Título: Petrobras vê indício de mais gás na Bolívia
Autor: Moura , Marcos
Fonte: Valor Econômico, 29/01/2009, Internacional, p. A14

A Petrobras encontrou na Bolívia, a 5.100 metros de profundidade, uma camada de rocha porosa sob a qual técnicos da empresa acreditam estar uma nova e grande reserva de gás natural.

A informação foi transmitida ao Valor por uma autoridade do governo brasileiro familiarizada com as operações da estatal na Bolívia. A prospecção fica no bloco exploratório de Ingre, no Departamento de Chuquisaca, centro-sul do país. Por meio de um comunicado, a empresa disse só que o projeto está em fase de perfuração. "No momento, não é possível fazer qualquer estimativa sobre a existência ou não de hidrocarbonetos e, por esta razão, não é possível estimar volumes nem prazos de produção."

Os trabalhos de exploração no bloco de Ingre começaram no início de 2008, com um orçamento inicial de US$ 36 milhões. A perspectiva era que a chamada província geológica de Pamir Pampi - onda está o gás boliviano - fosse encontrada a pouco mais de 4 mil metros.

"A Petrobras atingiu a camada a 5.100 metros e agora está avaliando o tamanho real da jazida e de que forma ela será explorada", disse a autoridade do governo, sob a condição de não ter seu nome revelado. "A probabilidade de que haja gás ali é imensa e também é imensa a probabilidade de que seja do tamanho de San Antonio e San Alberto", disse. Os blocos de San Antonio e San Alberto são os dois maiores produtores de gás do país - operados, em parte, pela estatal brasileira.

Na avaliação de um funcionário da Petrobras ouvido pelo Valor, se a descoberta se confirmar, serão necessários "no mínimo quatro anos para que esse campo entre em operação". Para a Bolívia, o impacto imediato seria um aumento dos níveis de suas reservas, acrescentou ele. O país tem uma necessidade urgente de ampliar sua produção para cumprir os contratos de venda com seus dois principais clientes, o Brasil e a Argentina.

Mas se Ingre realmente tiver uma grande reserva de gás, a Petrobras terá de avaliar se a Bolívia oferece hoje condições políticas e jurídicas que justifiquem os investimentos necessários e quando iniciar a produção. O incerto cenário político recente na Bolívia não têm entusiasmado nenhuma empresa. Atualmente, a Petrobras é a única a fazer perfurações no país.

Na semana passada, o governo do presidente Evo Morales estatizou a empresa de produção de gás Chaco, de capital britânico e argentino. No domingo, os bolivianos aprovaram num referendo a nova Constituição da Bolívia, que entre outros pontos amplia a participação do Estado na economia e impõem duras restrições aos investidores privados - em particular os que exploram recursos naturais (leia texto abaixo).

Diante da nova Carta, a estatal russa Gazprom, uma das maiores empresas de gás no mundo, anunciou esta semana que seus planos de investimento na Bolívia estão congelados. O sub-gerente da Gazprom para a América Latina, Julio Velásquez, declarou, segundo a imprensa boliviana, que a estatal russa só definirá o volume de investimentos quando o governo boliviano criar uma sociedade anônima mista, instância necessária para que a estatal russa comece de fato a operar no país. Segundo Velásquez, a demora para a criação da empresa se deve à situação política. "Como empresa, queremos estabilidade jurídica e garantia de investimentos de um país sério".

Uma fonte do setor energético no Brasil disse acreditar que a Petrobras não chegou ao "objetivo e à profundidade finais de perfuração em Ingre". E acrescentou: "E, se acharem gás, não se sabe como fica à luz da nova Constituição".

Mesmo com clima de instabilidade e do aumento do controle estatal sobre os hidrocarbonetos, a Petrobras diz manter seus planos na Bolívia. No fim de 2007, o governo brasileiro prometeu investir até US$ 1 bilhão no país até 2012.

O Valor apurou, no entanto, que entre técnicos da Petrobras Bolívia circulam rumores de que a empresa não estaria muito interessada em apostar no desenvolvimento de Ingre agora e que uma opção seria manter o bloco como "back up" - termo usado pelos funcionários da empresa -, ou seja, um bloco que ficaria em espera até a produção dos grandes blocos de San Antonio e San Alberto começar a cair. Projeções apontam que a produção estará mais fraca em 2019.

O argumento técnico, no entanto, não é tudo. A Bolívia teria interesse em que esse campo entrasse em produção o quanto antes.

Autoridades brasileiras dizem que a Bolívia segue sendo muito importante como fornecedora de gás, já que a produção na Bacia de Santos está longe de começar. Dos 42 milhões de metros cúbicos de gás que a Bolívia produz por dia, o Brasil comprou no ano passado quase 30 milhões. O volume caiu neste início de ano para 24 milhões. Nas palavras de um alto funcionário de Brasília a questão é: "Se o Brasil deixar de comprar da Bolívia, a Bolívia vai à falência, entra colapso em duas semanas. Neste momento é isso o que está em jogo. Assim, será que vale a pena deixar de comprar gás da Bolívia?"