Título: Crise abre espaço para Brasil acertar nível de juro e câmbio
Autor: Lamucci , Sergio
Fonte: Valor Econômico, 02/02/2009, Brasil, p. A5

O impacto da crise global sobre o Brasil derrubou a atividade econômica e adormeceu as pressões inflacionárias, criando uma oportunidade para o país colocar os juros e o câmbio em níveis mais adequados, segundo vários analistas. Mesmo economistas ortodoxos consideram possível que a taxa Selic, hoje em 12,75% ao ano, possa cair abaixo de dois dígitos ainda em 2009, sem impedir que a inflação recue para a casa de 4,5%, o centro da meta perseguida pelo Banco Central.

Como a desvalorização do câmbio nos últimos meses não se traduziu em alta da inflação, abriu-se um espaço para o país cortar os juros com força, diz Armando Castelar, da Gávea Investimentos. O repasse do dólar caro para os preços tem sido muito limitado, graças ao tombo das commodities e à fraca demanda doméstica. "Num certo sentido, a crise é uma oportunidade para o país reduzir o peso da política monetária e passar a viver com juros mais baixos."

Castelar acredita que existe a possibilidade de a Selic ficar abaixo de dois dígitos ainda neste ano, mas acha mais provável uma taxa entre 10% e 11%. Para romper o nível de 10% em 2009, a atividade econômica terá de se deteriorar muito, avalia Castelar.

O economista-chefe do Unibanco, Marcelo Salomon, acaba de reduzir a projeção para a Selic de 11,25% para 10%. Ele destaca que está em curso uma forte desaceleração da economia, que o fez rever a estimativa para o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) de 2009 de 2% para pouco mais de 1%. Para ele, o BC pode até testar um nível abaixo de dois dígitos neste ano, dependendo de como reagir a atividade e o mercado de crédito.

Ele diz que o país e o mundo vivem "tempos extraordinários", que pedem ações mais agressivas do que em ciclos anteriores de reduções da Selic. A desvalorização do câmbio superou 30% desde o começo de agosto, sem provocar pressões inflacionárias relevantes, o que possibilita ao BC testar níveis de juros básicos mais baixos.

O ex-diretor do BC José Júlio Senna, sócio da MCM Consultores Associados, também acha que a conjuntura pede uma ação enérgica de política monetária. Afetada pela crise pelos canais do crédito, do setor externo e das expectativas de empresários e consumidores, a economia brasileira deve crescer apenas 1,5% neste ano, estima ele. A MCM projeta uma Selic de 10,25% em dezembro, mas Senna também acha possível uma taxa abaixo de 10% em 2009. Ele teme que, mesmo com cortes mais fortes da Selic, a economia brasileira não reaja de modo adequado, principalmente por causa do efeito negativo da crise sobre a confiança dos agentes econômicos.

O economista, contudo, relativiza a queda da Selic ora em curso. "Nós vamos derrubar os juros por um motivo infeliz, pelo impacto da crise, e não porque aumentou o crescimento potencial do país", diz ele, que vê na alta tributação, na burocracia excessiva, na infraestrutura precária e no capital humano pouco preparado os maiores entraves à expansão da economia a taxas sustentadas e a um recuo mais consistente da Selic.

O economista Paulo Gala, professor da Escola de Economia de São Paulo (EESP) da Fundação Getúlio Vargas (FGV), vê na crise uma grande oportunidade de o país enfim trazer os juros e o câmbio para níveis mais adequados. "O grande problema do país era a distorção macroeconômica formada por taxas reais na casa de 8% e o dólar muito barato", afirma ele, para quem essa combinação limitava a capacidade de crescimento do país.

Para Gala, havia vários sinais de que o câmbio estava fora do lugar quando orbitava na casa de R$ 1,60. Um deles foi o rápido encolhimento do saldo comercial no ano passado, mesmo no período em que as commodities estavam em níveis recordes. A deterioração acelerada do resultado em conta corrente e a expectativa de que a piora continuaria intensa em 2009 e 2010 também indicavam um câmbio valorizado demais, nota também Castelar. Com o dólar na casa de R$ 2,30 a R$ 2,40, as exportações brasileiras voltam a ficar mais competitivas, ressalta Gala. Segundo ele, o país estará mais preparado para crescer quando a economia global mostrar novamente taxas de expansão razoáveis.

Castelar insiste na necessidade de que o governo não promova uma ativismo fiscal exagerado, para que isso não atrapalhe o processo de redução da Selic. Segundo ele, uma eventual aceleração dos gastos correntes (como os com pessoal e aposentadorias), que já crescem a um ritmo forte há anos, pode diminuir o espaço para trazer os juros a níveis mais civilizados. Como o Brasil tem juros ainda muito elevados, a política monetária deve ser o instrumento para estimular a economia, diz.