Título: Crise e eleição das Mesas trazem riscos ao governo
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 19/01/2009, Política, p. A7

Independente do resultado, o governo sairá desgastado das eleições para as presidências da Câmara e do Senado, previstas para 2 de fevereiro. Na avaliação dos partidos, entretanto, só haverá risco para a governabilidade com o aprofundamento da crise econômica. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva terá então de enfrentar a conjugação explosiva: a tensão entre os dois maiores partidos da base de sustentação do governo e a desestabilização da economia. Isso em final de mandato, quando os governos normalmente perdem prestígio no Congresso, especialmente se chegar ao último ano sem a perspectiva de eleger o sucessor.

Na realidade, o governo já sofre desgaste com a disputa nada velada entre os dois principais partidos da base aliada, PT e PMDB. Há pelo menos três fatores evidentes de desgaste. Primeiro, o penoso processo de negociação a que foi submetido o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, pressionado por PT e PMDB a influir na escolha do presidente do Senado, além de ser chamado pelos pemedebistas para fazer o PT da Câmara honrar o compromisso de apoiar e votar no deputado Michel Temer (PMDB-SP).

O segundo foi a reação do senador Tião Viana (PT-AC), candidato a presidente do Senado, ao comportamento do governo na disputa. Viana acusou o Planalto de fazer "jogo duplo" e chamou de "desleal" o ministro da coordenação política José Múcio Monteiro. Em terceiro, a entrada em cena do ex-ministro José Dirceu, que em seu blog na internet incentivou os petistas da Câmara a não cumprir o acordo com Temer, caso o PMDB do Senado insista em eleger para o cargo o senador José Sarney (PMDB-AP).

O cientista político Cristiano Noronha, da consultoria Arko Advice, diz que Lula está na clássica situação de "se correr o bicho pega, se ficar o bicho come", até mesmo na hipótese de eleger Sarney e Temer, que na prática são dois aliados do presidente: "Neste caso, o governo ficará nas mãos do PMDB no Congresso", afirma Noronha. O que ninguém duvida é que se o PMDB fizer prevalecer o fato de dispor das maiores bancadas nas duas Casas, o melhor para Lula, no Senado, será a eleição de Sarney.

Isso porque a opção é muito pior para o presidente: a reeleição (que é juridicamente discutível) do atual presidente Garibaldi Alves (PMDB-RN). Sarney seria incapaz de desafiar publicamente o governo, como fez Garibaldi ao devolver uma medida provisória editada por Lula. Além disso, Sarney deve apoiar o candidato a ser escolhido pelo presidente à sucessão, provavelmente a ministra Dilma Rousseff, chefe da Casa Civil. A grande dúvida que sobra é como ficará o relacionamento do PT com o PMDB, que já é tenso. Não será surpresa se os pemedebistas derem algum troco, mais adiante.

Se Sarney decidir não concorrer ao cargo, apoiar o PT e o senador Tião Viana se eleger presidente, o problema passa a ser o relacionamento da bancada do PMDB, que é o fiel da balança nas votações, com o governo. Embora tenha maioria nominal, o Palácio do Planalto sempre enfrentou mais dificuldades no Senado do que na Câmara, onde a margem do governo é maior, sobretudo depois que o PMDB cedeu a presidência da Câmara para o PT e, em troca, levou três ministérios e cargos no primeiro e segundo escalão - no primeiro semestre de 2008, o índice de fidelidade ao governo do PMDB da Câmara foi de 65,35%, e no Senado, de 69,23% (leia o quadro).

O PMDB possui a maior bancada na Casa, com 20 dos 81 senadores, seguido por DEM e PSDB. Sem dispor de maioria folgada, o governo tem de negociar reformas constitucionais - cuja aprovação requer quórum qualificado, ou seja, 49 senadores têm de dizer "sim" - e de negociar caso a caso a aprovação de projetos de lei. Mas além disso, Tião Viana terá de lidar com os problemas pessoais que criou em sua curta passagem pela presidência do Senado, quando se indispôs com a burocracia da Casa, em geral, e em particular com o senador Renan Calheiros, que será o novo líder do PMDB no Senado.

Em 2007, Renan teve de se afastar da presidência do Senado para preservar seu mandato em 2007. O senador respondia a denúncias no conselho de ética, acusado, entre outros problemas, de tráfico de influência, corrupção e lavagem de dinheiro. Em seu lugar assumiu interinamente Tião Viana. A relação entre os dois senadores foi marcada por conflitos e Viana criou polêmica aos suspender pagamentos, como de passagens aéreas e de hotéis, autorizados na gestão de Renan, e declarar que a corregedoria teria de investigar a origem de dossiês contra senadores, quando estes surgissem.

O petista também foi acusado de estimular o atraso na votação do processo de cassação de Renan para manter-se mais tempo na presidência do Senado. A relação azedou de vez quando ao assumir o cargo, depois do afastamento, Tião pediu para Renan desocupar logo a residência oficial do Senado, pois ele próprio iria ocupar o imóvel. Numa casa que funciona quase como um clube social, a iniciativa de Viana não foi bem vista nem pelos outros senadores.

Viana, por fim, terá de lidar com a oposição. O Democratas já declarou apoio a eventual candidatura de José Sarney e vê com muitas desconfianças a eleição de um petista para presidir o cargo. O senador pelo Acre tem mais acesso no PSDB, até mesmo por conta da inimizade de Sarney com José Serra. Circula no PSDB a idéia de o partido tentar uma aproximação entre os dois. O problema é Sarney, que vê o dedo do tucano numa operação da Polícia Federal que em 2002 apreendeu dinheiro em um escritório do marido da filha, Roseana, que então despontava nas pesquisas de opinião como favorita às eleições presidenciais.

O embate entre PT e PMDB na definição do candidato no Senado deve ter reflexos na Câmara e poderá dificultar a tramitação de projetos considerados prioritários pelo governo, como a reforma tributária, o fim da reeleição, com a extensão do mandato de quatro para cinco anos e até mesmo o sempre negado mas nunca esquecido - por deputados do PT - terceiro mandato. O pior dos mundos, segundo avaliação de alguns partidos, seria uma traição em massa do PT e a consequente não eleição de Michel Temer. Isso traria de volta a instabilidade da bancada pemedebista, que em outras épocas já teve dois líderes indicados no mesmo dia. Mas isso é algo que os outros dois candidatos, Aldo Rebelo e Ciro Nogueira, não concordam, por entenderem que o PMDB é mais fiel aos cargos que tem no governo do que a Michel Temer.

-------------------------------------------------------------------------------- adicionada no sistema em: 19/01/2009 12:21