Título: Analistas divergem sobre superávit de 2009
Autor: Landim , Raquel
Fonte: Valor Econômico, 22/12/2008, Brasil, p. A4

A bola de cristal dos economistas está quebrada. Por conta do terremoto provocado pela crise global, as previsões de consultorias e bancos ouvidos pelo Valor para o saldo da balança comercial brasileira em 2009 variam de US$ 8 bilhões a quase US$ 22 bilhões. Se os mais pessimistas estiverem certos, o superávit sofrerá um tombo de 65% no próximo ano em relação a 2008. Pelas projeções mais otimistas, a queda não ultrapassará 8%.

Nesse clima de incerteza, os economistas arriscam apenas alguns palpites sobre as tendências da balança no próximo ano: a crise global vai reduzir a corrente de comércio brasileira e conseqüentemente a abertura da economia; a queda do preço das commodities provocará uma retração das exportações após forte crescimento; a alta do dólar e o enfraquecimento da economia podem estabilizar ou até reduzir as importações.

"Está muito difícil fazer projeção para 2009. Antes podíamos errar, mas pelo menos tínhamos parâmetros", reconheceu José Augusto de Castro, vice-presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB). A entidade só vai divulgar a sua projeção em janeiro, após conhecer os dados de dezembro. Castro adiantou que será um ano complicado, mas que não deve ocorrer déficit, por conta do desvalorização do real e da queda do preço do petróleo, que reduzirão as importações.

Em meio a mudanças tão bruscas das variáveis econômicas, os analistas estão constantemente revisando as projeções. A LCA Consultoria apostava que o saldo da balança chegaria a US$ 14 bilhões em 2009, mas reduziu sua projeção para US$ 8,4 bilhões. "O desaquecimento da economia mundial é muito mais profundo do que se imaginava e terá efeitos devastadores sobre as exportações, derrubando preços e quantidade", disse Adriana Dupita, da LCA.

Na outra ponta do mercado, a Tendências elevou a previsão para o saldo da balança em 2009 de US$ 11 bilhões para US$ 21,8 bilhões. Segundo o economista André Saccomato, as importações vão cair abruptamente, prejudicadas pela desaceleração da economia local. As exportações também vão sofrer com a queda das commodities, mas serão menos afetadas porque os produtos básicos não são tão sensíveis a variações de renda. "Apesar do saldo maior, o cenário é ruim, porque reduz a corrente de comércio, o que significa produção e PIB menor", disse.

Por enquanto, é impossível saber qual dos analistas está certo. Um dos poucos consensos entre os eles é que as exportações devem recuar em 2009, depois de acumular crescimento médio anual de mais de 20% nos últimos seis anos. A LCA projeta exportações de US$ 184 bilhões no próximo ano, o que significa queda de 8,5% em relação a 2008. Para a consultoria, a desvalorização do real melhora a competitividade das empresas e impede uma queda ainda mais forte das exportações, mas é a retração da economia internacional que vai ditar a tendência.

Segundo o economista Júlio Callegari, do J.P. Morgan, a queda da corrente de comércio brasileira é "inevitável", porque o mundo atravessa um processo de deflação. A desaceleração global combinada com a recuperação do valor do dólar reduziu os preços das commodities, que por sua vez contaminaram os manufaturados. Esse cenário significa forte perda para as exportações, que vinham sendo sustentadas pelo desempenho dos preços. O banco prevê queda de 13% nas exportações e superávit de US$ 14 bilhões em 2009.

Callegari lembra que o volume exportado pelo país estava fraquejando mesmo quando o mundo ainda atravessava um crescimento comercial sem precedentes. Dois fatores atrapalhavam as exportações: real forte e mercado interno aquecido. Esses dois empecilhos desapareceram, mas a economia mundial está muito fraca. "A capacidade produtiva que sobra agora é inútil, pois o mundo está desacelerando", disse Callegari.

As previsões do J.P. Morgan para a economia mundial são desalentadoras. Nas contas do banco, o PIB dos países desenvolvidos vai cair durante pelo menos um ano. No terceiro trimestre de 2008 anualizado sem efeitos sazonais, comparado com o segundo trimestre, já houve um recuo de 0,6%. Na mesma comparação, o banco projeta queda do PIB das nações ricas de 3,3% no quatro trimestre deste ano, 3,3% no primeiro trimestre de 2009 e 0,7% no segundo. Os países em desenvolvimento também devem desacelerar, mas tendem a se recuperar mais rapidamente.

As importações brasileiras podem ficar estáveis ou recuar, dependendo de quem faz a previsão. De acordo com a economista Fernanda Feil, da Rosenberg & Associados, a tendência é de estabilidade, um desempenho ruim depois da alta de mais de 45% prevista para este ano. Ela afirma que a capacidade de compra de produtos importados do brasileiro vai diminuir com a valorização do dólar. A tendência é que fornecedores nacionais substituam os importadores. O J.P. Morgan projeta queda de 8% para as importações. "O ciclo de investimentos vai sofrer um baque violento por causa da crise, reduzindo as importações de bens de capital", avaliou Callegari.

Com as importações mais fracas, é cada vez menos provável que a balança comercial brasileira registre déficit em 2009, como chegou a ser cogitado. Os economistas, porém, ainda não descartam totalmente essa hipótese. Se a economia local se mantiver resistente à crise, o que seria uma boa notícia, o trade-off pode ser déficit na balança. A única certeza dos economistas até agora é que não há certeza de nada. "Perdemos o GPS", brincou Sacconato, da Tendências.