Título: Com estoque alto, varejo reduz encomendas
Autor: Maia , Samantha
Fonte: Valor Econômico, 22/01/2009, Brasil, p. A3

O varejo não conseguiu dar fim aos produtos que comprou para atender às vendas de fim de ano e ficou com estoques acima do planejado. A saída tem sido reduzir as encomendas à indústria, que já sente a retração e começa a reduzir a atividade em alguns setores. Além da necessidade de desovar seus estoques, os lojistas estão cautelosos diante da incerteza sobre o comportamento da demanda nos próximos meses, principalmente com os recentes anúncios de demissões.

O ritmo de redução das encomendas, porém, não atinge os setores da mesma maneira. Enquanto as vendas dos automóveis deram uma recuperada após os incentivos tributários do governo, celulares e computadores começam a vender menos e alimentos ainda não foram afetados.

Segundo Emílio Alfieri, economista da Associação Comercial de São Paulo (ACSP), a continuidade das liquidações é o sinal mais evidente de que o comércio está com estoques elevados. "Não há sinais de que haverá encomendas antes de fevereiro e mesmo assim elas voltarão em ritmo lento, não dá para dizer que é uma retomada", diz. O ano começou com resultados fracos de vendas. Nos primeiros 15 dias de janeiro, segundo levantamento da ACSP, houve uma queda de 2,7% nas consultas aos Serviço Central de Proteção ao Crédito (SCPC) e de 6,2% nas consultas ao SCPC/Cheque em relação ao mesmo período de 2008. São indicadores de vendas à vista e a prazo. "A expectativa é de estagnação do crescimento das vendas no ano caso não haja mudanças na conjuntura econômica", diz Alfieri.

Nos supermercados Sonda, janeiro acumula uma redução de 5% a 8% nas vendas. A empresa trabalha hoje com estoque de 45 dias, mas o diretor-financeiro, Roberto Moreno, diz que a intenção é diminuir esse tempo para 20 a 25 dias. "Nós estamos procurando trabalhar com estoques mais reduzidos para ficarmos capitalizados por conta da incerteza do mercado", diz ele.

O receio do varejista é confirmado pelo economista Aloísio Campelo, da Fundação Getúlio Vargas (FGV). Segundo ele, os bens de consumo que dependem mais da renda que do crédito, como alimentos e eletroeletrônicos, devem ser os próximos a sentir o efeito da desaceleração da economia. "É possível que nos próximos meses haja uma estabilidade ou até melhora nos estoques das montadoras de automóveis, resultado dos ajustes aplicados, mas em outros segmentos a tendência é piorar", diz. Segundo ele, o impacto defasado virá por conta da queda da renda da população causada pelas demissões.

Reflexo desse movimento são os resultados das grandes varejistas. Redes como Casas Bahia, Lojas Cem e Lojas Colombo terminaram 2008 com estoques um pouco acima do normal, sinal de que a crise ainda não chegou com força. Há quem fique reticente, porém, na hora de apostar nas vendas neste primeiro trimestre. A Lojas Colombo conseguiu vender seus produtos excedentes do fim de ano realizando liquidações, mas segundo o diretor de compras, Gladimir Somacal, a empresa não fará grandes encomendas até março. "Estamos apenas repondo as vendas, sem estocar para fevereiro e março porque ainda temos muitas dúvidas de como estará a demanda", diz.

A Casas Bahia terminou o ano com um estoque de 7,2 milhões de unidades, volume 14% maior que o de dezembro de 2007. Depois de ter conseguido vender o estoque excedente de fim de ano, a Lojas Cem optou por apostar que a retração das vendas ainda vai demorar um pouco para chegar com força, e já realizou encomendas neste mês. Segundo o supervisor-geral, Valdemir Coleone, a rede vai tentar manter o estoque entre 40 a 50 dias enquanto sentir que tem demanda. "A crise ainda não chegou ao varejo, mas o desemprego deve afetar as vendas futuramente", diz.

Na Bahia, a rede de lojas Lê Biscuit teve uma sobra de produtos maior do que o planejado no fim do ano passado, e começou suas liquidações ainda antes do ano novo. Em janeiro, as vendas acumulam queda de 6% em relação ao ano passado. Por conta das vendas menores, as encomendas neste mês foram reduzidas em 20% comparado a 2008. "Não queremos nos arriscar a ficar com estoque alto", diz o diretor-presidente da Lê Biscuit Álvaro Sant"Anna. A varejista baiana vende brinquedos, produtos para casa, além de artigos de papelaria e artesanato. As liquidações semanais devem continuar até o fim do mês para tentar recuperar o resultado negativo.