Título: Ação decisiva contra a fome
Autor: Sachs , Jeffrey D.
Fonte: Valor Econômico, 22/01/2009, Opinião, p. A11

Atualmente, a crise mundial da fome tem uma gravidade sem precedentes e exige medidas urgentes. Perto de um bilhão de pessoas estão presas numa armadilha de fome crônica - possivelmente 100 milhões a mais do que dois anos atrás. A Espanha está assumindo a liderança mundial no combate à fome, ao convidar líderes mundiais a Madri em fins de janeiro para passar das palavras à ação. Sob a liderança espanhola e a participação do secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, diversos governos doadores estão propondo reunir seus recursos financeiros para que os agricultores mais pobres do mundo possam cultivar mais alimentos e escapar da armadilha da pobreza.

Os benefícios resultantes de alguma ajuda de doadores pode ser notável. Camponeses agricultores na África, Haiti e em outras regiões pobres hoje plantam suas culturas sem o benefício de variedades de sementes de alto rendimento e fertilizantes. O resultado é uma colheita de grãos (por exemplo, de milho) aproximadamente um terço menor do que poderia ser obtida com melhores insumos agrícolas. Os agricultores africanos produzem aproximadamente uma tonelada de grãos por hectare, em comparação com mais de quatro toneladas por hectare na China, onde os agricultores fazem uso substancial de fertilizantes.

Os agricultores africanos sabem que necessitam fertilizantes; eles simplesmente não podem arcar com seu custo. Com a ajuda de doadores, eles poderão. Não apenas esses agricultores então alimentarão suas famílias, mas também poderão começar a obter uma renda no mercado e poupar para o futuro. Ao acumular economias durante alguns anos, os agricultores, depois de algum tempo, passarão a ser dignos de crédito, ou terão, eles próprios, suficiente dinheiro para comprar insumos vitais.

Existe hoje amplo consenso sobre a necessidade de maior financiamento de doadores a pequenos agricultores (aqueles com dois hectares ou menos de terra ou pastores pobres), o que é particularmente urgente na África. O secretário-geral da ONU liderou um grupo diretor, no ano passado, que determinou que a agricultura africana necessita aproximadamente US$ 8 bilhões por ano em financiamento de doadores - cerca de quatro vezes o total atual - com forte ênfase em melhores sementes, fertilizantes, sistemas de irrigação e extensão de treinamento.

Além de ajuda direta a pequenos agricultores, os doadores deveriam proporcionar mais ajuda para pesquisa e desenvolvimento (P&D) necessários para identificar novas variedades de sementes de alto rendimento, especialmente para cultivar plantas capazes de resistir a enchentes temporárias, excesso de nitrogênio, solos salgados, pragas que atacam colheitas e outros obstáculos à produção sustentável de alimentos. Ajudar os pobres com as tecnologias atuais, e ao mesmo tempo investir em tecnologias futuras aperfeiçoadas, é a divisão de trabalho ótima.

Esse investimento se paga maravilhosamente: num esquema em que sementes de alto rendimento produzidas por centros de pesquisas - como o Instituto Internacional de Pesquisas com Arroz e o Centro Internacional de Aperfeiçoamento do Milho e do Trigo - aliadas a estratégias agrícolas inovadoras produziram, em conjunto, a Revolução Asiática Verde. Esses centros não são famosos, mas mereciam ser. Seus avanços científicos ajudaram a alimentar o mundo, e nós necessitaremos mais contribuições deles.

Dezenas de países de baixa renda com déficit alimentar, talvez de 40 e 50 países, elaboraram programas urgentes de ampliação da produção alimentar por pequenos agricultores, mas estão atualmente imobilizados devido à falta de financiamento de doadores. Esses países pediram financiamentos ao Banco Mundial, e o banco fez um bravo esforço, em 2008, para ajudar através de seu novo Programa de Reação Mundial à Crise Alimentar (GFCRP, na sigla em inglês). Mas o banco ainda não tem fundos suficientes para atender as necessidades urgentes desses países, e teve de racionar a ajuda a uma pequena fração dos afluxos que poderiam ser efetivamente usados de maneira confiável. Centenas de milhões de pessoas, enquanto isso, continuam na armadilha da fome.

Muitos países doadores individuais declararam estar agora dispostos a incrementar seu apoio financeiro à agricultura praticada por pequenos proprietários de terras, mas estão buscando os mecanismos corretos para fazê-lo. As estruturas de ajuda atuais são inadequadas. As mais de 20 agências doadoras bilaterais e multilaterais para a agricultura estão excessivamente fragmentadas e têm, individual e coletivamente, escalas insuficientes.

Apesar dos esforços dedicados de muitos profissionais, a reação à crise da fome permanece totalmente inadequada. A estação de plantio de 2008 veio e se foi, e houve muito pouca ajuda adicional para pequenos agricultores pobres. Os países africanos buscam incessantemente, e na grande maioria dos casos sem sucesso, as pequenas quantias de fundos necessários para suas aquisições de fertilizantes e sementes melhoradas.

Meus colegas e eu, participando de uma comissão consultiva à iniciativa espanhola, recomendamos que os doadores reúnam suas verbas em uma única conta internacional, que denominamos Mecanismo de Coordenação Financeira (FCM, em inglês). Estes fundos reunidos permitiriam aos agricultores nos países pobres a obtenção de fertilizantes, sementes de variedades melhoradas, e os equipamentos de irrigação em pequena escala de que necessitam urgentemente.

Os países pobres receberiam financiamento rápido e previsível para compra de insumos agrícolas a partir de uma única conta, em vez de obtê-los de dezenas de distintos e fragmentados doadores. A utilização conjunta de recursos financeiros em um único FCM doador, os custos administrativos de programas de ajuda poderiam ser mantidos baixos, a disponibilidade dos fluxos de ajuda poderia ser assegurada e os países pobres não teriam de negociar 25 vezes para receber ajuda.

Não podemos mais deixar tudo como está. Os doadores prometeram até 2010 duplicar a ajuda à África, mas ainda estão muito longe da meta. Com efeito, durante os últimos 20 anos, eles na realidade reduziram a ajuda a programas agrícolas, e só agora estão revertendo o curso.

Enquanto isso, um bilhão de pessoas passam fome todos os dias. Precisamos de um avanço que seja comprovável, público, claro e convincente, capaz de mobilizar os corações e mentes do público, e que possam comprovar seu sucesso. Um evento histórico poderá acontecer em Madrid, no final de janeiro, quando os países mais ricos e mais pobres do mundo convergirem para buscar soluções para a crise mundial da fome. A vida dos bilhões de pessoas mais pobres dependem dele.

Jeffrey D. Sachs é professor de Economia e diretor do Instituto Terra, da Universidade de Columbia. É também conselheiro especial ao Secretário Geral da ONU para os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio. © Project Syndicate/Europe´s World, 2009. www.project-syndicate.org

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