Título: PF à caça de mais provas
Autor: Campos, Ana Maria
Fonte: Correio Braziliense, 14/02/2010, Cidades, p. 23

Caixa de Pandora

Quinze equipes da Polícia Federal vasculham gabinetes do GDF e casas de aliados de Arruda. Dinheiro, computadores e documentos são apreendidos

Em pleno sábado de Carnaval, a Polícia Federal (PF) cumpriu 13 mandados de busca e apreensão em 21 endereços de suspeitos de participação no suposto esquema de corrupção montado no Governo do Distrito Federal. Por determinação do ministro Fernando Gonçalves, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), relator do inquérito relacionado à Operação Caixa de Pandora, 15 equipes vasculharam quatro salas no Centro Administrativo do governo, em Taguatinga, e quatro no prédio anexo ao Palácio do Buriti. Os policiais também estiveram no posto de atendimento à população Na Hora(1) , no Setor de Indústria e Abastecimento (SIA), além de residências de 12 pessoas que mantêm alguma relação com o governador afastado José Roberto Arruda (sem partido).

Entre os alvos da operação estão o ex-secretário de Governo José Humberto Pires, o ex-chefe de gabinete do governador Fábio Simão e José Eustáquio Oliveira, ex-chefe do escritório político de Arruda, na 502 Sul. Os três eram auxiliares da confiança de Arruda e são investigados como possíveis operadores do esquema de desvio de recursos de contratos com empresas prestadoras de serviço para pagamentos de propinas a deputados e secretários. Policiais já haviam estado na casa e no escritório de Simão na residência oficial de Águas Claras, em 27 de novembro passado. À época, apreenderam documentos e R$ 33 mil em espécie.

O advogado Raul Livino, que representa o policial civil aposentado Marcelo Toledo, confirmou ao Correio que a casa de seu cliente na QL 26 do Lago Sul também foi vasculhada pelos policiais federais na manhã de ontem. Aliado de Arruda, Toledo é suplente de deputado distrital e aparece num dos vídeos gravados por Durval Barbosa. Na imagem, Marcelo Toledo tira pacotes de dinheiro da bolsa, numa operação no gabinete de Durval na Secretaria de Relações Institucionais presenciada pelo então assessor de imprensa do governador, Omézio Pontes, afastado em função das denúncias de envolvimento no caso. No encontro, Toledo diz a Durval que o então vice-governador Paulo Octávio ¿ hoje governador no exercício do cargo ¿ precisa de mais dinheiro para a campanha dos prefeitos. ¿Foi uma ação light. Não encontraram nada e não levaram nada porque não havia nada para encontrar¿, disse Livino, sobre a busca na casa de Toledo.

O policial aposentado que mantém contrato de informática com o governo era uma das apostas de Arruda nas próximas eleições. Seria candidato a deputado ou integraria como suplente uma chapa ao Senado. Ele foi convocado a prestar depoimento à Polícia Federal (PF), mas conquistou na Justiça um habeas corpus que lhe garantiu o direito de ficar calado. Livino garante, no entanto, que se a delação premiada, nos mesmos moldes da oferecida a Durval Barbosa, ajudar na defesa de seu cliente, ele vai orientá-lo a falar tudo o que sabe. Em depoimentos ao Ministério Público e à PF, Durval Barbosa disse que Toledo era operador de interesses de Paulo Octávio no suposto esquema de corrupção.

Terceira vez A Polícia Federal informou durante o cumprimento dos mandados na manhã de ontem que houve apreensão de documentos, mídias e computadores. Em dinheiro, os policiais encontraram US$ 2,6 mil e R$ 1 mil. A ação foi comandada pelo delegado Alfredo Junqueira, responsável pela Operação Caixa de Pandora. Todas as diligências do caso são requeridas pela subprocuradora-geral da República Raquel Dodge.

É a terceira vez que os investigadores vão a campo para recolher informações para municiar o Inquérito nº 650 do STJ, com a apreensão de documentos e computadores de pessoas e empresas suspeitas.

Em 27 de novembro, a PF cumpriu mandados de busca e apreensão nas casas e nos gabinetes de Omézio Pontes; do então chefe da Casa Civil, José Geraldo Maciel; do então chefe de gabinete Fábio Simão; do secretário de Educação à época, José Luiz Valente; dos deputados distritais Leonardo Prudente (ex-DEM), Eurides Brito (PMDB, Rogério Ulyssses (PSB) e do suplente de deputado Pedro do Ovo (PRP). O conselheiro do Tribunal de Contas do DF Domingos Lamoglia, ex-chefe de gabinete de Arruda, também foi alvo da ação, além de empresas prestadoras de serviço no ramo de informática. Os secretários e o chefe de gabinete acabaram exonerados. O conselheiro do TCDF foi afastado do cargo, e os deputados podem ser processados por quebra de decoro parlamentar. Todos são investigados e correm o risco de receber outras punições.

Em 22 de dezembro, a Polícia Federal vasculhou o Instituto Fraterna, presidido pela primeira-dama, Flávia Arruda, e a Associação Brasiliense Amigos do Arruda, entidade que coordena o escritório político de Arruda e é presidida por José Eustáquio Oliveira. Também foram apreendidos documentos na casa do assessor da Secretaria de Educação Gibrail Gebrim e na sede da empresa de turismo da mulher dele, Evelyne Gebrim. Procurados pelo Correio, Fábio Simão, José Eustáquio e José Humberto Pires não foram localizados ontem.

1 - Na Hora Responsável pelo programa Na Hora, que presta atendimento público à população, como pagamento de contas e emissão de documentos, o subsecretário de Justiça e Cidadania Luiz França aparece em vídeo gravado por Durval Barbosa recebendo dinheiro que seria fruto de propina de prestadoras de serviço ao governo. França foi presidente do PMN-DF, partido que apoiava o governo Arruda.

Todo o estafe sob investigação

A crise abateu os principais assessores de Arruda no governo. Para a PF, eles são suspeitos de atuar como operadores do suposto esquema de corrupção

Ana Maria Campos

A Operação Caixa de Pandora ¿ que levou à prisão o governador afastado José Roberto Arruda do Distrito Federal ¿ atingiu praticamente o estafe principal do chefe do Executivo local. Entre os investigados no Inquérito nº 650 em curso no Superior Tribunal de Justiça estão quase todas as pessoas do círculo próximo de Arruda, aquelas que o acompanham há décadas e escolheram dedicar a vida a seu projeto político: o secretário particular, o chefe de gabinete, o tesoureiro de campanha, o assessor de imprensa, o escolhido para gerenciar os projetos governamentais e o porta-voz para assuntos do Legislativo e Judiciário.

Antes de ser preso, na quinta-feira, Arruda despachava na residência Oficial de Águas Claras com uma equipe que não escolheu. Do círculo mais próximo, Rodrigo Arantes, considerado por ele quase como um filho, era um dos poucos com condições de aparecer em público como assessor. Ele já havia aparecido no vídeo em que Arruda recebe dinheiro de Durval Barbosa, numa das mais famosas produções do delator do suposto esquema de corrupção. Mas sucumbiu diante da acusação de que foi o portador do dinheiro que teria sido usado para subornar o jornalista Edson Sombra, para que este ajudasse a desqualificar provas que incriminariam Arruda. Rodrigo nega a acusação e diz que seu nome foi usado indevidamente.

O argumento não foi suficiente para evitar a decretação da prisão preventiva de Arantes. Na última quinta-feira, depois de Arruda, ele foi o primeiro a se entregar à Polícia Federal (PF). Acostumado a ser bajulado por quem queria se aproximar do governador, Rodrigo Arantes foi transferido na última sexta-feira para uma cela da PF na Papuda. Lá, ficará em ambiente afastado de quem cumpre pena, mas manterá a mesma rotina dos demais detentos, com banho de sol e visitas em horário determinado. Comerá a mesma comida e usará um vaso sanitário sem tampa. Rotina igual será adotada pelo ex-chefe da Agência de Comunicação do DF Weligton Moraes, que acompanha Arruda há mais de 15 anos, desde que o governador afastado do DF assumiu o primeiro cargo no governo Roriz.

Apaziguador Secretário de Comunicação das gestões de Joaquim Roriz, Weligton sempre soube amenizar crises. Ele é acusado de intermediar um acordo com o jornalista Edson Sombra. Desde a crise deflagrada pela Operação Caixa de Pandora, ele andava abatido. Chegou a anunciar que deixaria o governo porque se sentia desconfortável em permanecer no cargo devido à conhecida relação de amizade que sempre manteve com Durval Barbosa. Ficou por insistência de Arruda. Na área de comunicação, outro personagem é alvo de investigação e deverá ser denunciado por corrupção: o jornalista Omézio Pontes, que trabalha com Arruda desde que este ingressou na política, em 1994.

Omézio já havia superado outra crise do chefe: a renúncia ao mandato no episódio da violação do painel do Senado. Mas o assessor nunca havia sido diretamente acusado de envolvimento de desvio de recursos. Ele aparece em dois vídeos recebendo dinheiro de Durval Barbosa, mesmo constrangimento do conselheiro Domingos Lamoglia. Ele e Arruda são amigos há décadas a ponto de o governador afastado dizer no ano passado, na posse do ex-chefe de gabinete como conselheiro do Tribunal de Contas do DF, que os dois pareciam ser a mesma pessoa. O governador fez o que estava a seu alcance para nomear o conterrâneo de Itajubá (MG) na função de fiscalizador dos gastos públicos. Por conta da crise deflagrada pela Operação Caixa de Pandora, Lamoglia foi afastado do cargo.

Centralismo Para assumir o cargo no TCDF, Lamoglia deixou a função de chefe de gabinete de Arruda. Seu sucessor, Fábio Simão, escolhido para comandar o gabinete mais próximo do governador, também é investigado. Simão foi alvo de duas operações de busca e apreensão da PF. Presidente da Federação Brasiliense de Futebol, ele viu, assim, mais distante a possibilidade de se tornar o grande organizador dos preparativos de Brasília para a Copa de 2014, atribuição que vinha exercendo no governo.

Centralizador, Arruda sempre teve dificuldades para delegar funções. Mas entregou ao secretário de governo, José Humberto Pires, o papel de coordenar todas as suas obras e projetos sociais. Era considerado o ¿gerentão¿ do governo, apelidado pelo próprio Arruda de sua ¿Dilma Rousseff¿. Hoje, é investigado como possível arrecadador de recursos do esquema.

Após quase quatro décadas em funções de chefia no GDF, como secretário de Saúde, presidente da Companhia Energética de Brasília (CEB), da Companhia de Saneamento de Brasília (Caesb) e secretário de Serviços Públicos, José Geraldo Maciel agora é suspeito de coordenar o pagamento de propinas para a aprovação de projetos na Câmara. Ele tinha a função de articulador político com os deputados e de relacionamento institucional com o Judiciário. Saiu de cena depois que conversas que teve com Durval sobre desembargadores e deputados foram interceptadas pela PF. Primo de Arruda, é o responsável pela vinda dele para Brasília, como engenheiro da CEB, e sempre incentivou os planos do familiar de comandar o DF.

A Caixa de Pandora também debilitou o tesoureiro de campanha de Arruda, José Eustáquio de Oliveira, responsável pela coordenação do escritório político do governador ¿ antes, naturalmente, do afastamento. Ele também é investigado como um dos operadores do suposto esquema de corrupção instalado no Executivo.

Dependendo de quem foi grampeado, eles (agentes da Polícia Civil) não captaram nada de mais

Leonardo Bandarra, procurador-geral do DF

Quem é quem

Weligton Moraes Chefe da Agência de Comunicação do DF, Weligton é aliado de Arruda há mais de 15 anos. A aproximação começou quando ambos integraram o primeiro governo de Joaquim Roriz. Sempre foi conhecido como um apaziguador de crises. Na última sexta-feira, foi transferido para a Penitenciária da Papuda por ter sido denunciado como intermediador de um suborno ao jornalista Edson Sombra

José Eustáquio de Oliveira Tesoureiro das campanhas de José Roberto Arruda, Eustáquio foi presidente da Novacap, o braço das obras do Executivo no primeiro ano de governo. Deixou o cargo para se dedicar ao escritório político de Arruda na 502 Sul, onde eram organizadas as ações eleitorais. É investigado por supostamente ser um dos arrecadadores de recursos para o governador

Fábio Simão Presidente da Federação Brasiliense de Futebol, Simão tinha muitas atribuições. Além de coordenar o projeto da Copa 2014 em Brasília, ele era um dos articuladores na Câmara Legislativa. Substituiu Domingos Lamoglia na chefia de gabinete. Também era um dos aliados de Arruda na executiva regional do PMDB. É investigado por ter supostamente recebido dinheiro para apoiar o governador

José Humberto Pires Considerado o gerente do governo, Humberto era o coordenador de todas as obras e projetos. Tinha como atribuição resolver problemas para fazer as coisas andarem. Também organizava eventos públicos. Nada acontecia sem passar pela Secretaria de Governo. Agora, é investigado como arrecadador de recursos oriundos de propina para abastecer um suposto caixa 2 e contas pessoais de Arruda

Rodrigo Arantes Secretário particular do governador, Arantes é filho de um amigo de Arruda que já morreu. Ele é também muito próximo de José Geraldo Maciel. Atendia os telefones do governador, anotava pedidos de audiência e resolvia problemas do dia a dia. Ele apareceu em vídeo levando a sacola com dinheiro entregue por Durval Barbosa a Arruda. É acusado de entregar o dinheiro que seria usado para subornar o jornalista Edson Sombra

Domingos Lamoglia Amigo de Arruda há mais de 30 anos, Lamoglia foi assessor dele no Senado e chefe de gabinete no governo até setembro do ano passado, quando foi nomeado conselheiro do Tribunal de Contas do DF numa negociação com a Câmara que contou com a participação direta e decisiva do governador. Depois do escândalo, ele foi afastado do cargo porque aparece em vídeo recolhendo dinheiro doado por Durval Barbosa

José Geraldo Maciel Primo e conterrâneo de Arruda, José Geraldo Maciel é responsável pela escolha do governador afastado por Brasília. Ele incentivou Arruda a deixar a terra natal, Itajubá (MG), para ingressar na carreira de engenheiro da CEB. No atual governo, era um dos poucos com autoridade para falar em nome de Arruda. Deixou o cargo após conversa com Durval Barbosa em que há evidências de relatos de pagamentos de propinas a distritais

Omézio Pontes Assessor de imprensa de Arruda há mais de 15 anos, o jornalista deixou nos últimos tempos a atribuição de relacionamento com os repórteres e a divulgação das ações do Executivo para se dedicar à atividade de mobilização política. Organizava audiências públicas com a participação do governador. Saiu do cargo porque aparece em dois vídeos recebendo dinheiro de Durval Barbosa

Nova denúncia sobre grampos telefônicos

Mara Puljiz

Está em mãos dos investigadores da Polícia Federal um documento que apontaria indícios de espionagem por parte de setores da inteligência da Polícia Civil nos trabalhos do Ministério Público referentes ao suposto pagamento de propina a José Roberto Arruda, Paulo Octávio e deputados da base aliada. Seria uma tentativa de atrapalhar o curso normal das investigações da Caixa de Pandora.

O documento sem timbre, carimbo ou mesmo qualquer mensagem escrita à mão, foi encontrado durante uma operação de busca e apreensão da PF na quinta-feira passada, dia em que foi decretada a prisão provisória do governador José Roberto Arruda, na Residência Oficial (em Águas Claras), no Centro Administrativo de Taguatinga ¿ o Buritinga ¿ e na casa de Arruda, localizada no Park Way. O alto escalão da Secretaria de Desenvolvimento e Transferência de Renda do DF (Sedest) seria um dos alvos dos grampos telefônicos.

Inquérito Valmir Lemos, delegado federal e atual secretário de segurança pública do DF, mostrou-se surpreso com a notícia. No fim da tarde de ontem, quando deixava a Superintendência da Polícia Federal após visita de quase duas horas a Arruda, ele disse que não sabia da existência dessa nova acusação. ¿Não sei qual fato está sendo apurado, mas a PF e o Ministério Público devem ter elementos concretos que possam justificar essa situação¿, declarou, em entrevista coletiva. ¿Toda investigação tem ocorrido de maneira sigilosa, mas tudo deve ser apurado com tranquilidade¿, ressaltou.

Em entrevista ao Correio, o procurador-geral do DF, Leonardo Bandarra, disse ter tomado conhecimento da suposta espionagem por meio da imprensa. ¿Se houve o grampo, deve ter sido para ter acesso a informações do Inquérito 650 da Procuradoria Geral da República¿, avaliou o procurador, referindo-se ao inquérito que investiga o suposto esquema de corrupção no governo local na PGR. ¿Dependendo de quem foi grampeado, eles (agentes da Polícia Civil) não captaram nada de mais¿, avisou. Apenas dois membros do Ministério Público do DF foram designados pela Procuradoria-Geral da República para atuar no processo.