Título: Ministro da Fazenda da Bolívia diz que leis não afugentam investidor
Autor: Moura , Marcos
Fonte: Valor Econômico, 02/02/2009, Internacional, p. A9

As mudanças introduzidas pela nova Constituição na Bolívia não devem afugentar os investidores, ao menos aqueles que já conhecem as diretrizes do governo. É que diz o ministro da Fazendo boliviano, Luis Alberto Arce. Para ele, as medidas que afetam a economia foram apenas formalizadas, pois, na prática, começaram a ser adotadas desde o início do mandato do presidente Evo Morales, em 2006.

Arce, que falou ao Valor na semana passada, por telefone, defendeu alguns dos pontos mais polêmicos da Carta, como a proibição de arbitragem internacional para investimentos na Bolívia, necessária, diz ele, para proteger o país de eventuais abusos de grandes empresas privadas.

"No que diz respeito à parte econômica, estamos implementando a nova Constituição desde 2006. Portanto, já temos mostrado a tendência de administração da economia do país", disse o ministro.

Uma das principais mudanças incluídas no texto, de fato já não é nenhuma novidade. "O Estado boliviano se converte no promotor do desenvolvimento econômico, o ator mais importante da economia nacional que tem a responsabilidade de gerar e incentivar todos os outros setores da economia em seu crescimento", diz o ministro. Desde que assumiu a Presidência, em 2006, Morales têm ampliado o papel do Estado, especialmente no setor de hidrocarbonetos.

Mas ainda que o Estado seja protagonista na economia, a iniciativa privada, diz Arce, segue tendo espaço na nova Bolívia de inspiração socialista de Morales. "Os mercados são fundamentais. E temos dois dos maiores mercados da América Latina para nosso gás, Brasil e Argentina. Com Argentina já temos um convênio que diz que em 2011 vamos aumentar a venda de gás."

Para isso, porém, são necessários investimentos que ainda não estão formalizados. Mas o ministro é otimista. "Seguramente, entre as empresas que já bateram às portas de YPFB [a estatal boliviana de petróleo e gás], há empresas interessadas em atuar como sócias para vender gás para Argentina."

Um dos maiores investimentos estrangeiros esperados este ano pelo governo Morales, no entanto, não é de nenhuma petroleira, mas sim da siderúrgica indiana Jindal, que explorará a mina de ferro de Mutum, na fronteira com o Brasil. Pelo cronograma de La Paz, diz Arce, serão US$ 300 milhões em 2009. Não está claro, porém, se com crise mundial, a empresa manterá esse investimento.

Em relação a pontos da Constituição - aprovada num referendo no domingo retrasado com mais de 60% dos votos - criticados como repelentes do capital privado na Bolívia, o ministro faz uma defesa enfática das medidas.

Uma delas, estabelece que a Bolívia não reconhecerá nenhum pedido de arbitragem a tribunais e instâncias internacionais de empresas privadas que exploram recursos naturais no país.

"Estabelece-se que contratos entre o Estado e empresas nacionais ou estrangeiras estejam submetidos às leis bolivianas", diz Arce. "A experiência que se tem aqui e em vários países da África e da América Latina é que as transnacionais geralmente ganham os juízos de arbitragem levados às diferentes cortes de apelação. Por isso nos prevenimos."

Outro ponto da Constituição para o qual muitos economistas torcem o nariz é o peso do artigo que classifica como "traição à pátria" empresas que causarem danos ao ambiente. Pena: 30 anos de prisão sem direito a indulto.

"Na Europa e nos EUA, as empresas privadas estão submetidas a rigorosas normas de controle ambiental, e não vemos portanto por que os outros países não deveriam aplicar os mesmo cuidado. Afinal, é o mesmo céu, o mesmo planeta. É o critério que estamos adotando aqui."

Arce minimiza outra critica à Constituição, feita por governadores de oposição e por analistas, em relação ao tema das autonomias. A Carta confere a comunidades indígenas o poder de vetar projetos de exploração de recursos naturais em suas terras e de cobrarem tributos das companhias que atuem em sua área de juridição. Governadores de oposição dizem que isso cria uma sobreposição de competências e analistas acreditam que isso criará um ambiente confuso para empresas saberem quais regras seguir em território boliviano.

"As competências dos governos central, departamentais e municipais e indígenas, camponeses e regionais são parte importante da nova Constituição", disse ele. "Para os investidores, basta olhar as competências para saber o que podem ou não aceitar [de cobranças]. O tema autonômico é basicamente para a distribuição dos recursos públicos entre os governos e as autonomias. Esse é o contexto da autonomia, mais do que o de assumir competências."

Outro ponto da Constituição que diz respeito às empresas é a exigência de que a iniciativa privada cumpra sempre sua "função social" no país. O termo já faz parte da Constituição vigente - de 1964 -, mas há uma expectativa agora de que sob Morales o termo abra porta para exigências complicadas para as empresas. Perguntado o que significa função social na Carta, Arce é sucinto: "Isso terá de ser regulamentado".