Título: Com dois pacotes, Obama começa a atacar a crise
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Fonte: Valor Econômico, 11/02/2009, Opinião, p. A14

Para todos os efeitos práticos de debelar a pior crise econômica em décadas, Barack Obama começou de fato a governar ontem. Seus dois pacotes de recuperação econômica e financeira movimentarão o maior montante de recursos da história americana. O novo plano de ajuda aos bancos consumirá inicialmente US$ 1,5 trilhão, podendo chegar a US$ 2 trilhões. O plano para estimular a economia aprovado no Senado contempla US$ 838 bilhões. Somados aos US$ 350 bilhões de um programa de auxílio às instituições financeiras já utilizados pelo governo Bush e o salto de US$ 1,5 trilhão no balanço do Federal Reserve, a conta aproximada chega a US$ 4,2 trilhões, ou um terço do Produto Interno Bruto americano. E ela ainda pode crescer.

Os mercados desabaram, com os investidores decepcionados ora pela falta de agressividade do pacote bancário, ora por sua inesperada falta de detalhamento, ou por ambas razões. O fato é que o pacote financeiro tornou-se uma obra inacabada, o que diante das enormes expectativas criadas por uma situação econômica angustiante, deixou a impressão de desorientação. O secretário do Tesouro, Timothy Geithner, anunciou que um programa de securitização de créditos baseados em gastos de cartão de crédito, empréstimos a pequenas e médias empresas e a construções comerciais, já existente no Fed, será ampliado para US$ 1 trilhão. A parte realmente nova do plano, na qual se concentravam as expectativas, é a da criação de um fundo de investimentos público-privado, com capital inicial público de US$ 500 bilhões, para adquirir os títulos tóxicos e invendáveis que estão com os bancos globais. Não se sabe como este fundo irá funcionar. O governo resolveu escapar da armadilha de dar preço a esses ativos e espera que os investidores o façam em parceria com o governo. Uma terceira parte do pacote mantém a orientação de injeções de capital nas instituições financeiras, que serão submetidas a um "teste de stress" que indicará a carência de recursos.

Havia expectativa demais em torno do que o governo Obama seria capaz de fazer, e o desenrolar da votação de outro pacote fundamental, o de obras públicas e corte de impostos que foi encaminhado ao Congresso, não foi inteiramente favorável ao governo. Depois de assistirem bestificados à ruína financeira dos bancos sob a égide do presidente George Bush, os republicanos votaram como um só homem contra o plano de recuperação de Obama na Câmara. No Senado, a maioria governista precisava de três votos republicanos e este apoio saiu caro - um corte de quase US$ 100 bilhões, a maior parte deles em auxílio-alimentação, auxílio-desemprego, extensão da internet a áreas rurais e reforma das escolas. Mais importante, os republicanos forçaram a ampliação do corte de impostos, reduzindo os recursos para obras públicas, enquanto que grande parte dos economistas julga os efeitos multiplicadores dos gastos diretos maior do que o de corte nas taxas.

Além de manietar o programa de recuperação, os republicanos chamuscaram todos os esforços corretos de Obama de procurar apoio suprapartidário para enfrentar uma crise de proporções históricas. A aprovação do programa foi penosa e consumiu três semanas preciosas, enquanto que a expectativa de Obama, após sua vitória nas urnas, era de que o pacote estivesse preparado para entrar em ação já na data de sua posse como presidente.

Apesar do ceticismo, é preciso examinar o conjunto das iniciativas, e a falta de foco inicial, ou de estímulos adicionais, pode ser corrigida ao longo do tempo. Uma peça vital ficou para depois - estancar a onda de desapropriação de imóveis. Obama tem em mente criar regras gerais para uma renegociação em massa das hipotecas, com juros menores. Além disso, outros socorros já estavam em andamento. O Fed já deu garantias de US$ 500 bilhões à Fannie Mae e Freddie Mac para garantir seus títulos e, assim, tentar baratear o custo das hipotecas. Depois de uma queda inicial, o custo voltou a subir um pouco, mas com os estímulos de um novo pacote isso pode mudar. Consertar a atual crise leva tempo, mas quase todos meios fundamentais para isso estão em campo - falta ajustá-los. Com tanto dinheiro despejado nos mercados, é difícil que não dê certo.