Título: Oscilação castigada
Autor: Basile , Juliano
Fonte: Valor Econômico, 22/01/2009, EU & Investimentos, p. D1

O Ministério da Justiça multou quatro bancos por publicidade enganosa na oferta de fundos de investimento de renda fixa e, ao fazê-lo, determinou que todas as instituições financeiras devem informar os consumidores a respeito do risco em suas aplicações.

As multas atingiram a BB Administradora de Ativos e Valores Mobiliários, que terá de pagar R$ 1,5 milhão; a Banespa Corretora (R$ 861 mil); a Caixa Econômica Federal (R$ 218 mil); e o ABN Amro (R$ 249 mil). Elas foram aplicadas porque essas instituições anunciaram a possibilidade de os consumidores obterem ganhos com renda fixa, sem , no entanto, advertir para a hipótese de perda. Os bancos terão dez dias para apresentar defesa à Secretaria de Direito Econômico (SDE).

Ricardo Morishita, diretor do Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor (DPDC) do Ministério da Justiça, explicou que, mesmo que o investimento resulte em ganhos para o consumidor, o fato de o banco deixar de informar sobre os riscos de cada operação já é suficiente para levar a multas que podem atingir R$ 3 milhões por processo instaurado.

Segundo ele, não basta que o banco especifique os riscos no contrato de investimento. O problema está na fase pré-contratual, quando os bancos chamam os consumidores para fazer investimentos sem prestar informações a respeito de possíveis prejuízos nessas aplicações. "O problema é que os bancos não avisam que o consumidor pode perder dinheiro", ressalta Morishita. "Claro que todo o fornecedor precisa atrair o consumidor, mas isso precisa ter um limite e o limite aqui está na ausência de informações."

O DPDC constatou que, nos quatro casos analisados, se os consumidores tivessem todas as informações a respeito dos fundos, poderiam ter optado por não assinar os contratos. "Essa omissão ocorreu quanto a dados essenciais para os consumidores, envolvendo riscos que eles correram", disse Morishita. "Em todos esses casos, pudemos verificar que o regime de transparência ao consumidor não foi atendido."

Os quatro processos foram abertos antes da crise financeira internacional, mas, agora, podem surgir novas ações já que muitos investidores perderam dinheiro nos últimos meses.

Os processos envolveram pessoas que não costumam investir. Os fundos eram oferecidos a correntistas que tinham dinheiro na conta e foram abordados para fazer transferências para investimentos. Não eram, portanto, investidores habituais.

Segundo Morishita, a regra geral é que os serviços prestados de maneira massificada estão sob a proteção do Código de Defesa do Consumidor e, assim, os riscos devem ser amplamente informados. No caso de investimentos de pessoa jurídica, o DPDC teria de verificar caso a caso para identificar se houve relação de consumo.

O BB sofreu a maior multa porque o valor inicial exigido para a realização do investimento era mais alto. Com isso, o Ministério da Justiça pressupôs lesão maior aos consumidores neste caso. O DPDC leva em consideração os seguintes critérios para calcular as multas: o tamanho do banco, o número de consumidores afetados e a vantagem obtida pela instituição financeira.

A crise financeira internacional, que já perdura há mais de ano, serviu para alertar o investidor de fundos considerados conservadores como os de renda fixa que essas aplicações também têm risco - caso o banco ou consultor que fez a oferta do fundo não o tenha feito. Afinal, ele sentiu no bolso a forte oscilação das cotas ao longo do ano passado, chegando a se deparar com perdas em momentos de maior turbulência como em outubro, marcado pelo aumento da aversão ao risco provocado pela quebra do tradicional banco de investimentos americano Lehman Brothers, em meados de setembro.

Levantamento do site financeiro Fortuna aponta que em 2008, nos meses de março, junho, setembro, outubro, novembro e dezembro, pelo menos um fundo de renda fixa destinado ao investidor do varejo teve prejuízo. Em outubro, pior mês, praticamente todos os grande bancos do varejo tiveram pelo menos um fundo de renda fixa com prejuízo, destaca o diretor do Fortuna, Marcelo D" Agosto.

O agravamento da crise naquele mês, que levou os investidores estrangeiros a vender a qualquer preço não só ações como títulos de renda fixa - o fluxo de saída de recursos em outubro foi de quase US$ 8 bilhões -, fez disparar as taxas dos títulos públicos e dos contratos futuros. Para se ter uma idéia, uma NTN-B com vencimento em 2012 chegou a pagar cerca de 10% mais IPCA em meados de outubro, bem acima dos 7,7% do início de 2008. Na mesma época, o contrato de DI com vencimento em janeiro de 2012 chegou a superar os 18%, quando a Selic estava a 13,25% ao ano.

Fundos de renda fixa que tinham aplicações prefixadas ou indexadas de longo prazo tiveram de ajustar seus preços, marcando a mercado a desvalorização. Quanto maior a taxa de retorno, menor o preço do papel. Vale lembrar que, no processo de marcação a mercado, o prejuízo que inicialmente é contábil só se concretiza quando ocorre a venda do título por um preço menor do que o que foi pago.

"O investidor é pouco informado, mas a perda no fundo de renda fixa faz parte do jogo", afirma D"Agosto. O prejuízo de uma carteira de renda fixa, segundo ele, depende da estratégia de investimentos adotada, que passa pelo tamanho da exposição em títulos prefixados, de crédito privado ou ainda pelo prazo dos papéis. O aumento das taxa pagas por Certificados de Depósito Bancário (CDBs) também provocou perdas relevantes para os fundos de renda fixa que tinham esse tipo de papel em carteira, uma vez que os bancos tiveram de pagar mais para captar e os gestores tiveram de atualizar seus títulos a mercado.

Os preços dos títulos variam de acordo com as circunstâncias de mercado para indicadores como, por exemplo, inflação e taxa de juros, acrescenta o vice-presidente do Conselho de Administração do Ibef-SP, Keyler Carvalho Rocha. Ele lembra que o corte no juro básico da economia ontem, que foi de 1 ponto percentual, para 12,75% ao ano, vai diminuir a rentabilidade de aplicações pós-fixadas, mas pode ter um efeito positivo em fundos de renda fixa que tem títulos prefixados a uma taxa maior.

Até mesmo ondas de saques podem interferir na rentabilidade de um fundo, destaca o representante do Ibef, uma vez que elas pressionam o gestor a se desfazer de papéis em circunstâncias à vezes não muito favoráveis.

Procurados, Caixa e BB declararam que, por enquanto, não vão se pronunciar porque ainda não foram notificados. Já o Santander, que assumiu as operações do Banespa e do ABN Amro, informou que está analisando a decisão. (Colaborou Alex Ribeiro)