Título: Governos querem programa para 5 anos
Autor: Góes , Francisco
Fonte: Valor Econômico, 03/02/2009, Especial, p. A10
O Brasil e a China estão decididos a construir um programa de trabalho de médio e longo prazos com ações em diferentes áreas, incluindo comércio e investimentos, capaz de refletir as prioridades dos dois países. Será um novo desenho das relações bilaterais, como definiu ontem o embaixador do Brasil na China, Clodoaldo Hugueney. Ele disse que a ideia, proposta pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, foi aceita pelo presidente chinês, Hu Jintao. Os dois presidentes irão se encontrar, na China, em maio, e até lá o programa, com horizonte de cinco anos, poderá estar concluído e ser aprovado. Leo Pinheiro / Valor
Hugueney, embaixador na China: um novo desenho das relações bilaterais
"Com o programa de trabalho sendo aprovado pelos dois presidentes, ele passará a orientar as relações (bilaterais) e passaremos a ter um órgão que vai acompanhar e fiscalizar se as ações propostas estão sendo cumpridas e implementadas", disse Hugueney. Ele assumiu o posto em Pequim há quatro meses no lugar de Luiz Augusto de Castro Neves, nomeado embaixador no Japão. Para o Brasil, a definição de ações conjuntas com a China a médio e longo prazos poderá ajudar o país a superar as dificuldades de curto prazo.
Hugueney reconheceu que 2009 será um ano difícil na área comercial, uma vez que a recessão nas principais economias do mundo tende a aumentar o protecionismo e promover o chamado desvio de comércio. Esse desvio ocorre quando um grande exportador, como a China, procura terceiros mercados para as suas exportações, já que os destinos originais do produtos deixaram de comprar ou foram fechados via aumento de tarifas ou outras barreiras.
O risco de o Brasil ser afetado por um desvio de comércio da China com a recessão na Europa e nos Estados Unidos foi uma das perguntas dirigidas a Hugueney após a palestra "Política externa da China e o Brasil", feito por ele em evento promovido pelo Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri), no Rio. Uma advogada quis saber se poderá haver um deslocamento de produtos chineses para o mercado brasileiro. Ela lembrou que o Brasil reconheceu a China como economia de mercado. O embaixador respondeu dizendo que o Brasil reconheceu, mas não implementou a medida, e que agora, na visão dele, não seria o momento de discutir o assunto.
Sobre o risco de o Brasil sofrer com uma invasão de produtos chineses, o diplomata disse que é preciso acompanhar a evolução das exportações chinesas para o mercado brasileiro. Ao Valor, após o evento, reconheceu que empresas chinesas poderão tentar vender mais para o Brasil, "mas existem instrumentos para evitar que isso ocorra", afirmou. Ainda na área comercial, considerou como "legítimo" o pleito da indústria calçadista brasileira que, em outubro do ano passado, protocolou no Ministério do Desenvolvimento pedido de abertura de investigação de dumping nas exportações da China e do Vietnã, o que teria causado dano à indústria nacional. "O ministério está analisando e vai tomar uma decisão", afirmou.
Apesar do cenário adverso para o comércio mundial com a recessão, Hugueney reiterou que a meta da China é crescer 8% este ano, o que, segundo ele, é possível. "Se isso vai acontecer ou não só teremos uma visão mais clara no segundo semestre, quando se verá se as medidas do governo chinês estão reacelerando a economia", disse. Ele citou como exemplos medidas anunciadas para siderurgia, construção e indústria automotiva.
Em relação ao programa de trabalho com os chineses, Hugueney foi claro: "Precisamos identificar onde estão os nossos interesses com a China". Segundo ele, o programa de trabalho deverá identificar ações em áreas como comércio, investimento, cooperação científica e tecnológica e cultural, entre outras. A partir da escolha dos temas, irá se definir como se dará a implementação e quem será responsável em cada país por acompanhar o seu desenvolvimento, disse o embaixador.
Ele afirmou que na sua estada no Brasil fez um esforço para que todos, incluindo empresariado e áreas do governo, contribuam para o acordo com os chineses. Previu que até meados do ano o grupo de trabalho que cuida da harmonização das estatísticas de comércio deverá concluir seus trabalhos. Hoje, os dois países têm formas diferentes de calcular exportações e importações, o que fez com que, em 2008, os chineses computassem volume de comércio bilateral de US$ 48 bilhões com superávit para o Brasil de US$ 11,2 bilhões. Já o Brasil registrou corrente de comércio bilateral de US$ 36,4 bilhões e déficit de US$ 3,6 bilhões.