Título: Obama assumirá sob o peso do excesso de expectativa
Autor: Balthazar , Ricardo
Fonte: Valor Econômico, 16/01/2009, Especial, p. A10

Num momento crítico da campanha eleitoral do ano passado nos Estados Unidos, Barack Obama observou que a capacidade de lidar com mais de um assunto importante ao mesmo tempo era essencial para qualquer pessoa interessada em morar algum dia na Casa Branca. Na próxima semana, ele terá condições de descobrir se sabia mesmo do que estava falando. AP Pôster de Obama, feito pelo artista Shepard Fairey, com a palavra esperança

Obama assumirá a presidência dos EUA, na terça-feira, em circunstâncias muito mais difíceis do que as encontradas pela maioria dos seus antecessores. O país enfrenta a sua pior crise econômica desde a Grande Depressão nos anos 30, forças americanas estão combatendo uma guerra no Iraque e outra no Afeganistão, e uma nova explosão de violência no Oriente Médio pôs a região no topo da pilha de problemas que requerem a atenção imediata do novo governo.

Primeiro negro a ocupar a Presidência da nação mais poderosa do planeta, Obama entrará na Casa Branca com a esperança do mundo na bagagem. Milhões de admiradores se preparam para enfrentar o frio nas ruas de Washington para participar das festividades que celebrarão sua chegada ao poder nos próximos dias. Bilhões de pessoas do mundo inteiro deverão assistir pela televisão a cerimônia na qual ele tomará posse.

Obama assumirá o cargo com o enorme capital político amealhado na eleição do ano passado praticamente intacto. Segundo o instituto Gallup, dois de cada três americanos acreditam que Obama fará um bom governo. Nenhum dos quatro últimos presidentes acordou no dia da posse com índices de aprovação popular tão encorajadores. Os aliados de Obama no Partido Democrata têm confortável maioria no Congresso. A oposição republicana está desorganizada e sem rumo.

Mas o risco de que as expectativas geradas pela eleição de Obama sejam frustradas rapidamente é grande também. A situação econômica se deteriorou muito desde a eleição. Não há nos cofres do governo dinheiro para cumprir as promessas audaciosas que Obama fez na campanha eleitoral. Novos desafios, como o acirramento do conflito entre Israel e os palestinos, podem complicar os esforços que ele pretende fazer para restaurar a credibilidade internacional dos EUA.

"Existem muitas expectativas que ele será obrigado a desapontar por causa das dificuldades atuais", diz William Galston, que foi um graduado assessor da Casa Branca no início da administração do ex-presidente Bill Clinton, o último democrata a ocupar a Presidência dos EUA. "Obama sabe que será muito difícil manter o extraordinário apoio popular que ele tem hoje."

Sua prioridade imediata será tirar a economia da recessão, como o próprio Obama deixou claro nas últimas semanas. Ele quer autorização do Congresso para executar um pacote de estímulo econômico que deverá custar pelo menos US$ 825 bilhões e incluirá cortes de impostos para a classe média e as empresas, investimentos em infra-estrutura e ajuda para Estados cujos recursos foram exauridos pela crise.

Sem esperar a posse para entrar em ação, Obama já visitou o Congresso duas vezes e tem feito pronunciamentos quase diários para pedir apoio ao seu plano. Sindicatos e grupos de ativistas que participaram de sua campanha foram mobilizados para ajudar a pressionar os congressistas. Há dúvidas sobre a eficácia de algumas medidas e preocupação com os custos do pacote, mas os democratas acham possível aprová-lo até fevereiro.

Obama tem sido bastante hábil ao aproveitar a crise para administrar as expectativas em torno do seu governo. Algumas das medidas incluídas no seu plano de estímulo econômico têm sido apresentadas como o início dos investimentos que ele prometeu fazer em áreas como energia e saúde. Mas os pronunciamentos mais recentes de Obama também estão repletos de notas sombrias sobre o futuro do país.

"Quero ser realista aqui: não vamos poder fazer tudo o que falamos durante a campanha no ritmo que esperávamos", disse numa entrevista à rede de televisão ABC no domingo. Perguntado se pretende aumentar impostos ou cortar despesas mais à frente, ele respondeu: "Todos terão que dar sua contribuição."

Projeções oficiais indicam que o déficit do governo americano alcançará US$ 1,2 trilhão neste ano, o equivalente a 8% do Produto Interno Bruto (PIB) do país, sem contar ainda o pacote de estímulo proposto pelos democratas. Desde o fim da Segunda Guerra Mundial, nunca os EUA se encontraram numa situação financeira tão frágil. Economistas prevêem que o rombo passará de 10% do PIB depois que o plano de Obama for executado.

O novo presidente também pediu ao Congresso a liberação dos US$ 350 bilhões que o Tesouro americano ainda pode gastar com o controvertido plano de socorro do sistema financeiro, que começou a ser implementado em outubro. A ajuda aos bancos é extremamente impopular, mas grandes instituições, como o Citigroup e o Bank of America, indicaram nos últimos dias que continuam precisando de recursos públicos para se capitalizar e continuar de pé.

O aumento do déficit obrigará o governo a se endividar ainda mais para fechar suas contas, e a dívida pública dos EUA deverá ultrapassar a marca de 51% do PIB neste ano. "Outros países avançados convivem há muito tempo com dívidas relativamente maiores, mas essa não é uma situação confortável para ninguém", diz o economista Adam Posen, do Instituto Peterson para a Economia Internacional.

A expansão da dívida tornará os EUA mais dependentes da boa vontade de países como a China, a Arábia Saudita e o Japão, que nos últimos tempos ajudaram a financiar o déficit americano adquirindo trilhões de dólares em papéis do Tesouro para reforçar suas reservas. Quando a crise atual passar e surgirem oportunidades mais lucrativas na praça, muitos investidores provavelmente passarão a cobrar mais caro para continuar financiando os EUA.

"A posse de Obama será um ponto de inflexão importante, mas muitas das mudanças que as pessoas esperam ver realizadas levarão tempo ou simplesmente não serão possíveis", diz Steven Clemons, diretor da New America Foundation, um centro de estudos de Washington. "Ele não terá capital político nem os recursos necessários para alcançar muitos dos seus objetivos."

Obama prometeu na campanha que uma de suas primeiras providências depois de chegar à Casa Branca seria fechar o presídio mantido pelos EUA na base militar de Guantánamo, em Cuba, um símbolo dos erros cometidos pelo atual governo de George Bush no combate ao terrorismo. Obama continua disposto a fechar a prisão, mas seus assessores já avisaram que levarão meses para desativá-la e definir o que fazer com os prisioneiros.

O confronto entre Israel e os palestinos em Gaza criou novas complicações para Obama. Alegando que manifestações suas poderiam prejudicar o trabalho da diplomacia americana, ele evitou tomar posições sobre o conflito antes da posse. Os EUA sempre apoiaram Israel, mas, na campanha, Obama prometeu abrir novos canais de diálogo com o mundo árabe. A relutância que ele exibiu nas últimas semanas foi interpretada em várias partes do mundo como um indício de que dificilmente haverá mudanças nessa área.