Título: Três palavrinhas fazem mágica
Autor: Torres, Izabelle; Foreque, Flávia
Fonte: Correio Braziliense, 14/01/2010, Política, p. 5

Ao suprimir o termo ¿contexto da repressão política¿ de decreto, Lula apazigua ânimos de militares sem causar mal-estar em ativistas. Mas, nos bastidores, membros do próprio governo acreditam que programa não sairá do papel

Diante das divergências públicas entre ministros em torno do texto do decreto que institui o Plano Nacional de Direitos Humanos (PNDH), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva pensou e repensou mudanças, ameaçou modificar a posição governista sobre temas polêmicos e fez reuniões secretas para analisar e ouvir as posições de setores da sociedade. Apesar da encenação, decidiu pelo caminho mais simples e mudou apenas três palavras do texto.

Surpreendentemente, Lula conseguiu acalmar os ânimos de integrantes da cúpula governista que chegaram até a anunciar pedidos de demissão. Na prática, membros do próprio governo acreditam que o presidente fez quase nada para acabar com as divergências porque, nos bastidores, todos admitem que as propostas possuem chances quase nulas de avançar, já que a maioria deve emperrar no Congresso.

Apesar da consciência de que o plano não deve ter resultados práticos, o ministro da Defesa, Nelson Jobim, e o secretário de Direitos Humanos, Paulo Vannuchi, passaram dias sustentando posições divergentes em torno das propostas. Jobim e os comandantes das Forças Armadas ameaçaram pedir demissão diante da ideia de criação de uma Comissão Nacional da Verdade para apurar casos de violação de direitos humanos no ¿contexto da repressão política¿. Já Vannuchi preparava-se para reagir caso o texto do qual é mentor fosse modificado para beneficiar os militares. E se irritou com a possibilidade de Lula retirar o trecho do programa que descriminaliza o aborto e permite o casamento homossexual.

Para acabar a batalha sem declarar vencedores, Lula assinou um novo decreto ontem, suprimindo a expressão ¿contexto da repressão política¿, que motivou a discórdia, e também criou um grupo de trabalho para elaborar um projeto de lei que instituirá a Comissão da Verdade. Segundo o documento, o grupo deverá ¿examinar as violações de direitos humanos (...) a fim de efetivar o direito à memória e à verdade histórica e promover a reconciliação nacional¿.

Nenhum ministro reclamou. Jobim disse que estava satisfeito e representantes dos direitos humanos não viram na nova redação qualquer ameaça ao teor do programa. ¿O importante é que a ideia de apurar amplamente a violação aos direitos humanos irá permanecer¿, avalia o presidente da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos, Marco Antonio Barbosa.

Repercussão Apesar de o imbróglio estar aparentemente resolvido, alguns setores da sociedade se manifestaram contrários ao plano. O ministro da Agricultura, Reinhold Stephanes, afirmou que a mudança no processo de reintegração de posse de terras invadidas, prevista no documento, cria ¿insegurança jurídica¿. Já a Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) criticou algumas diretrizes do programa, como o apoio a projetos de lei que tratam da descriminalização do aborto e da proibição de símbolos religiosos em espaços públicos.

Lula até anunciou que poderia rever os textos que tratavam desses temas polêmicos, mas manteve tudo como antes. Tudo porque o PNDH é apenas um aglomerado de intenções. Caberá ao Congresso editar leis para normatizar os temas. Algo difícil de acontecer, ainda mais em ano eleitoral.