Título: Demanda interna leva indústria a queda recorde e generalizada
Autor: Grabois , Ana Paula
Fonte: Valor Econômico, 04/02/2009, Brasil, p. A3
A crise chegou de forma aguda na indústria brasileira em dezembro. A retração na produção foi a maior desde 1991, início da série histórica do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e generalizada - ocorreu em 25 dos 27 segmentos pesquisados. Na comparação com novembro, a produção da indústria caiu 12,4%. Em relação a dezembro de 2007, o recuo chegou a 14,5%. O IBGE também constatou outro recorde pouco animador, 70% dos 755 itens abrangidos no levantamento registraram diminuição de produção.
"Os dados de dezembro refletem o agravamento dos efeitos da crise financeira internacional. A crise está generalizada na indústria", disse o economista da coordenação de Indústria do IBGE, André Macedo. O setor, que vinha em ritmo de expansão no nível de 6% até setembro, sofreu mudança rápida e radical de rumo a partir de outubro. Somente no último trimestre, acumulou queda de 19,8% e fechou o ano em alta de 3,1%, no nível de produção de março de 2004. No quarto trimestre em relação ao terceiro, o setor produziu 9,4% menos.
Os segmentos mais afetados ainda foram aqueles mais dependentes de crédito, como o de automóveis, cuja produção foi reduzida quase à metade (49,5%) na comparação com dezembro de 2007. O setor de automóveis, responsável pela redução de 3,4 pontos percentuais da queda geral da indústria, concedeu férias coletivas, cortou turnos e está demitindo. Na comparação com novembro, descontadas as influências sazonais, o corte de produção chegou a 39,7%. Os maus tempos da indústria automotiva contaminaram os seus fornecedores, como as indústrias de metalurgia básica, borracha e plástico, mas a crise já atinge claramente o investimento das empresas e o consumo interno.
A produção de bens de capital (máquinas e equipamentos) caiu 22,2% de novembro para dezembro, na maior queda desde 1991. No último trimestre, os bens de capital acumularam recuo de 6,2%, após expansão de 6,4% de janeiro a setembro. Para o IBGE, o mau desempenho industrial é resultado da falta de crédito combinada à crise de confiança entre empresários, que deram um freio aos investimentos, e consumidores, que reduziram as compras com receio de perder o emprego.
A indústria nacional também sofreu com a desaceleração do comércio mundial. Por conta da redução de ritmo das vendas externas, os setores da indústria de bens intermediários mostram sinais de fraqueza. A indústria extrativa sofreu queda de produção de 11,8% de novembro para dezembro e de 21,3% na comparação com dezembro do ano passado. Os produtos ferrosos, como minério de ferro, sofreram recuo de 45,4% em dezembro em comparação com dezembro do ano anterior. No último trimestre de 2008, os intermediários apresentaram corte de 9,2% na produção em comparação ao mesmo período de 2007.
Até mesmo a produção de bens semi e não-duráveis (alimentos, bebida, vestuário, calçados e remédios), ligada ao consumo de primeira necessidade, retrocedeu. Caiu 1,2% no quarto trimestre do ano passado e 4,2% de novembro para dezembro.
Na avaliação da consultoria Rosenberg & Associados, o resultado foi "muito pior do que o imaginado" e "um verdadeiro tombo". Para o economista-chefe da MB Associados, Sérgio Vale, "a percepção é de que estamos no meio de uma recessão". O Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi) pede corte maior nos juros ao Banco Central, mais incentivos aos investimentos privados e a ampliação dos investimentos públicos. Para o instituto, a queda da indústria foi mais ampla em razão das recentes políticas de juros e de crédito.
"Esse foi o primeiro sinal claro de que toda a economia brasileira está sofrendo com a crise", afirmou Paulo Mateus, economista do Barclays Capital, braço de investimento do banco inglês Barclays. Mateus prevê redução das vendas do comércio acompanhado de aumento do desemprego nos próximos meses e recuo dos investimentos em torno de 5% em 2009. Para ele, os ciclos econômicos entre os diferentes países do mundo estão sincronizados. "Quando havia crise em emergentes não víamos isso. O ciclo econômico no Brasil, que vinha em ritmo sustentando de crescimento, desabou em pouco tempo, o contágio foi rápido", avalia.
Quadro comparativo elaborado pelo IBGE com base em dados das agências oficiais de estatística revela comportamento semelhante da indústria ao redor do mundo no último trimestre de 2008. Nos Estados Unidos foi apurada queda de 6%; na França, de 7,5%, e no Reino Unido, de 6%. No Chile, a retração na indústria correspondeu a 2,7%, enquanto que no México, a perda de produção chegou a 3%. A indústria chinesa fechou o quarto trimestre do ano passado em desaceleração, com alta de 6,4%.