Título: Apesar dos problemas, fundo é colchão para crise
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 22/12/2008, Opinião, p. A10

O Congresso Nacional aprovou, na semana passada, o projeto de lei que cria o Fundo Soberano do Brasil (FSB), tal como o governo queria. É fato que deixou o fundo sem recursos. O presidente da República deverá, porém, editar uma medida provisória para abastecer o fundo com R$ 14,24 bilhões, concluindo, assim, a emissão de um cheque nesse valor que o governo deverá gastar no ano que vem.

O ministro da Fazenda, Guido Mantega, assegurou que os recursos do FSB serão integralmente usados para financiar investimentos em infra-estrutura no Brasil em 2009. Trata-se de colocar em marcha uma ação fiscal contracíclica, para estimular o crescimento econômico num ano em que a expectativa é de uma forte desaceleração do nível de atividade, com suas conseqüências nefastas sobre o emprego e a renda dos brasileiros.

Parte das razões para a criação do fundo soberano - concebido para formar poupança pública, mitigar os efeitos dos ciclos econômicos, promover investimentos em ativos no Brasil e no exterior e fomentar projetos de interesse estratégico do país localizados no exterior - desapareceu com a crise econômico-financeira internacional e seus desdobramentos no país. Sua origem veio do processo de acumulação de reservas cambiais e imaginava-se, no governo, que o FSB pudesse vir inclusive a concorrer com o Banco Central nas operações do mercado de câmbio, para minimizar a forte valorização do real que até meados de setembro preocupava o ministro da Fazenda.

Sobrou como relevante, porém, a função fiscal anticíclica do fundo soberano, incluída no debate da equipe econômica do governo e, posteriormente, no texto do projeto proposto pelo Executivo, sem que se tivesse, na ocasião, a menor idéia do tamanho e da profundidade da crise que estava por vir.

O projeto de lei teve poucas e acessórias mudanças em relação ao texto enviado pelo governo. Numa delas, o parlamento definiu que os membros do Conselho Deliberativo do Fundo Soberano serão os ministros da Fazenda e do Planejamento e o presidente do Banco Central. Noutra, transformou de semestral para trimestral a obrigatoriedade do Ministério da Fazenda, ao qual o FSB será vinculado, apresentar um relatório de desempenho do fundo ao Congresso.

O FSB será o único cotista de um outro fundo, o Fiscal de Investimentos e Estabilização (FFIE), de natureza privada, onde serão alocados os R$ 14,24 bilhões apartados pelo governo do excesso de superávit primário acumulado este ano.

Genérico e amplo, o projeto de lei remete a um decreto presidencial toda a tarefa de regulamentação do fundo. Caberá a esse decreto definir tanto a política de aplicação dos recursos quanto os níveis de rentabilidade e de risco e as regras de supervisão prudencial.

Câmara e Senado nada fizeram para melhorar a proposta nas questões importantes de governança e transparência do FSB. A idéia da oposição, de vincular o fundo ao Banco Central, por ser este menos suscetível às pressões e interesses políticos que o Ministério da Fazenda, não foi referendada pela maioria dos parlamentares.

Do ponto de vista técnico, os fundos soberanos existentes no resto do mundo foram instituídos em períodos de forte acumulação de reservas cambiais, principalmente por conta da concentração da exportação de recursos não-renováveis. Os países que criaram esses fundos tinham em comum uma situação fiscal bastante sólida, com superávit nominal das contas públicas, o que não é o caso do Brasil. A nova situação da economia, com possibilidade de perda de receitas de impostos e contribuições e com a perspectiva de déficit em conta corrente do balanço de pagamentos na casa dos US$ 35 bilhões ou mais, em 2009, deixa sérias dúvidas sobre como o governo proverá o FSB de recursos assim que os R$ 14,24 bilhões forem gastos.

Apesar de todos esses problemas, a criação do fundo foi uma ação positiva de Mantega que, embora sem saber, criou um colchão de recursos fiscais para gastar internamente num ano que ameaça ser de profundas restrições.