Título: Cade e secretarias se antecipam à nova lei
Autor: Juliano Basile
Fonte: Valor Econômico, 02/03/2005, Brasil, p. A11

Enquanto a reforma da concorrência não vem, o Cade e as secretarias de Direito e de Acompanhamento Econômico (SDE e Seae) dos ministérios da Justiça e da Fazenda fizeram acertos para se adaptar à nova lei. O projeto está pronto na Casa Civil da Presidência da República e aguarda apenas a reorganização da base aliada na Câmara dos Deputados para ser encaminhado à votação. O Cade e as secretarias se anteciparam porque não querem mais trabalhar de acordo com a lei atual (nº 8.884, de 1994), que aumentou a burocracia e aumentou o número de processos considerados irrelevantes para julgar. As regras em vigor determinam análises separadas sobre as mesmas fusões pela Seae e a SDE.

Para o Cade, há os seguintes problemas: a obrigação de julgar qualquer negócio envolvendo empresa que fature mais de R$ 400 milhões e a ausência de critérios para a apresentação de negócios pelas empresas. Na dúvida com relação à lei atual, as grandes companhias passaram a submeter todos os seus negócios aos órgãos de concorrência. A piada, no Cade, é que se a Unilever compra um carrinho de pipoca tem que notificar para aprovação. O resultado prático das regras atuais é um número excessivo de julgamentos irrelevantes. Com isso, os órgãos de concorrência perdem tempo para investigações de cartel, que afetam muito a economia brasileira. As mudanças têm efeitos diretos para as empresas. As secretarias passaram, desde o ano passado, a fazer análises conjuntas das fusões e das investigações de cartel. "As secretarias decidiram implementar a divisão de trabalho porque não há sentido em fazermos as mesmas análises", justifica a diretora do Departamento de Proteção e Defesa Econômica da SDE, Bárbara Rosenberg. O resultado imediato da nova prática é que o tempo de espera para saber se a fusão foi ou não aprovada caiu bastante. Em 2004, o tempo médio para análise de fusões e aquisições na SDE foi de 23 dias. É menos do que nos três anos anos anteriores, quando variou entre 40 e 39 dias. Nos primeiros anos da lei atual (entre 1994 e 97) ficou sempre acima de 80 dias. Além de ser mais célere para as empresas, e econômica para as secretarias, a atuação conjunta facilita o trabalho do Cade. "Antes tínhamos que comparar o parecer da SDE com o da Seae, pois havia o risco de serem contraditórios", conta o conselheiro Roberto Pfeiffer. "Agora, não. A instrução simultânea facilita o nosso trabalho." Atualmente, negócios importantes estão em instrução conjunta, como a compra da Ripasa pela VCP e pela Suzano, e a venda de fábricas da Cargill para a Citrosuco e a Cutrale. O Cade mudou dois pontos importantes de sua jurisprudência. Num julgamento do final de janeiro, decidiu que o faturamento acima de R$ 400 milhões deve ser considerado apenas no Brasil para a submissão de fusões a julgamento. Antes, o critério era contado pelo faturamento mundial das empresas, o que gerou recorde de processos para julgar. O auge foi em 2000, quando a SDE contabilizou 795 novos negócios. Nos anos seguintes, esse número variou em torno de 550 negócios. Agora, surgiu um primeiro funil às fusões que devem ser remetidas ao Cade, e esse montante deve cair. Em outro processo, julgado na semana passada, os conselheiros decidiram que as empresas devem começar a contar o prazo de 15 dias para submeterem suas fusões a julgamento a partir do documento em que fecham o negócio. Antes, o Cade tinha como regra "o primeiro documento vinculativo", o que gerou dúvidas no setor privado. Muitas acreditaram que esse documento era o contrato de compra e venda. Outras começaram a contar o prazo a partir de protocolos de intenções. O Cade passou a multar as empresas por atraso na notificação de fusões. As multas chegaram a dezenas de milhões de reais e mancharam a imagem do Cade junto a companhias nacionais e multinacionais. Agora, fixou-se um critério mais rígido. Bárbara acredita que as mudanças permitirão à SDE limpar os "esqueletos", como são chamados os processos que tramitam há anos nos órgãos de concorrência. A SDE deverá concluir, nas próximas semanas, todos os processos de fusão anteriores a 2003, prevê a diretora. Com menos fusões para julgar, a SDE se focará em grandes investigações de cartéis. O foco será qualitativo, explica Bárbara. O número de processos de cartel caiu em 2004, segundo ela, porque há a preocupação de só iniciar investigações em casos que realmente trarão resultados. Atualmente, estão sendo investigados os setores de gases, produtos químicos, telefonia, laranja, vigilância construção civil e medicamentos. O projeto da nova lei de concorrência prevê a redução no julgamento de fusões e aquisições, e, com isso, mais foco nos cartéis. No texto, boa parte da SDE e da Seae serão integradas no Cade.