Título: CEF investe em cérebro eletrônico para conter fraudes financeiras
Autor: Borges , André
Fonte: Valor Econômico, 23/12/2008, Empresas, p. B3

Inteligência artificial, simulação do cérebro humano, neurocomputação. Alguns termos que, até pouco tempo atrás, estavam restritos a rodas de cientistas e cineastas, entraram de vez no cotidiano do setor financeiro. Não é segredo que os bancos - notadamente os brasileiros - sempre investiram pesado em tecnologia da informação (TI), sendo o setor que mais gasta dinheiro com informática no país. Mas entre tanta inovação, é a área de segurança que, empurrada pela criatividade insaciável do crime eletrônico, tem levado essa ambição tecnológica às fronteiras da ficção. A Caixa Econômica Federal (CEF) é o mais novo exemplo disso. Ruy Baron/Valor

Clarice Coppetti, vice-presidente de TI da CEF: "O volume de tentativas de golpe aumentou muito, o que vemos hoje é uma verdadeira corrida com obstáculos"

No próximo dia 29, a CEF realiza um pregão eletrônico para adquirir o que batizou de "solução antifraude". O projeto, segundo Clarice Coppetti, vice-presidente de TI do banco, será um dos mais ambiciosos já implementados pela instituição. A licitação da CEF é resultado de quase um ano de estudos sobre tecnologias de ponta e de iniciativas de segurança realizadas por outros bancos. Com o projeto - formado por um misto de sistemas, equipamentos e mão-de-obra especializada -, a CEF quer criar uma central de comando, um único cérebro eletrônico preparado para detectar, identificar e alertar ocorrências de indícios de fraudes em qualquer tipo de transação eletrônica, seja financeira ou não, concluída ou abandonada, onde quer que aconteça. No fim do dia, a motivação da CEF é a mesma encontrada em qualquer outro banco: ser mais preventivo do que reativo, fechar as portas antes de o cofre ser arrombado.

É nesse posto que entra em cena a chamada "rede neural", uma técnica de inteligência artificial onde sistemas são montados de forma que imitem o mecanismo de processamento do cérebro humano. É como se o computador passasse a reproduzir tipos de comportamento do indivíduo e, com o benefício de acumular cada vez mais "experiências", pudesse identificar e alertar qualquer atitude considerada suspeita (ver quadro). Essa bola de cristal, obviamente, requer investimentos de peso.

A partir de cotações de mercado, a CEF estima que seu projeto antifraude está avaliado em aproximadamente R$ 16,2 milhões, preço que tende a cair um pouco devido ao modelo de concorrência do pregão eletrônico.

O contrato, que terá duração de 42 meses - podendo ser prorrogado -, estabelece que o fornecedor terá que instalar redes neurais que funcionem ininterruptamente, 24 horas por dia, durante todos os dias da semana. Internamente, essas redes serão acessadas por pelo menos 150 usuários simultâneos, uma equipe que poderá realizar operações por meio de um simples navegador de internet, em qualquer ponto conectado a intranet ou extranet da CEF.

A capacidade de processamento desses sistemas é o que mais chama a atenção. Uma vez no ar, essas redes neurais passarão a varrer as movimentações feitas por cerca de 48 milhões de correntistas, um contingente responsável por uma média de 12 milhões de transações financeiras e não financeiras realizadas diariamente. Paralelamente, a vigilância digital vai passar um pente fino em cerca de 3,2 milhões de transações feitas todos os dias com cartões de crédito emitidos pela CEF. Atualmente, o banco conta com uma base de aproximadamente 4,2 milhões de cartões.

O tempo gasto para executar cada varredura e apontar possíveis riscos de fraude é o eixo central do projeto. O tempo de resposta não pode ultrapassar 251 milésimos de segundo. A estrutura deve estar pronta para o processamento simultâneo de pelo menos mil transações por segundo. "O volume de tentativas de golpe aumentou muito, o que vemos hoje é uma verdadeira corrida com obstáculos", diz Clarice. "Nossa idéia é ter uma visão integrada da segurança, onde as redes neurais varrem bases de dados diferentes, mas seus resultados oferecem uma visão única do banco."

Neste ano, a área de TI da Caixa consumiu um orçamento total de R$ 2 bilhões, dos quais 75% foram usados para cobrir despesas operacionais e 25% para projetos novos. Apenas na área de tecnologia, o banco conta com um contingente de 2.240 profissionais. A expectativa, diz Clarice, é que os gastos com tecnologia cresçam entre 7% e 10% no ano que vem. Naturalmente, boa parte desse investimento deve ser empregado em projetos relacionados à segurança da informação. Segundo a Federação Brasileira de Bancos (Febraban), os gastos com proteção contra fraudes crescem a uma taxa anual de 25% ao ano entre os bancos. Certamente, o volume de golpes sobe a taxas bem maiores.