Título: Crise leva prefeituras a cortar gastos e renegociar contratos
Autor: Watanabe, Marta
Fonte: Valor Econômico, 11/02/2009, Brasil, p. A3
Com sinais de queda na arrecadação de janeiro (descontada a inflação) e perspectiva de retração ainda maior nos próximos meses, as prefeituras já começam a adotar medidas que lhes permitam, no mínimo, cumprir as receitas previstas no orçamento de 2009. As iniciativas incluem contingenciamento de investimentos, parcelamento de dívidas, corte de custeio e renegociação de contratos. A prefeitura de Curitiba prevê corte de 15% no custeio, Recife e São Paulo anunciaram renegociação de contratos, enquanto Florianópolis reeditou um programa de parcelamento de débitos.
As medidas são motivadas não só pela perspectiva de redução da receita própria, mas também das transferências estaduais e federais. Segundo dados consolidados do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), a arrecadação total do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) nos Estados totalizou em dezembro R$ 18,6 bilhões, uma queda de 1,84% em relação ao mês anterior. Desconsiderando a transferência do adicional de 1% que as prefeituras recebem da União em dezembro, o total de repasses obrigatórios federais aos municípios perdeu ritmo no último mês de 2008. As transferências ficaram 5,3% acima de novembro, sendo que a média de crescimento do ano foi de 19,8%. Em relação a dezembro de 2007, houve queda de 0,8%.
Em São Paulo, a arrecadação de janeiro de 2009 ficou um pouco superior a do mesmo mês em 2008, em valores nominais. A arrecadação de ISS e os repasses de ICMS cresceram cerca de 5%. A arrecadação de ITBI, porém, informa a Secretaria de Finanças, já indica um cenário negativo para o setor imobiliário. Essa retração é representada pela queda de quase 20% na arrecadação do imposto em janeiro em relação ao mesmo período no ano anterior. O secretário de Finanças, Walter Aluísio Rodrigues, acredita que as receitas da prefeitura sofrerão ainda maior impacto da crise, embora seja difícil dimensionar em qual intensidade.
A crise econômica foi justificativa para um decreto do prefeito Gilberto Kassab (DEM) determinando a reavaliação das licitações em curso e a renegociação de contratos já em vigor. Segundo Rodrigues, a ideia é reduzir as despesas adequando os compromissos aos preços naturalmente reajustados para baixo em função da demanda menor. As renegociações nos contratos em curso devem estar concluídas até 30 de abril.
A capital paranaense tem medida semelhante. A prefeitura de Curitiba está empenhada na redução de 15% nos gastos de custeio em 2009, que estão estimados em R$ 900 milhões. Contratos com empresas terceirizadas - de vigilância, limpeza, entre outras - estão em renegociação. Além disso, haverá corte no pagamento de horas extras, menos pessoas vão trabalhar nos fins de semana, os gastos com telefonia e combustível serão limitados. A intenção é economizar ao menos R$ 100 milhões no ano e, se possível, chegar a R$ 200 milhões.
Nos serviços de limpeza, a modalidade de contratação vai ser alterada. Antes, era pelo número de pessoas, mas agora será por metro quadrado. Por exemplo: na sede da Secretaria Municipal de Obras, seis pessoas cuidavam da limpeza e o desembolso mensal era de R$ 13 mil. Com o novo modelo, o custo com a limpeza no imóvel de 500 metros quadrados baixou 35%, para R$ 8,4 mil por mês.
O superintendente da Secretaria Municipal de Finanças de Curitiba, Jorge de Bem, disse que existe a expectativa de que a arrecadação caia de 8% a 9% em 2009. Segundo ele, ainda não foi percebida redução nos últimos meses. Em janeiro, a prefeitura iniciou refinanciamento de dívidas de ISS (que responde por cerca de 20% da arrecadação) para reduzir a inadimplência, que está em 12%. Os contribuintes têm até o fim de março para acertar pendências.
Na mesma linha, em Recife, o prefeito João da Costa (PT) anunciou que pretende rever alguns contratos firmados com prestadores de serviço, alegando que eles foram fechados em um cenário bem mais favorável do que o atual. Os gastos com custeio serão cortados em R$ 40 milhões, o que equivale a um mês e meio de arrecadação de ISS. Os funcionários públicos que decidirem tirar férias até julho também não poderão mais antecipar a primeira parcela do 13º salário, como vinha sendo permitido até o ano passado. O objetivo é tentar assegurar a manutenção dos R$ 300 milhões que a prefeitura planeja investir até abril.
O parcelamento de débitos do passado é outra iniciativa que deverá ser oferecida aos contribuintes como forma de aumentar as receitas municipais. O secretário da Receita de Florianópolis, Luiz Carlos Silva, disse que está em análise pelo prefeito Dário Berger (PMDB) a reedição de um Programa de Parcelamento Incentivado (PPI), que tenta fazer com que devedores da dívida ativa do município quitem seus débitos. De acordo com Silva, a dívida ativa do município está em R$ 450 milhões. Esse programa chegou a ser feito em 2006 para aqueles que estavam com dívida ativa até 2005. A ideia agora é reeditá-lo para aqueles que foram incluídos na dívida ativa entre 2006 e 2007.
Silva explicou que a crise econômica já fez a receita do município recuar em dezembro. Ela caiu 0,8% em relação ao mesmo mês do ano anterior. Para os dados de janeiro, que ainda não foram fechados pela prefeitura, a expectativa é de uma queda ainda maior, de 8,5%.
Segundo Silva, o principal impacto é sobre o recolhimento de impostos do comércio, que vendeu menos nesta temporada, e no ISS do setor de turismo. Os turistas evitaram ir a Santa Catarina depois das fortes chuvas que ocorreram em novembro, provocando enchentes principalmente no Vale do Itajaí. A receita total de Florianópolis foi de cerca de R$ 120 milhões/mês no último ano.
Além de reeditar o PPI, a exemplo de Florianópolis, a capital paulista deve também lançar um novo programa de parcelamento para ajudar a cumprir o orçamento de R$ 25,75 bilhões para a administração direta. O secretário de Finanças de São Paulo estima que cerca de R$ 550 milhões serão arrecadados por programas de parcelamento de tributos. Além do PPI débitos até dezembro de 2004, a prefeitura pretende lançar um parcelamento que inclui débitos de 2005 a 2007. Segundo Rodrigues, porém, não deverá ter as mesmas facilidades do PPI.
Em São Paulo, outros medidas foram colocadas na pauta de prioridades, como a venda de imóveis, o que pode garantir cerca de R$ 500 milhões a mais em receitas. Há também expectativa de que a venda de crédito de carbono volte a trazer novas receitas para a prefeitura. São créditos relacionados aos aterros Bandeirantes e São João.
Em Porto Alegre, dados preliminares indicam que a arrecadação da prefeitura ainda escapou relativamente ilesa, em janeiro, dos efeitos da desaceleração da economia. Segundo o secretário em exercício, Zulmir Breda, o ISS teve alta de 6% nominais em relação ao mesmo mês de 2008.
"É um bom sinal, embora o setor de serviços não reflita tão rapidamente a crise", comentou Breda. "Pode haver impacto nos próximos meses". Já o ITBI, que responde por 4% da receita, caiu 18% em janeiro na comparação com o mesmo período de 2008, para R$ 8,3 milhões, informou o secretário. De acordo com ele, o número de guias de transferência de imóveis manteve-se estável, o que significa que os contribuintes estão preferindo adquirir bens de menor valor na cidade.