Título: Reeleição no Senado agrada PMDB, mas é discutível
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 17/12/2008, Opinião, p. A14

A candidatura à reeleição do presidente do Senado, Garibaldi Alves (PMDB-RN), é mais um capítulo de sucessivas releituras forçadas da Constituição e do regimento, normalmente feitas quando há uma grande ambição pessoal de poder que se alia às conveniências políticas de uma maioria. Garibaldi foi eleito presidente do Senado no dia 12 de dezembro do ano passado, por 68 votos favoráveis, oito contrários e uma abstenção, para um mandato tampão que se encerra no dia 1º de fevereiro do próximo ano, em substituição ao senador Renan Calheiros (PMDB-AL), que renunciou ao cargo depois de uma sucessão de escândalos envolvendo o seu nome. Para legitimar a sua pretensão de disputar um novo mandato de dois anos (2009-2010) à frente da casa legislativa, o atual presidente do Senado encomendou um parecer do jurista Luiz Rodrigues Wambier e o apoio oral do ex-presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Francisco Rezek.

A sustentação jurídica para a postulação de Garibaldi é quase uma negação dele próprio. Diz a Constituição que os dirigentes da mesa diretora da Câmara e do Senado não podem disputar a reeleição na mesma legislatura. Uma legislatura é o período entre duas eleições para o Congresso: as últimas aconteceram em 2006 e as próximas, em 2010. Esta legislatura começou na posse dos eleitos, em 2007, e terminará em 2010. Se um primeiro mandato de Garibaldi terminasse em 2010, em 2011, início de nova legislatura, ele poderia disputar uma nova eleição sem ser contestado. Como essa eleição ocorre no meio da legislatura, a ginástica jurídica é provar que um mandato tampão não é mandato, embora Garibaldi tenha se submetido aos votos de seus pares. Quando o governador Mário Covas (PSDB-SP) faleceu e o seu vice, Geraldo Alckmin, assumiu seu mandato, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) decidiu que ele poderia disputar a eleição seguinte porque não havia sido eleito governador nas duas anteriores, mas sim vice. Ainda assim, o TSE considerou que o mandato que Alckmin assumira em substituição a Covas o tornava depositário dos votos do titular, e lhe daria o direito de disputar o cargo apenas uma vez como governador. Isto é, Alckmin tornara-se governador ao substituir o titular e foi considerada reeleição a disputa seguinte a este mandato. Se fosse pela lógica de Garibaldi, o mandato que Alckmin cumpriu em substituição a Covas não poderia ser considerado uma eleição, e ele teria direito a mais duas disputas como governador.

No caso do presidente do Senado, ele é o próprio titular do cargo. Não substituiu ninguém. Para que dispute mais uma vez a Presidência do Senado, é preciso que se considere que ele nunca se sentou na cadeira de presidente da instituição. Teria sido tudo uma ilusão: o senador jamais esteve no plenário do Senado no dia 12 de dezembro passado, não pediu o voto dos seus pares e não foi eleito por eles. Ocupou por engano o amplo gabinete de presidente do Senado que fica em frente ao plenário, despachou de lá sem que percebesse, presidiu sessões sem que atinasse. Foi um distraído. Agora, sim, de posse do slogan "mandato tampão não é mandato", vai pedir votos, comparecerá ao plenário e, se tiver mais concorrentes, será de fato o presidente.

Como não é assim, os indícios são de que se prepara uma manobra que, se vingar, poderá virar regra mesmo contrariando a Constituição. O PMDB do Senado, na disputa constante com o PMDB na Câmara, não aceitou o acordo com o PT, que garantiria a presidência da Câmara a um pemedebista e a presidência do Senado a um petista. Na falta de um nome, está incentivando essa aventura jurídica de Garibaldi. Como jogou um bolão com a oposição na Presidência da casa, ele tem grandes chances de ser eleito, mas assumirá com a legitimidade questionada. Ainda assim, a intenção parece ser a de passar o trator sobre a minoria. Ao ser informado de que a líder do PT, Ideli Salvatti, iria à Justiça contestar a sua postulação, Garibaldi tirou do bolso outro parecer, segundo o qual ele apenas poderá ser questionado depois de eleito. Com a eleição consumada, é difícil imaginar uma contestação judicial contra o presidente de um poder. E assim, consolida-se o hábito de consumar decisões ao arrepio da própria tradição do Legislativo.