Título: Desafio do Cade este ano é mudar as suas regras, diz Badin
Autor: Basile , Juliano
Fonte: Valor Econômico, 19/01/2009, Brasil, p. A4

A prioridade do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) do Ministério da Justiça, neste ano, será mudar as suas próprias regras para garantir que as fusões e aquisições de empresas sejam julgadas antes mesmo de serem realizadas. Para tanto, o órgão antitruste terá de conseguir a aprovação da nova lei antitruste pelo Senado. Sergio Zacchi / Valor

Arthur Badin: "A aprovação do projeto de lei que reestrutura o Cade é a única forma de melhorar nosso sistema antitruste"

Será um desafio a mais para Arthur Badin, que assumiu a presidência do Cade em 12 de novembro, após cinco meses de intensos debates no próprio Senado. Indicado para o cargo pelo ministro Tarso Genro, Badin enfrentou muita resistência por causa de empresas que sofreram reveses no órgão antitruste nos últimos anos. Ele foi criticado pela sua atuação como procurador-geral do órgão, função que ocupou por três anos nos quais advogou diretamente contra empresas que recorriam sistematicamente à Justiça para não cumprir as decisões antitruste.

Em sua primeira entrevista exclusiva após assumir o cargo, Badin afirmou que voltará ao Senado para obter a aprovação do projeto de lei nº 3.937, que cria o novo Cade e já passou pela Câmara dos Deputados. Para ele, 2009 é o momento ideal para este debate, pois a crise internacional exige que o julgamento de fusões seja simplificado no Brasil.

O objetivo do projeto é unificar a estrutura de defesa da concorrência no Brasil, hoje, dividida em três guichês: o Cade, a Secretaria de Direito Econômico (SDE) do Ministério da Justiça e a Secretaria de Acompanhamento Econômico (Seae) do Ministério da Fazenda. Para Badin, a unificação dos três órgãos vai acelerar o julgamento das fusões e aquisições e reduzir os custos e incertezas dos empresários quanto à realização de negócios. Ele ressaltou que o novo Cade também será benéfico para o setor público, pois vai evitar que três órgãos distintos analisem a mesma fusão, evitando redundâncias.

O novo presidente disse que as críticas das empresas contrárias à sua indicação foram legítimas e, portanto, não vai tratar de maneira diferenciada aquelas que contestaram o seu nome. "A minha postura como julgador será imparcial com todas as empresas."

A seguir os principais trechos da entrevista:

Valor: Qual a sua prioridade para o órgão antitruste?

Arthur Badin: A aprovação do projeto de lei que reestrutura o Cade é a única forma de manter o sistema antitruste brasileiro em trajetória ascendente de melhoria.

Valor: Mas o projeto acaba de chegar ao Senado, onde o texto da Câmara deverá ser alterado.

Badin: Não há a expectativa de alterações no texto. Claro que é um projeto grande. O Senado irá debatê-lo e pode ser que seja aprimorado. Mas não vejo grandes divergências. O coração do projeto vem sendo debatido desde o governo do presidente Fernando Henrique Cardoso e foi incorporado pelo governo Lula. Então, acho que foi construído um consenso e o debate na Câmara dos Deputados mostrou isso.

Valor: Por que é tão importante mudar as regras do Cade?

Badin: A alma do projeto são três aspectos. Primeiro, a unificação das estruturas evitando redundâncias entre órgãos e o triplo guichê. Segundo, a instituição da análise prévia de atos de concentração (fusões e aquisições). Os casos mais simples, ou 93% das fusões, vão ser julgados em até 20 dias. Os casos complexos terão até 180 dias para serem julgados. Em terceiro lugar, a restruturação do quadro de pessoal do Cade. Hoje, é muito aquém da demanda. Temos 18 técnicos que servem o gabinete de sete conselheiros. A média é de dois por gabinete. É muito pouco. Na SDE, há 20 técnicos responsáveis pelas investigações de cartéis em todo o Brasil. Embora, o Brasil tenha o sistema antitruste que mais se desenvolveu no mundo, nos últimos anos, é quem tem o menor corpo técnico para o seu funcionamento.

Valor: Qual o ideal?

Badin: O projeto prevê a criação de até 200 cargos de gestores para o Cade. Agora, obviamente, isso não será feito de uma hora para outra. É um planejamento para dez anos.

Valor: Os funcionários do Cade continuam deixando o órgão para trabalhar no setor privado?

Badin: Durante muito tempo, os técnicos do Cade se dispunham a ficar um ano ou dois aqui e, depois, iam para empresas e escritórios de advocacia. Então, era o governo treinando pessoas para o mercado, e não o contrário. Há dois anos fizemos o primeiro concurso para pessoas ocuparem cargos no Cade, na SDE e na Seae. Vemos neles os futuros chefes, coordenadores e gerentes do novo Cade.

Valor: As contestações na Justiça ainda são um problema?

Badin: É importante que as decisões do Cade possam ser revistas e controladas pelo Judiciário. O que vejo de disfunção neste sistema é a profusão de liminares baseadas numa crença de que a administração pode esperar. Isso pode fazer sentido quando falamos de tributos, mas não quando falamos de decisões que materializam a intervenção do Estado na economia. O mercado é uma realidade dinâmica. Se a decisão do Cade demorar para ser implementada, ou o remédio se torna ineficiente ou o paciente morre. Então, devemos fazer essa ponderação: os danos serão da empresa ou da sociedade?

Valor: O que fazer diante de casos como o Nestlé-Garoto em que o Cade vetou a fusão em 2004 e até hoje não houve decisão da Justiça?

Badin: O caso Nestlé será julgado na quarta-feira pelo Tribunal Regional Federal. O Judiciário é cada vez mais sensível a este problema. Houve um caso em que o STJ julgou um processo em menos de 30 dias.

Valor: O sr. assumiu o Cade num período de crise internacional. Isso exigirá maior atenção no julgamento de fusões e aquisições?

Badin: Eu vejo que a crise é uma oportunidade para o Brasil aprimorar o seu marco regulatório, a sua legislação, acelerar o tempo de análises de operações de fusões e aquisições e aumentar o ambiente de negócios.

Valor: Que atitudes o Cade pode tomar neste sentido?

Badin: O Brasil é uma das economias que menos foram afetadas pela crise graças a um ambiente financeiro bem definido e regulado. Agora, 2009 é o ano que teremos para aprovar projetos que desobstruam os entraves à atividade produtiva, aos negócios, à competitividade. Independentemente do projeto de lei, vamos continuar o esforço para reduzir o tempo de análise das fusões e aquisições. Temos que desburocratizar os casos mais simples, evitar redundâncias.

Valor: Sem a aprovação prévia de fusões e aquisições o Cade fica desmoralizado?

Badin: A aprovação prévia é importante antes de tudo para melhorar o ambiente de negócios. A análise posterior da operação impõe aos empresários um custo enorme associado à incerteza. Os empresários não querem aprovar operações anticompetitivas, mas sim, ter segurança jurídica sobre o que podem e o que não podem fazer.

Valor: Que setores da economia que trazem mais preocupações?

Badin: O ideal é pudéssemos investigar todos os setores, mas é preciso eleger prioridades. Quem define essa política são as secretarias. O Cade não tem como dar mais importância a um setor, pois é o órgão julgador. Claro que a teoria econômica revela setores mais propensos à realização de cartéis. São os mercados homogêneos, com tecnologia madura. Mas isso é levado em consideração na decisão do Cade. Não antes dela.

Valor: O Cade vai retomar os acordos com empresas acusadas de cartel? Primeiro, o instituto foi criado, houve alguns acordos assinados e, agora, as empresas estão reticentes quanto ao seu funcionamento.

Badin: Acredito muito na importância desses instrumentos de solução negociada com as empresas. Agora, isso deve ser feito com cautela para que se preservem as funções dissuasórias das investigações instauradas contra as empresas. Tenho certeza que, até o fim deste semestre, teremos uma definição madura do conselho com relação a essa questão.

Valor: Algumas empresas que sofreram reveses no Cade contestaram a sua indicação no Senado. A Vale chegou a fazer um dossiê contra o seu nome. Qual a postura que o sr. vai adotar ao julgar um caso da Vale, por exemplo?

Badin: O fato de a minha indicação ter sido submetida ao Senado foi uma forma de diversas opiniões e interesses da sociedade, que são legítimos, pudessem se fazer presentes. Não vejo nenhum problema se alguma empresa manifestou posição contrária à minha indicação. Que bom que existam instituições que permitem que isso aconteça, como o Senado. Melhor ainda foi ver que as instituições são maduras para proceder com Justiça com relação a essas críticas. Fico contente que o Senado tenha ouvido as opiniões e julgado.

Valor: Mas quando o sr. julgar empresas que contestaram o seu nome, não surgirá nenhuma rusga? E nos casos de empresas que possuem muitos processos no Cade, as companhias que têm "cartão fidelidade" em antitruste?

Badin: Veja, todos os casos serão julgados com o mesmo rigor e dedicação. A minha postura como julgador será imparcial, igual para todas as empresas. Posso falar que não há "cartão fidelidade" com relação às empresas. Claro que o histórico de casos e a conduta das empresas serão levados em consideração, pois isso a lei determina. Nós verificamos o grau de rivalidade no setor, a predisposição das empresas para adotarem condutas anticompetitivas. Isso faz parte da análise antitruste. Mas não existe pré-julgamento.

Valor: O fato de uma empresa responder a muitos processos não chama a atenção do Cade?

Badin: O órgão antitruste é responsável por conter o poder econômico. Então, é natural que as grandes empresas estejam, vez ou outra, envolvidas em denúncias. Mas o fato de terem muitos casos não significa nada. O Cade serve justamente para isso: analisar denúncias de eventuais abusos de poder econômico.