Título: Brasileiro procurado desde sábado
Autor: Craveiro, Rodrigo
Fonte: Correio Braziliense, 02/03/2010, Mundo, p. 36

Embaixador do Brasil no país vizinho confirma investigação sobre desaparecimento. Homem estaria em Concepción, a 500km de Santiago, a cidade mais duramente atingida pelo terremoto de sábado

Devastação em Concepción: sumido estaria na região no momento do terremoto, mas a embaixada ainda não confirma o que ocorreu

Vilalva: desabafo contra queixas de mau atendimento na embaixada

Um brasileiro ¿ cujo nome não foi revelado ¿ estaria desaparecido em Concepción, cidade situada a 500km de Santiago e a apenas 115km do epicentro do terremoto de sábado. Por telefone, Mário Vilalva, embaixador do Brasil no Chile, admitiu ao Correio que, na tarde de ontem, a representação ainda buscava informações sobre o paradeiro dele e tentava confirmar a notícia sobre o sumiço. ¿Estamos investigando um caso, mas não posso dar detalhes. Se ele se confirmar, eu terei de falar primeiro com a família¿, afirma Vilalva, que preferiu omitir também o local de procedência da família. Segundo Vilalva, vários rumores têm chegado às autoridades do Brasil, em Santiago, a respeito da situação de turistas ou moradores brasileiros no Chile. ¿Isso tem nos dado um certo trabalho, porque a gente recebe a informação geralmente de quinta mão. Até agora, os casos que nós tivemos não se confirmaram¿, explica. ¿Toda a vez que há algum boato, nós vamos atrás desse dado¿, acrescenta.

Vilalva explica que, pelo fato de o terremoto ter atingido uma magnitude extraordinária (8,8 na escala Richter), o número de vítimas tem aumentado. ¿À medida que os números vão aparecendo, procuramos saber se nessas estatísticas há brasileiros ou não¿, diz. ¿É impossível descartar a possibilidade de que não haja algum brasileiro (entre as vítimas)¿, alerta. O chefe da representação brasileira diz que a embaixada tem prestado toda a assistência possível aos compatriotas. ¿Procuramos orientá-los sobre o que fazer, alguns necessitam de documentação que já está sendo emitida¿, observa. Os trabalhos consulares funcionam de modo improvisado ¿ o prédio do Consulado-Geral do Brasil em Santiago se situa no 15º andar de um prédio, no centro da cidade. ¿Passamos todos esses serviços para a embaixada.¿

Pelo menos 12 mil brasileiros vivem atualmente no Chile ¿ a grande maioria deles já estaria bem estabelecida no país. ¿Estamos sendo procurados mais por brasileiros em trânsito, que vieram a turismo e não puderam sair porque o aeroporto está fechado¿, explica Vilalva. Desde sábado, a embaixada vem emitindo certificados para justificar a ausência de brasileiros no trabalho e direcionando idosos a atendimento médico. ¿Entre sábado e hoje (ontem), atendemos mais de 800 pessoas¿, relata.

Perplexidade

O diplomata nega mau atendimento por parte da representação diplomática na capital chilena. ¿Estamos aqui 24 horas, trabalhando direto no sábado e no domingo. Fico perplexo ao ver esse tipo de notícia¿, afirma Vilalva. O embaixador atribui esse tipo de denúncia a uma ¿intriga maldosa¿ ou à própria situação psicológica de algumas pessoas. ¿Passamos por um terremoto de grandes dimensões e com 60 réplicas. Alguns brasileiros acham que a embaixada tem uma varinha mágica capaz de transportá-los da noite para o dia para o Brasil¿, desabafa. Ele pede paciência e aconselha os brasileiros a aguardar em seus hotéis e casas. ¿A gente procura explicar às pessoas que elas não devem viajar, já que as estradas estão bloqueadas rumo ao sul, nem cruzar a Cordilheira dos Andes¿, acrescenta.

Sob a condição de anonimato, um turista brasileiro consultado pela reportagem apontou um problema de informação que teria influenciado na qualidade do atendimento prestado pelos diplomatas. ¿As pessoas que ligaram para o consulado, no sábado, não conseguiram falar. Quem foi à embaixada deu de cara com a porta, porque não tinha ninguém para receber¿, conta, pela internet. No domingo, ele telefonou para a embaixada e um chileno que não falava português atendeu à ligação. ¿Com custo, consegui entender que precisava ir à embaixada. Chegando lá, encontrei uma fila de brasileiros na mesma situação que eu.¿

Ouça entrevista com Mário Vilalva, embaixador do Brasil no Chile

Entre a angústia e a impotência

Ullisses Campbell

São Paulo ¿ O terremoto que atingiu o Chile no sábado levou mais de 500 brasileiros e chilenos ao consulado do país em São Paulo. A maioria tem parentes em cidades atingidas pelo tremor de magnitude 8.8 na escala Richter e está sem notícias dos familiares. No entanto, os funcionários do consulado não tinham qualquer informação para dar e as pessoas saíam frustradas. ¿Passei três horas numa fila, preenchi um cadastro e não me deram nenhuma informação sobre a minha filha¿, reclamou a dona de casa Angelina Raposo, 53 anos. Ela segurava a foto de Marcela Raposo Domingues, 24, que foi estudar em Santiago e fazia uma viagem pelo interior do país com amigas.

Angelina conta que a última vez que falou com a filha foi na quarta-feira, três dias antes de a terra tremer. Marcela ligou para avisar que faria uma viagem por seis cidades com estudantes de ciências sociais. Desde então, a jovem não responde mais aos telefonemas. ¿É angustiante ficar esperando, sem notícias. Mas tenho fé em Deus que ela vai ligar¿, ressalta a mãe.

O professor Aylin Tulleres, 30 anos, saiu do Chile em 2000. Mora em São Paulo, onde ensina espanhol para imigrantes em uma organização não governamental, em Campinas. Ontem, ele amanheceu na porta do consulado chileno à espera de notícias da família, que mora na cidade de Concepción, a mais atingida pelo tremor. ¿Até agora, não me deram nem sinal de que eles estão vivos¿, disse Aylin. Ele conta que tem seis irmãos morando com a mãe num bairro periférico da cidade.

Depois de ver pela televisão os estragos que o terremoto fez em sua cidade, Aylin conclui que há poucas esperanças de seus familiares estarem vivos. Sem esboçar muita emoção, disse que foi ao consulado tentar conseguir uma passagem para chegar a Concepción a tempo de enterrar seus parentes. ¿Preenchi um formulário e me mandaram voltar na semana que vem, porque não tem voos para o Chile¿, ressaltou.

Comunicação difícil

Uma funcionária do consulado que não quis ser identificada disse que não tem notícias para dar às pessoas que procuram a instituição, porque os canais de comunicação estão com problemas devido ao terremoto e os poucos telefones que funcionam ficam congestionados. A agente de administração do consulado chileno, Marta Moreno, disse que vai tentar buscar informações dos brasileiros e chilenos que estão desaparecidos naquele país. Ela ressalta que o maior desespero vem das famílias brasileiras, que se emocionam ao não ter contato com familiares. ¿Os chilenos têm uma cultura diferente porque estão mais acostumados com esse tipo de tragédia. Por isso, ficam mais calmos nessa hora¿, diz.

Santa Catarina

O Consulado do Chile no Brasil está enfrentando problemas também por causa dos chilenos que estão no Brasil e não conseguem embarcar para o país afetado pelo terremoto. Ontem, cerca de 1,7 mil deles tentavam embarcar de Santa Catarina. Eles estavam em férias em Balneário Camboriú (SC). Eles reclamam que não têm mais onde ficar, pois o prazo de estadia nos hotéis terminou e não há vagas ou dinheiro para pagar a hospedagem adicional.

Além de procurar o governo chileno, eles pediram ajuda às autoridades brasileiras. O governo catarinense conseguiu ontem resolver apenas o problema com alimentação, garantindo almoço e jantar para os turistas chilenos.

Em busca de informações

O aposentado José Maria Antônio da Silva, 64 anos, estava na tarde de ontem na porta da embaixada do Chile. A filha dele, Viviane Maria Gonçalves, e o genro, Gladstone Gonçalves, estão no país e enfrentaram o terremoto de sábado. Silva foi à embaixada para saber o que a diplomacia chilena fará para trazer os brasileiros que estão no país de volta para a terra natal. ¿Conversei com eles no domingo à noite, pela internet. Eles querem voltar logo, porque estão ocorrendo réplicas (novos tremores) direto¿, afirmou. Segundo ele, Viviane e Gladstone encontram-se em um abrigo.

A embaixada pediu ao brasiliense que entrasse em contato com o Itamaraty, que cuidaria dessa questão. José, então, ligou para o ministério e recebeu, como resposta, que o órgão o contataria assim que tivesse um posicionamento sobre o assunto. ¿A embaixada está vendo a necessidade de transporte para os brasileiros, mas até agora não há uma decisão¿, informou o ministério.

Recordando a conversa que teve com a filha, José contou que Viviane estava dentro de um ônibus, chegando a Santiago, quando ocorreu o terremoto. Uma cratera se abriu no asfalto bem na frente de onde estava o veículo. ¿Na hora, ela ficou em estado de choque¿, explicou o pai. A maior reclamação do casal, segundo José, é a dificuldade de alimentação. ¿A comida no país está caríssima¿, garantiu.

Embaixada

O embaixador do Chile em Brasília, Álvaro Díaz Pérez, afirmou que pelo menos 50 chilenos já entraram em contato com a representação, por telefone. O país tem no Brasil uma rede de 13 cônsules honorários, que estão atendendo aos chilenos em busca de informação. ¿A comunidade chilena no Brasil é formada por 30 mil pessoas ¿ 95% delas em São Paulo. Muitos já conseguiram contatar os parentes que estão no Chile, mas os que não conseguem falam com a gente¿, disse.

Aos brasileiros que entram em contato com a embaixada chilena para saber de amigos e parentes que estariam nas áreas afetadas pelos tremores, Díaz tem pedido para que eles liguem para o Itamaraty, que é o responsável por fornecer informações ligadas aos brasileiros no Chile. O Ministério de Relações Exteriores montou, inclusive, um Núcleo de Assistência a Brasileiros com essa finalidade.