Título: Concessão não explorada vai ser retomada, adverte Dilma
Autor: Safatle , Claudia
Fonte: Valor Econômico, 09/02/2009, Especial, p. A12

A partir de agora, a empresa que não explorar uma concessão do governo, em qualquer área, vai perdê-la, avisa a ministra- -chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff. O objetivo não é retomar a concessão, mas exigir que haja a exploração, adianta a ministra, em entrevista ao Valor. Alguns quilos mais magra e com uma fisionomia bem mais jovem, Dilma revela também um ótimo humor. "A perda de peso é mérito meu; a aparência mais jovem é mérito da faca", diz, referindo-se à plástica que fez no fim do ano passado. Ruy baron/valor

Dilma Rousseff, ministra-chefe da Casa Civil: governo não permitirá que a Petrobras reduza investimentos e orientação é para que a estatal reavalie custos

Com dedicação integral a fazer os investimentos públicos andarem, a ministra não alimenta um segundo sequer de uma conversa sobre sua candidatura à sucessão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. "Ele nunca falou comigo sobre isso", desconversa e ri. Mas debruça-se com ânimo sobre a vasta pasta de dados sobre o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), agora engordado em mais R$ 142,1 bilhões até 2010, para mostrar que o programa é a principal ação anticrise do governo Lula.

Os investimentos da Petrobras são, juntamente com os do governo federal, peça crucial para manter o nível de atividade econômica do país. São US$ 60 bilhões (cerca de R$ 138 bilhões) até 2010, dos quais, R$ 45 bilhões serão assegurados por empréstimos feitos pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) - R$ 25 bilhões neste ano e R$ 20 bilhões no próximo.

Ao menor risco de a estatal ter que baixar suas pretensões por falta de recursos, como indicou o presidente da empresa, José Sérgio Gabrielli, semana passada, em Londres, Dilma não titubeia: "O Gabrielli é um especialista em choro, mas esta ele não leva. Nós já sabemos de todo mundo que ofereceu (crédito). Fizemos um acordo. Eles fizeram uma conta e mostraram que tem condições de levantar o restante (além dos R$ 45 bilhões do BNDES). Tem uma parte que é caixa da empresa, outra que é venda antecipada de óleo".

A seguir, os principais trechos da entrevista:

Valor: Uma das críticas feitas ao PAC é que se trata apenas de uma lista de obras. Como a sra. vê essa crítica?

Dilma Rousseff: O PAC não é nem uma lista de obras nem uma peça de marketing. O que há é uma disputa política em cima do PAC. Eu até entendo que queiram fazê-la, mas a gente pode levar a disputa para um outro patamar, que não precisa ser esse, da negação.

Valor: Como?

Dilma: O PAC é uma proposta que fizemos num determinado momento do governo, quando achávamos que era fundamental acelerar o crescimento da economia. Ele é a expressão do que entendíamos como modelo de desenvolvimento baseado em duas coisas: inclusão social e aumento de oportunidades. Subdividimos isso em quatro objetivos. O primeiro foi colocar o investimento na ordem do dia depois de anos, o que fizemos em janeiro de 2007. Dissemos que íamos pegar os gargalos que existem na infraestrutura e adotar medidas para superá-los. O segundo foi fazer claramente uma política de distribuição de renda, propondo a universalização dos serviços públicos. Nessa linha, incluímos no PAC o programa "Luz Para Todos", o abastecimento de água nas regiões metropolitanas até o fim de 2010 e o encaminhamento da questão do esgotamento sanitário. O terceiro objetivo é superar o desequilíbrio na distribuição regional da renda. Vamos enviesar o crescimento econômico também para as regiões Nordeste, Norte e Centro-Oeste. O quarto objetivo é reconstruir algumas indústrias.

Valor: De que forma?

Dilma: Eu destaco a indústria fornecedora de bens e serviços do setor de petróleo. A indústria naval, por exemplo. O PAC foi montado com esses objetivos, mas, aí, teve o momento em que começou a crise. O país vinha bem, houve a quebra do banco Lehman Brothers, que provocou uma freada brutal na economia. A gente já vinha, desde janeiro de 2007, olhando obras que poderíamos incorporar ao PAC. Diante da crise, decidimos antecipar investimentos e, na medida do possível, ampliá-los, e também substituir investimentos que não estão saindo do papel por outros que possam ocorrer.

Valor: Qual é o acréscimo?

Dilma: Antes, não estava no PAC, por exemplo, o trem de alta velocidade (entre Campinas e Rio de Janeiro). Agora, foi incluído. Em logística, até 2010, vamos aumentar os investimentos em R$ 37,1 bilhões. No eixo de energia, serão R$ 20,2 bilhões a mais, sendo que uma parte é da Petrobras. Esse número é conservador, um pouco subestimado. Acho que a Petrobras, nas novas refinarias e na exploração da camada pré-sal, pode gastar mais do que está previsto agora. São US$ 60 bilhões (cerca de R$ 138 bilhões) até 2010. Neste ano, ela pode investir até 2% do PIB - em 2008, foi 1,2% do PIB. No eixo das áreas social e urbana, são mais R$ 84,2 bilhões. O total acrescentado ao PAC dá R$ 142,1 bilhões.

Valor: Mas não vai faltar dinheiro para a Petrobras investir? O mercado externo está fechado.

Dilma: Não. Nós fizemos um acordo com a empresa. O governo está colocando, em recursos do BNDES, R$ 45 bilhões na Petrobras nestes dois anos - R$ 25 bilhões em 2009 e R$ 20 bilhões em 2010.

Valor: O presidente da empresa, José Sérgio Gabrielli, disse em Londres que poderá ter que cortar investimento se não houver funding externo.

Dilma: O Gabrielli é um especialista em choro, mas esta ele não leva. Nós já sabemos de todo mundo que ofereceu (crédito). Fizemos um acordo. Eles fizeram uma conta e mostraram que têm condições de levantar o restante (além dos R$ 45 bilhões do BNDES). Tem uma parte que é caixa da empresa, outra que é venda antecipada de óleo. É por isso que eu acho que o acréscimo de R$ 20,2 bilhões que estamos fazendo para a área energética está subestimado.

Valor: O preço do barril de petróleo despencou nos últimos meses. Isso não prejudica os investimentos da Petrobras?

Dilma: Um orçamento feito em setembro de 2008, antes da crise, foi calculado com os preços de sonda, cimento, aço, lá em cima. Depois da crise, esses preços começaram a cair. O preço do barril, de fato, caiu de US$ 147 para US$ 47 (expectativa de preço médio para 2009). Com isso, a receita despenca imediatamente. Já a despesa - o custeio mais o investimento - cai de forma mais lenta, mas cai. A questão é como é que eu aproprio o valor da despesa que diminui, qual o valor que vou apropriar da relação diferenciada que tem o cimento e o aço no mercado internacional e aqui. Diante disso, a recomendação do Conselho de Administração [presidido pela ministra] à Petrobras é que ela tome providências no sentido de reavaliar os custos.

Valor: Esse aumento de investimento público garantirá quanto de crescimento do PIB?

Dilma: Não dá para fazer esse cálculo. Esse esforço tem o efeito de manter o investimento privado também.

Valor: O que faz a sra. acreditar nisso?

Dilma: Recebemos cartas de grandes construtoras onde elas garantem que estão mantendo suas atividades em alta por causa do PAC, por causa da carteira de projetos que já têm no programa e da expectativa (em relação a novas obras). Isso vai de projetos de indústria naval à construção de hidrelétricas, passando pela interligação de bacias hidrográficas. Esse é o país que não parou com a crise.

Valor: O PAC é um programa de investimentos públicos, mas o grosso da taxa de investimentos da economia é bancado pelo setor privado.

Dilma: O setor privado está em todas as rodovias, porque não há nenhuma rodovia sendo construída pelo governo. Em todas as ferrovias, portos, aeroportos. Tudo é setor privado.

Valor: Dos R$ 142,1 bilhões adicionais para 2009 e 2010, quanto é do setor privado?

Dilma: Não dá para dizer. Mas eu devolvo a pergunta: o que não é? Mesmo o investimento da Petrobras é setor privado, afinal, ela não constrói nada diretamente. Toda a parte de energia é setor privado. Nós não construímos, nem os Estados e municípios, um tostão. O fato de ser dinheiro do Orçamento não significa que ele não seja para o setor privado. O governo licita a obra de construção de uma rodovia e paga a empreiteira. Isso vale para todas as obras. Tudo o que financiamos para o setor público acaba no setor privado. Tem uma parte dos recursos do PAC que é setor privado - o equity (participação acionária). Mas, nessa época de crise, temos ajudado o setor privado com empréstimos-ponte.

Valor: Por quê?

Dilma: Porque as empresas não estão conseguindo dar equity integral nos investimentos. Fazemos um empréstimo-ponte que depois as empresas pagam e, assim, vão caminhando. O PAC não é uma análise do Orçamento Geral da União. É uma análise das estruturas de financiamento do poder público para assegurar o investimento privado e uma demanda para o setor privado. Não somos um país com setor privado fraco. É o contrário. Somos um país com um setor privado forte. A relação privado-público é que pode segurar essa história (enfrentar a crise).

Valor: E por que a sra. espera que ele cumpra esse papel?

Dilma: Porque o PAC é demanda direta na veia de quem constrói infraestrutura. Isso vale para as empresas pequenas, médias e grandes. Onde estão as pequenas? Por exemplo, no PAC habitação e saneamento. E as grandes? Na construção da Ferrovia Norte-Sul, por exemplo.

Valor: Como a sra. responde à crítica de que as obras do programa não saíram do papel?

Dilma: É um absurdo falarem que o PAC está no papel. Só fala isso quem tem outras intenções. Nós já concluímos obras no valor de R$ 48,3 bilhões. Foram 270 ações concluídas, sendo que 124 totalizaram R$ 9,5 bilhões na área de logística e de infraestrutura social e urbana. Na área energética, foram 146 ações, totalizando R$ 38,8 bilhões. Eu queria lembrar que, quando começamos o PAC, havia ações sem projeto, outras sem licenciamento, outras sem projeto executivo. Tivemos que selecionar as obras. Podem nos questionar sobre se estamos fazendo certo ou não, mas é um absurdo dizer que não existe, que não produz efeitos...

Valor: E os atrasos? O TCU, por exemplo, se transformou em órgão consultivo das obras. O Ministério Público quer participar do processo, que é exclusivo do Poder Executivo.

Dilma: Já fizeram pior. "Ah, é do PAC? Então, aumenta a fiscalização." Há uma disputa política em cima do PAC. Nós conseguimos com o TCU uma parceria bastante pró-ativa. Nós dependemos deles. Eu tenho na Casa Civil um setor especializado em TCU.

Valor: O que a sra. acha da proposta do ex-diretor da Aneel Jerson Kelman, de fazer com que os relatórios de impacto ambiental de obras públicas passem a ser feitos pelo Ibama e que a decisão sobre os projetos seja do presidente da República, depois de ouvido o Conselho Nacional de Defesa?

Dilma: No dia em que fizermos isso, haverá um tiroteio contra nós que não vale a pena. Politicamente não é sustentável. Eu pergunto: como é que os ambientalistas justificam a entrada em funcionamento de 7 mil megawatts de energia térmica a óleo combustível? Que compromisso ambiental é esse que essa distorção ideológica em torno da hidrelétrica provoca? Para isso tem que ter um debate nacional. Qualquer usina térmica no Brasil é licenciada em apenas quatro meses. Não é admissível que uma hidrelétrica seja um samba-enredo. O pobre do Roberto Messias (presidente do Ibama) levou três ações de improbidade. O Kelman também sofreu uma (por ter sugerido ao Ibama que desse uma licença ambiental provisória para a construção da usina de Jirau, no rio Madeira).

Valor: O governo mudou a forma de concessão das rodovias, privilegiando a modicidade tarifária em vez da arrecadação da outorga. Por que fez isso?

Dilma: Fizemos nas rodovias o que já havíamos feito no setor de energia: criamos a concorrência. E, ao fazer isso, acabamos com a brincadeira da outorga, que é uma forma de tributação. O governo arrecada um recurso através da tarifa, o que é uma distorção, porque deveria tirar através de imposto. Quer fazer estrada, quer investir diretamente, deve tirar o recurso através de imposto, sem distorcer toda a infraestrutura do país, onerando-a. Porque essa é uma oneração que dura 20 anos. A concessão de rodovias não financia nada. O que ela faz é produzir estradas de qualidade através de novos investimentos. Nós concedemos estradas que precisam de novos investimentos. A manutenção de uma rodovia não é motivo, a não ser em um país quebrado, para se fazer concessão.

Valor: Qual é a vantagem efetiva do modelo escolhido pelo governo?

Dilma: Quando se comparam as tarifas médias dos pedágios de estradas licitadas pelo governo de São Paulo em 1997/1998 e pelo governo federal em 1996 com as tarifas das concessões feitas em 2007 e em 2009 pelo governo Lula, vê-se que elas estão num patamar três ou quatro vezes maior.

Valor: Por quê?

Dilma: Por causa da cobrança de outorga. Além disso, na licitação de São Paulo em 1997 e 1998 e na do governo federal em 1996, os ganhadores das licitações só faziam manutenção, ou seja, não duplicavam, não faziam nada de investimento. Acho que tem uma justificativa para eles terem feito uma coisa dessas, que era a crise (fiscal). Só acho que não dá para fazer da necessidade uma virtude. Isso não é virtuoso. Outorga é custo-Brasil durante 20 anos.

Valor: Como o governo pretende lidar com os casos em que as concessões não são exploradas pelos ganhadores das licitações?

Dilma: Informamos aos donos da Ferronorte (ALL, BNDES e fundos de pensão de empresas estatais) da possibilidade de caducidade da concessão para a construção e exploração da ferrovia entre Alto Araguaia e Rondonópolis, no Mato Grosso, com 260 quilômetros de extensão. Agora, eles estão investindo. A partir de agora, quem tiver uma concessão do governo, em qualquer área, e não explorar vai perdê-la. O objetivo, claro, não é retomar a concessão. O governo vai exigir que haja a exploração.