Título: Serviço e investimento puxam PIB, diz BNDES
Autor: Durão , Vera Saavedra
Fonte: Valor Econômico, 06/02/2009, Brasil, p. A4

O economista Ernani Torres, superintendente da área de pesquisa e acompanhamento econômico do BNDES, avalia que o Brasil conta com uma condição privilegiada para enfrentar a crise global. O banco apostava em um crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) de 3% em 2009, mas reduziu essa projeção em meio ponto percentual, ou seja para 2,5%, e não para 0,5% a 1% como publicou incorretamente ontem o Valor. A razão do ajuste na previsão foi o baixo desempenho da indústria em dezembro. Além disso há expectativa de um "carry over" negativo do PIB de 2008 para 2009. Economista de carreira do banco, onde entrou em 1970, ano do 2º Plano Nacional de Desenvolvimento (PND), Torres relata que viu o país atravessar e superar crises duras nas décadas de 1980 e 1990 e acompanhou a retomada nos últimos quatro anos. Por essa razão, nesta entrevista ele traça um cenário positivo para o país. Silvia Costanti/Valor Ernani Torres: previsão é que PIB deste ano cresça no mínimo 2,5%

A expansão do PIB, segundo ele, será sustentado pelo setor de serviços, do lado da oferta, e pelo investimento, do lado da demanda. Os bancos públicos brasileiros serão o grande diferencial em relação a outros países emergentes para sustentar a oferta de crédito ao setor privado neste momento de restrição da liquidez internacional.

Valor: Com que indicadores macroeconômicos o BNDES trabalha para 2009?

Ernani Torres: Os dados de dezembro da indústria foram surpreendentemente muito baixos. Nós estávamos trabalhando com 7% e o mercado com 9%. Isso fez com que nossa expectativa para 2009, que era de 3%, fosse reduzida. Estamos trabalhando com uma expectativa de PIB com um limite mínimo de 2,5% para cima. Nós rebaixamos em meio ponto percentual. Isso porque o "carry over" negativo será maior do que a gente esperava.

Valor: Existe alguma projeção para esse "carry-over"? Um carregamento negativo em 1% é um bom cálculo?

Torres: Sim. Os dados (finais do PIB de 2008) só vamos ter em março. Mas é isso aí. Vamos ter um dado de um "carry over" negativo que vai impactar a estatística pelo menos do desempenho da economia. Mas quero destacar que a gente não pode projetar novembro e dezembro como uma tendência da economia para este ano. É um ajuste de estoques. Acho que o caso do setor automobilístico é emblemático. O nível de produção está muito abaixo do nível da demanda.

Valor: Os números preliminares de desembolso do banco em janeiro já indicam um cenário um pouco melhor em relação a dezembro?

Torres: Até o momento a crise teve uma repercussão muito marginal nos dados do banco. Não há nenhum indicativo ainda de que haja uma desaceleração. Tem de ter claro também o seguinte: como o banco é uma instituição financeira de longo prazo, a gente não deve esperar que seus indicadores sejam representativos da atividade corrente. Aí, os indicadores de crédito do sistema comercial são mais representativos. Desse ponto de vista, o que temos visto é que o crédito continua aumentando. O que mudou foi que o setor privado teve um certo arrefecimento no último trimestre de 2008 e os bancos públicos tomaram um papel mais protagonista nos últimos três meses. No crédito houve uma desaceleração, mas não uma redução, uma situação negativa do crédito bancário. E aí os bancos públicos, BNDES, Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal, em particular, tiveram um papel de aceleração quando a gente usa os indicadores de estoque de crédito.

Valor: Qual a participação dos bancos públicos neste estoque de crédito?

Torres: Se pegarmos a variação do estoque de crédito do setor bancário entre fim de setembro e fim de dezembro, o crescimento que houve no crédito nesse período, o setor público respondeu por 68% do crescimento, do qual 32 pontos percentuais são do BNDES, um aumento no saldo das operações de crédito muito significativo vis a vis o restante do sistema.

Valor: Com a crise, o BNDES não está avançando nesse indicador?

Torres: Nitidamente, a curva já infletiu e o BNDES já ultrapassou 17% do crédito total do setor bancário. A tendência desses próximos meses é que o banco volte a crescer um pouco sua participação por causa do retraimento do setor bancário privado, que deve persistir ainda alguns meses. Isso até o sistema se ajustar. Até porque o sistema bancário internacional ainda está numa situação de muito retraimento. Desse ponto de vista, temos que ver que o Brasil está numa posição privilegiada.

Valor: Por causa dos bancos públicos?

Torres: O fato de neste momento de crise termos três grandes bancos públicos e o Tesouro Nacional com capacidade de resposta à ausência de crédito é uma vantagem do Brasil em relação ao que está acontecendo nos países desenvolvidos e vários emergentes.

Valor: Esses bancos públicos vão conseguir substituir o crédito do setor privado, garantindo o crescimento da economia brasileira neste período mais duro da crise?

Torres: Não houve até agora nenhum sinal de redução do crédito. Houve um problema nas linhas externas. O ACC (Adiantamento de Contrato de Câmbio), por exemplo, está reduzido. O governo tem atuado e nós também, o Banco Central de um lado e nós do outro, tentando irrigar um pouco mais o mercado. O BC tem muita bala na agulha, nós e o Tesouro Nacional temos alguma bala na agulha. Eu não diria, porém, que a capacidade de resposta seja perfeita.

Valor: Na sua avaliação o impacto da crise de crédito sobre os bancos privados pode extrapolar 2009?

Torres: Esta crise ainda não foi totalmente dissipada e vai continuar nos próximos meses. Os dados do Institute International of Finance (IIF) indicam que o crédito dos bancos internacionais aos países emergentes se reduzirá ao longo deste ano pela primeira vez em muitos anos. Mas isso vai afetar muito mais os países do Leste Europeu, que estavam muito mais expostos, do que a América Latina e em particular o Brasil.

Valor: Neste cenário de um PIB de 2,5% em 2009, que setores da economia, do lado da oferta de bens, serão capazes de sustentar essa taxa positiva?

Torres: Eu acho que o setor de serviços vai ter um papel muito importante neste ano, do ponto de vista da atividade. A agropecuária terá um problema de safra, a indústria terá um crescimento menor este ano, de 1% dentro da nossa expectativa, mas pode até surpreender. Temos de olhar a indústria automobilística com muita atenção. Não podemos esquecer que há capacidade de resposta do governo, com medidas como a redução do IPI para automóveis.

Valor: E do ponto de vista da demanda do PIB?

Torres: Do ponto de vista da demanda a grande diferença nossa em relação aos economistas do mercado é que temos uma percepção do investimento mais robusta. É claro que estamos vendo uma desaceleração no investimento, que estava crescendo a 20%. Um dos fatores que estão nos levando a ter uma perspectiva de 2,5% de crescimento do PIB, e não de 1%, como foi colocado ontem no jornal, é o de que temos expectativa positiva do investimento este ano. Achamos que a taxa de crescimento do investimento deve ser superior a 2,5% este ano. Avaliamos que o investimento continua por cima nesta conjuntura de 2009. E vai crescer acima do PIB.