Título: Bolívia tenta vender à Argentina gás que Brasil não comprará
Autor: Moura , Marcos
Fonte: Valor Econômico, 09/01/2009, Internacional, p. A7

Uma delegação do governo da Bolívia se reúne hoje em Brasília com o ministro de Energia, Edson Lobão, para discutir a decisão brasileira de reduzir temporariamente a importação de gás do país vizinho. Na avaliação de um especialista em energia da Bolívia, a redução poderá representar uma queda de US$ 55 milhões por mês na receita de La Paz com exportações de gás. Haverá um impacto também na receita das empresas que produzem o gás, inclusive a Petrobras.

"Para a Bolívia, isso significa complicações e problemas, já que a receita cairá e não se pode deixar de produzir volumes importantes", disse o ministro boliviano de Hidrocarbonetos, Saúl Ávalos, segundo o site do jornal "La Razón". "O que vamos fazer com esse gás?", acrescentou. Além de Ávalos, fazem parte da comitiva oficial boliviana os ministros da Defesa e dos Interesses de Estado, Héctor Arce, e do Planejamento e Desenvolvimento, Carlos Villegas.

Em 2008, o Brasil comprou em média de 30 milhões de metros cúbicos (m3) por dia da Bolívia (que produz 41 milhões de m3/dia). O gasoduto Brasil-Bolívia pode transportar até 31 milhões de m3 por dia. Na quarta, Lobão anunciou que as importações cairão para 19 milhões de m3 diários, que é a média mínima mensal prevista no contrato. A diminuição é possível porque os reservatórios brasileiros estão cheios, o que permite o desligamento das térmicas a gás.

"Se isso durar muito tempo, haverá um sério efeito em cadeia nas contas do governo, afetando também os volume de recursos transferidos para as regiões produtoras de gás", disse ontem uma fonte do setor energético da Bolívia, que pediu para não ter seu nome publicado. Ele fez um cálculo aproximado sobre quanto a Bolívia deixará de receber. Em 2008, disse ao Valor, a receita da Bolívia com exportações de gás para o Brasil foi de cerca de US$ 2 bilhões, ou US$ 166 milhões por mês em média. Com a redução de 36,6% do consumo brasileiro, a Bolívia pode deixar de receber cerca de US$ 55 milhões por mês.

Uma opção para La Paz seria aumentar as vendas para a Argentina, que comprou uma média de 2,3 milhões de metros3/dia de gás boliviano em 2008, volume abaixo da capacidade de um gasoduto que liga os dois países. Mas no verão o consumo argentino costuma não ser muito alto, devido às férias no país. Ricardo Pinto, gerente técnico da Gás Energy, lembra que a Argentina pode aumentar importações de gás para revender ao mercado chileno. Ontem, o vice-ministro de Planejamento da Bolívia, Miguel Gemio, estava na Argentina para tratar do gás.

A redução das importações brasileiras ocorre num momento em que o preço do gás boliviano sofre uma redução de 29,8%, segundo a consultoria Gás Energy. Isso porque a fórmula em contrato prevê o reajuste do gás com base numa cesta de óleos em dólar considerando preços diferenciados. Para volumes até 16 milhões de m3 o preço é menor (US$ 5,43). Acima disso e até 30 milhões de m3, o valor aumenta para US$ 6,52 por milhão de BTU. Como a Petrobras reduziu os volumes, o novo preço médio no primeiro trimestre é de US$ 5,60 por milhão de BTU, já considerando compras de 19 milhões de m3/dia. Pinto diz que seria possível gerar cerca de 2,5 mil megawatts de energia com os 11 milhões de m3/dia de gás que o Brasil deixará de comprar. O próximo reajuste será em abril.