Título: Fundos modelo 2009
Autor: Vieira , Catherine
Fonte: Valor Econômico, 23/12/2008, EU & Investimentos, p. D1
Ano novo pede mudanças e, pelo menos para a indústria de fundos de investimento, novidades não devem faltar em 2009. A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) se prepara para dar início, no próximo ano, a uma reavaliação e algumas reformulações nas regras desse setor. Tanto a Instrução 409, que determina as regras de funcionamento e política de aplicação de recursos, quanto a Instrução 306, que trata da concessão de registro para administradores de carteira, deverão ser analisadas e poderão ter algumas mudanças, conta o superintendente de relações com investidores institucionais Carlos Alberto Rebello Sobrinho.
Além de tentar unificar um pouco as regras para as diversas modalidades, como os fundos de participações e imobiliários, que estão fora da Instrução 409, existe ainda uma preocupação com a contabilização dos ativos sem liquidez e com a sincronia entre o prazo dos ativos em carteira e o de resgate dos fundos. "Vamos tratar dessas mudanças ao longo de 2009", explica Rebello.
Para auxiliar na tarefa, a CVM vai receber, ainda em 2008, um diagnóstico feito por uma missão de assistência técnica do Fundo Monetário Internacional (FMI). "O trabalho foi iniciado em meados do ano e agora, em dezembro, eles estiveram aqui para uma segunda rodada de encontros e análises", conta o superintendente da CVM. Com essa segunda pesquisa de campo, provavelmente vão poder concluir o trabalho. A autarquia também vai contar com o apoio da Finra (a entidade auto-reguladora dos Estados Unidos), que também analisa o mercado de gestão de recursos brasileiro.
Em entrevista ao Valor no início deste mês, na qual fez um balanço do ano e destacou os projetos para 2009, a própria presidente da autarquia, Maria Helena Santana, disse que os fundos estão entre os principais itens da agenda de 2009. Para ela, foi providencial a ajuda oferecida pelo FMI, que ocorreu por meio dos contatos travados no âmbito da Iosco, entidade que reúne os órgãos reguladores de mercado de todo o mundo.
"Há uma preocupação grande com a marcação de ativos pouco líquidos, realidade da imensa maioria dos ativos brasileiros que não são ações, além de questões relacionadas aos produtos de securitização", disse Maria Helena. "Nosso pedido ao FMI foi nesses dois campos, mas o trabalho deles vai abranger muito mais, eles estão olhando toda a regulação de fundos, chamando a atenção para o fato de que são muitos fundos e com regulamentações diferentes, que foram surgindo ao longo da história", completa a presidente da autarquia.
Um outro ponto que foi observado é a possibilidade de aprofundar a separação de regras dos fundos destinados a investidores do varejo e qualificados, com mais de R$ 300 mil em aplicações financeiras. Segundo Maria Helena, já existe uma diferenciação nas regras locais, mas ela é bem mais profunda em outros países. Para a presidente da CVM, uma das vantagens do trabalho do FMI é poder trabalhar com um olhar externo e qualificado.
A liquidez dos fundos também está na pauta de discussões do setor para 2009. Para Maria Helena, o descasamento entre a liquidez dos ativos em carteira e a prometida pelo fundo é um problema que precisa ser muito bem administrado pelo gestor. "Essa deve ser uma preocupação seriíssima do gestor, assim como é nossa como órgão regulador", afirma.
As chamadas regras de "suitability" (adequação) já são, de certa forma, uma tentativa de se buscar harmonia entre o perfil do cotista e do produto. Porém, até agora foi abordada mais a questão da adequação do perfil de risco do investidor ao da carteira do fundo e não o problema de liquidez dos ativos ou do horizonte de resgate.
Em fundos com predominância de ativos sem liquidez, como os que aplicam em papéis de crédito privado, o ideal é que o cotista estivesse disposto a aceitar uma carência para o resgate. "Inclusive para não prejudicar os cotistas que permanecem, já que a venda forçada de ativo deprecia o patrimônio de quem fica no fundo", pondera a presidente da CVM. "Isso é algo que precisa ser melhor tratado no nosso mercado; são nesses momentos de crise que a gente percebe que existe essa possibilidade de descasamento."
Rebello lembra ainda que a competição é grande entre as alternativas de investimento, como os CDBs, por exemplo, que oferecem liquidez diária e acabam induzindo os gestores a oferecerem essa mesma possibilidade na maioria dos fundos. "A concorrência entre produtos muitas vezes faz com que os fundos não consigam impor um prazo factível com a falta de liquidez dos ativos da carteira", destaca.
Outra preocupação é com o processo de diligência nas avaliações que balizam a compra dos ativos para a carteira, que deve ser bastante minucioso, na visão da autarquia, e não baseada apenas em pareceres emitidos por terceiros.
O superintendente afirma que tudo isso será analisado, mas reforça que a pauta de discussão em torno da modernização das normas é mais ampla e inclui não só questões como liquidez dos ativos em carteira, mas transparência de informações, políticas de precificação, papel do custodiante e ainda o prospecto simplificado dos fundos -- um dos projetos pelo qual o superintendente tem se empenhado muito.
Em resumo, a área de fundos deverá render muito debate e análise nos próximos dois anos. Tanto que no plano bienal que a CVM acaba de apresentar ao Conselho Monetário Nacional (CMN) - e que é o primeiro feito a partir do modelo de supervisão baseada em riscos - os fundos de investimento aparecem com uma das três áreas prioritárias, ao lado das empresas e dos agentes intermediários.