentos de US$ 32 bilhões dentro de um "megaplano" ampliado de obras públicas, focadas em projetos de energia e outras obras de infra-estrutura. Há dúvidas, entretanto, sobre de onde virá o dinheiro.

Desde setembro, os juros vêm crescendo no país - com oscilações - até chegarem a 13,4%.

A inflação estimada por economistas independentes estaria pouco acima de 20%.

Os dados oficiais do governo são questionados desde 2007, quando o então presidente, Néstor Kirchner, interveio no instituto de estatísticas. A inflação oficial acumulada de janeiro a novembro é de 6,9%.