Título: Trapalhada trava importação e provoca crise no governo
Autor: Leo, Sergio
Fonte: Valor Econômico, 28/01/2009, Especial, p. A10

A imposição, sem anúncio público, de licenciamento para importação de grande parte dos produtos importados pelo Brasil, decidida sexta-feira pelo ministério do Desenvolvimento, desencadeou uma torrente de reclamações de empresas ao governo e levou a equipe econômica a uma reunião de emergência, para reduzir o alcance da medida. Na equipe econômica, a medida foi classificada de "barbeiragem" do Ministério do Desenvolvimento, que divulgou duas notas ontem para garantir que insumos destinados à produção industrial não serão afetados pela exigência prévia. Ruy Baron/Valor

Ivan Ramalho, do Desenvolvimento: "Vamos saber, com alguma antecedência, o país de origem e o preço do produto"

A decisão de exigir licenças prévias para importações chegou a ser discutida semana passada pelos ministros da Fazenda, Guido Mantega, e do Desenvolvimento, Miguel Jorge. Ambos estão alarmados com a abrupta queda nas exportações e com a manutenção de valores elevados de importação. Os dados de janeiro mostram, pela primeira vez desde março de 2001, um déficit mensal no comércio exterior. Os dois ministros decidiram acompanhar mais de perto as informações sobre importações, para discutir possíveis medidas de controle.

Na mira dos dois ministros estão as importações de bens de consumo - que, apesar de registrarem queda em volume, ainda não tiveram queda significativa de preço - e produtos importados da Argentina. Nesse último caso, o governo resolveu preparar-se para uma possível negociação dura com os maiores sócios do Mercosul, depois de constatar que as vendas para o mercado argentino haviam caído quase 40% e que o governo vizinho havia imposto licenciamento prévio para produtos brasileiros vendidos naquele país.

Técnicos do Ministério do Desenvolvimento anteciparam-se, porém, às decisões dos ministros. Com o pretexto de obter com antecipação informações dos importadores, incluíram segunda-feira no sistema informatizado Siscomex exigência de licença prévia para grande conjunto de produtos. Além de produtos exportados pela Argentina ao Brasil, como trigo, malte e automóveis, o ministério incluiu itens que compõem majoritariamente a pauta de importações procedente da China. A lista de produtos sujeitos a licenciamento que foi informada aos empresários afetaria cerca de 72% das vendas chinesas ao Brasil, segundo cálculos de executivos do setor.

A forte reação à medida chegou à Fazenda ontem de manhã e levou Mantega a procurar, por telefone, um contato com Miguel Jorge, em viagem ao Norte da África. Com base nas conversas com o Ministério do Desenvolvimento, a Secretaria de Comércio Exterior divulgou nota, no começo da tarde, para especificar em quais capítulos da classificação de mercadorias usada pela alfândega estariam os produtos sujeitos a licenciamento prévio. Pouco depois, Mantega reuniu-se com o secretário-executivo do ministério, Ivan Ramalho, que chegava de viagem à Argentina, e o secretário de Comércio Exterior, Welber Barral, com quem se queixou do tumulto provocado entre as empresas privadas.

Mantega reafirmou a oposição da Fazenda a medidas que representem fechamento de fronteiras, disse temer o impacto que a medida teria sobre os preços internos e a inflação e ouviu de Ramalho e Barral que a intenção, com as licenças, foi obter em prazo mais curto informações sobre as tendências da importação. A exigência de licenças é vista como um instrumento de negociação com parceiros comerciais, já que permite usar a burocracia para atrasar importações, como já faz a Argentina com produtos brasileiros.

Após a reunião, seguindo roteiro combinado com Mantega, o Ministério do Desenvolvimento divulgou nova nota, detalhando ainda mais os produtos sujeitos a licenciamento prévio. Apesar da óbvia ameaça implícita na exigência de licença para ingresso dos produtos no país, o governo garante que as licenças serão concedidas automaticamente e imediatamente, e se destinariam apenas a assegurar maior controle e previsão do fluxo de mercadorias.

A primeira nota da Secex informava, porém, que o governo teria até dez dias para conceder a licença, sem a qual os produtos não poderiam ingressar no país. "De um total de 9 mil posições, em torno de 3 mil têm licença automática. Em termos de valor, 60% é o que foi incluído no sistema de licenciamento automático", justificou Ramalho, em tumultuada entrevista à saída do ministério.

Ele garantiu que as licenças para partes, peças e componentes serão liberados imediatamente. "Com as licenças automáticas, vamos saber, com alguma antecedência, o país de origem e o preço do produto. Houve uma mudança muito grande no resultado do comércio exterior brasileiro", argumentou.