Título: Mangabeira busca apoio para projeto no Nordeste
Autor: Leo , Sergio
Fonte: Valor Econômico, 26/01/2009, Brasil, p. A7

Um novo programa de coordenação de ações do governo para apoio de empresas, melhoria de educação de nível médio e treinamento para beneficiários do programa Bolsa Família, entre outras ações, poderá mudar, ainda neste ano, a forma de tratar do Nordeste brasileiro, garante o ministro de Assuntos Estratégicos, Roberto Mangabeira Unger. Ele começou na sexta-feira uma viagem à região com representantes de vários ministérios, para discutir e obter de governadores e empresários apoio a um "projeto estratégico", com que pretende orientar a concessão de subsídios e incentivos nos Estados nordestinos. Ruy Baron/Valor Mangabeira Unger: "O Nordeste pode ser a China brasileira, para o bem ou para o mal, e por isso não pode ter como única vantagem a exploração de mão-de-obra barata"

"Os incentivos e subsídios são indispensáveis, mas são apenas um meio; na falta de um projeto estratégico se degeneram num pontilhismo político, no qual cada um busca defender o seu", comenta o ministro. Ele pretende identificar "ações concretas", a partir de exemplos bem-sucedidos na região, para servir de modelo à atuação federal. Em uma programação que se estende até o fim desta semana, Mangabeira vem promovendo reuniões com governadores e representantes da sociedade civil na Bahia, em Alagoas, no Rio Grande do Norte e em Pernambuco e pretende preparar a proposta de projeto, com "experimentos exemplares", a ser apresentada na reunião dos governadores da região, em fevereiro próximo.

Mangabeira argumenta que o projeto para orientar as ações do governo federal para o Nordeste evitará que os grandes investimentos da região repitam erros do passado, incapazes de funcionar como alavanca para o desenvolvimento regional. Um exemplo citado no ministério, de projetos que se transformaram em "enclaves" desenvolvidos, incapaz de efeitos multiplicadores na região onde se instalaram, são a Alumar e Alunorte no Maranhão; um exemplo positivo, de projeto-modelo, é o pólo petroquímico de Suape, em Pernambuco.

No primeiro dia de viagem, Mangabeira discutiu com o prefeito da cidade baiana de Juazeiro, o petista Isaac Carvalho, os projetos locais de fruticultura irrigada com apoio da Embrapa, e recebeu um pedido para levar ao governo a discussão sobre os problemas logísticos locais, de dificuldades para escoar e comercializar a produção. Hoje, ele e comitiva estarão em Natal, Rio Grande do Norte.

A transposição das águas do rio São Francisco é uma das ações do governo que, na avaliação do ministério, exigem um "projeto estruturante", para evitar conseqüências indesejadas. Mangabeira já teve iniciativas suas criticadas por outros ministérios, como o de Desenvolvimento Agrário, que barrou sua proposta de criação de uma agência federal para cuidar da regularização de terras na Amazônia. Ele considera ter sido atendido, entretanto, em suas principais sugestões, como a de simplificação do processo de regularização das menores propriedades na região. E afirma que as propostas de seu ministério para o Nordeste vêm sendo tratadas com os diversos ministérios envolvidos.

Metódico, o ministro diz que a discussão sobre o projeto do Nordeste tem cinco "vertentes": uma proposta de política industrial, uma de agricultura irrigada, outra de educação, uma nova maneira de conceber grandes projetos na região e um "aprofundamento" dos programas de transferência de renda, como o Bolsa Família, para garantir aos beneficiários de menor rendimento condições de iniciar negócios autônomos, ou ingressar em melhores condições no mercado de trabalho.

"O grupo alvo da primeira etapa [da qualificação dos beneficiários do Bolsa Família] devem ser os intermediários entre os miseráveis e a pequeno burguesia empreendedora", explica o ministro. São os trabalhadores autônomos ou com vários empregos, que poderiam receber treinamento para atividades específicas, de maior renda, defende Mangabeira.

O ministro quer estender a todo o Nordeste experiências de apoio à agricultura irrigada que vêm dando certo, com a formação de pequenas propriedades associadas em atividades de maior valor agregado. "Um dos males existentes no país é o pobrismo, que vê o Nordeste como uma região pobre, onde só cabem políticas compensatórias", critica Mangabeira. "Queremos estimular a industrialização rural e criar uma classe média rural forte", prevê.

Na política industrial, ele propõe o estímulo à organização de redes de pequenas e médias empresas expandindo os exemplos bem-sucedidos de arranjos produtivos locais, organizadas em torno de empresas-âncora ou com o Estado como apoio. Os grandes projetos também teriam nova abordagem. "Além da disponibilidade de trabalho barato, tem de haver, na seleção dos beneficiários, alguma vantagem comparativa que justifique a instalação do projeto no Nordeste", argumenta. "O Nordeste pode ser a China brasileira, para o bem ou para o mal", repete ele. "Por isso não pode ter como única vantagem a exploração de mão-de-obra barata."