Título: Brasil aceita elevar pagamento de taxa de energia ao Paraguai
Autor: Rittner, Daniel
Fonte: Valor Econômico, 27/01/2009, Brasil, p. A2

O governo brasileiro deixou claro ao Paraguai que não aceita mexer no Tratado de Itaipu e entregou uma lista de três ações para conter as queixas do país vizinho. A iniciativa mais importante - e que pode ter impacto no caixa da Eletrobrás - envolve a "cessão de direito" da parte paraguaia da energia de Itaipu, pela qual o Brasil pagou US$ 106 milhões em 2008. De toda a eletricidade produzida pela usina, cada país tem direito a metade, de acordo com o tratado. Mas o Paraguai consome apenas 5% e o Brasil fica com 95% do total. É pelo direito de compra com exclusividade do excedente que a Eletrobrás paga a cessão de direito.

Funcionários paraguaios chegaram a reivindicar um aumento para algo entre US$ 600 milhões e US$ 800 milhões anuais, o que foi descartado por Brasília. "Não vamos chegar a esses valores", avisou o chanceler Celso Amorim, segundo apurou o Valor. Em reunião no Itamaraty, porém, o ministro comunicou aos vizinhos a disposição em elevar o montante atual.

Para isso, não é preciso alterar o Tratado de Itaipu, assinado em 1973 - o que exigiria uma longa tramitação no Congresso. Isso é de agrado do engenheiro Ricardo Canese, um dos principais assessores do presidente Fernando Lugo. Ele disse ontem a interlocutores próximos que deseja fechar um acordo com o governo brasileiro ainda no primeiro semestre. Na sua avaliação, a partir da segunda metade do ano, é improvável que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva avance nas negociações, por causa da predominância da agenda pré-eleitoral no Brasil. Canese acredita que o sucessor de Lula, seja quem for, não dedicará a mesma atenção ao diálogo com o Paraguai que o atual presidente.

Mas altos funcionários brasileiros tentaram derrubar qualquer intenção paraguaia de jogar para o Tesouro Nacional do Brasil a dívida assumida por Itaipu Binacional - hoje em pouco menos de US$ 19 bilhões - para financiar a construção da hidrelétrica, como sugeriu Canese.

Essa hipótese foi rechaçada pelo governo brasileiro. É, conforme classificou um auxiliar direto de Lula, "inaceitável". Também está nessa categoria a ambição paraguaia de ficar livre para vender o excedente de energia a outros países, como Argentina e Chile. Na reunião de ontem - em que o Paraguai enviou seus ministros de Relações Exteriores, de Infra-Estrutura e de Finanças -, o ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, demonstrou preocupação com eventuais reajustes tarifários que possam prejudicar os consumidores. Apesar do clima bastante positivo, Amorim foi contundente no recado aos paraguaios. "Isso não é uma negociação", chegou a dizer na reunião, deixando claro que as ações são encaradas como concessões.

Foi uma forma, segundo funcionários brasileiros, de restringir as negociações ao montante pago pela cessão de direito. Além dessa taxa, que se refere ao direito de uso do excedente de Itaipu, o Brasil paga US$ 45 por megawatt-hora (MWh). São US$ 1,5 bilhão por ano. Pela cotação do dólar, isso dá mais de R$ 100 por MWh - excede em muito, portanto, o valor do MWh negociado no leilão das usinas do rio Madeira, que ficaram entre R$ 71 e R$ 79 para o mercado cativo (distribuidoras). Aumentar esse preço não requer mudanças no Tratado de Itaipu, mas o governo brasileiro também recusou negociar a tarifa da hidrelétrica.

Se for elevado o repasse brasileiro ao Paraguai pela cessão de direito, a Eletrobrás ficará com a conta. A estatal é credora da dívida de Itaipu Binacional. No ano passado, o pagamento da dívida pela binacional respondeu por mais da metade dos R$ 2 bilhões que a Eletrobrás transferiu ao Tesouro Nacional, para reforças as contas do superávit primário.

Além de aumentar a cessão de direito, o Brasil incluiu duas outras iniciativas no "cardápio": a criação de um fundo de desenvolvimento regional, para beneficiar a infra-estrutura paraguaia, e uma nova linha de financiamento para a exportação de produtos e serviços brasileiros ao Paraguai. O principal foco dessas duas ações pode ser a construção, com crédito do BNDES, de uma linha de transmissão entre Itaipu e Assunção, para reforçar a precária segurança no abastecimento de eletricidade na cidade.

"Em 15 a 20 dias, vamos receber, provavelmente por escrito, uma resposta paraguaia", afirmou o chanceler brasileiro. Ele espera marcar uma nova reunião entre ministros, daqui a um mês, e deixar um acordo esboçado para a visita oficial que Lugo deverá realizar ao Brasil em abril. Para Amorim, o encontro de ontem foi apenas uma "discussão de idéias, em clima muito positivo".

"Trabalhamos de forma muito produtiva na aproximação entre as posições dos dois países", declarou o ministro das Relações Exteriores do Paraguai, Alejandro Hamed. O tema é sensível a Assunção: Lugo se elegeu, no ano passado, com a promessa de que o país ganharia mais dinheiro com o funcionamento de Itaipu.