Título: Balança da Indústria "perde" US$ 25 bi entre 2007 e 2008
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Fonte: Valor Econômico, 09/02/2009, Brasil, p. A3

O déficit da balança comercial da indústria da transformação atingiu US$ 14,4 bilhões no ano passado. É uma brutal reversão comparado com o superávit de US$ 10,3 bilhões apurado em 2007 e representa o primeiro resultado negativo das transações externas da indústria desde 2001. O setor industrial chegou a registrar um superávit recorde de US$ 23 bilhões em 2005. Os dados foram elaborados pela Secretaria de Desenvolvimento da Produção (SDP), do Ministério do Desenvolvimento.

A crise global não é a responsável pelo déficit da balança comercial da indústria. Os resultados externos do setor já vinham se deteriorando desde o início do ano, pois o crescimento da economia local impulsionava as importações e o real forte reduzia a rentabilidade das exportações. A turbulência financeira, que chegou à economia real a partir de outubro, ainda não agravou o quadro, mas também não ajudou a resolver o problema.

O desempenho das exportações e das importações da indústria de transformação se altera completamente nos períodos pré e pós-crise. Depois de crescer 16,4% de janeiro a setembro, as exportações do setor industrial praticamente estagnaram, com alta de apenas 3,8% no último trimestre do ano, sempre na comparação com igual período do ano anterior. As importações de bens industriais também desaceleram significativamente. Entre outubro e dezembro, a alta ficou em 21,8%, um ritmo forte, mas muito inferior aos 49,2% de janeiro a setembro.

"Quando observamos a gigantesca reversão da balança comercial da indústria, estamos olhando pelo retrovisor. O que vai acontecer daqui para frente ainda é uma incógnita", avalia Júlio Sérgio Gomes de Almeida, economista da Universidade de Campinas (Unicamp). Ele explica que a crise provocou a desvalorização do real e a desaceleração da produção industrial - os dois fatores responsável pelo resultado externo negativo da indústria -, mas não houve reação. De acordo com ele, o problema é a falta de demanda externa.

Para André Nassif, economista do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), a reversão do saldo da balança comercial da indústria já era previsível desde 2007, quanto as importações começaram a crescer em um ritmo mais forte que as exportações. Na sua avaliação, o crescimento da economia brasileira desempenhou um papel fundamental na mudança de sinal, porque os principais responsáveis pelo déficit foram os setores de bens de capital e de insumos para a indústria.

O déficit do setor de mecânica, que engloba as máquinas e equipamentos, subiu de US$ 7 bilhões em 2007 para US$ 13 bilhões em 2008. Nos setores químico e de material elétrico e de comunicações, que representam boa parte dos insumos industriais, as perdas praticamente duplicaram. Os déficits da balança comercial desses segmentos atingiram, respectivamente, US$ 16,6 bilhões e US$ 13,1 bilhões em 2008, comparados com US$ 8,8 bilhões e US$ 8,5 bilhões.

Conforme levamento realizado pelo Instituto de Estudos do Desenvolvimento Industrial (Iedi), a reversão das contas externas da indústria da transformação foi provocada por uma mudança expressiva nos setores mais intensivos em tecnologia. Os dados do estudo são diferentes dos apurados pelo Ministério do Desenvolvimento, pois também incluem produtos como aço e açúcar dentro da indústria da transformação, mas os resultados apontam na mesma direção.

Na média-alta tecnologia - que inclui máquinas e equipamentos, automotivo, químico e outros - , o déficit da balança comercial triplicou, para US$ 30 bilhões, conforme o Iedi. Nos setores de alta tecnologia, como os eletroeletrônicos, o Brasil sempre teve um resultado ruim, mas o saldo negativo duplicou para US$ 21 bilhões. Essa performance foi aliviada pelo bom desempenho da baixa tecnologia (commodities industriais) e pela média-baixa (aço, plástico, cimento, etc). "O câmbio já vinha bastante valorizado e foi o principal fator", disse Rogério Cesar de Souza, economista do Iedi.

Após a mudança de todas as variáveis macroeconômicas que influenciam na balança (crescimento, câmbio e demanda internacional), os economistas arriscam poucos palpites sobre o rumo do déficit comercial da indústria da transformação em 2009. Ninguém sabe o que vai desacelerar mais: a demanda interna, prejudicando as importações, ou a demanda externa, que afeta as exportações. "É uma contradição. Nós queremos que a economia melhore, mas o déficit da indústria pode aumentar por isso", disse Souza, do Iedi.

Almeida, da Unicamp, acredita que as exportações de produtos industriais vão cair significativamente em 2009, por conta da fraca demanda internacional. Ele afirma que a vendas externas de bens manufaturados já recuaram 37% em janeiro, bem acima da retração média de 26,3% das exportações totais. "Não precisamos voltar a ter superávit na indústria, porque temos as reservas para financiar o rombo. Mas é preciso que a situação não continue se deteriorando", disse.

Para Nassif, do BNDES, o déficit não deve se agravar, porque o impacto mais expressivo nas importações de bens industriais "ainda está por vir" a medida que a produção industrial brasileira é afetada. Souza, do Iedi, também aposta em uma estabilização a não ser que os investimentos públicos realmente deslanchem, impulsionando a economia. Ricardo Martins, diretor de relações industriais da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), vai na contramão e acredita que o déficit da indústria vai se agravar em 2009. "Basta olhar para a situação complicada de nossos maiores compradores de manufaturados, Estados Unidos e Argentina", disse.