Título: Adeus ao formador
Autor: Bellotto,Alessandra
Fonte: Valor Econômico, 11/02/2009, EU & Investimentos, p. D1

O serviço de formador de mercado, que acompanhou a forte expansão das ofertas públicas de ações nos últimos anos, já começou a ser afetado pela crise financeira global. Nos últimos meses, é crescente o número de empresas que anunciam o cancelamento do contrato de "market maker" firmado com corretoras para fomentar a liquidez de seus ativos. Desde junho do ano passado, quando foi fechado o centésimo contrato de formador de mercado, o número de ativos que contavam com esse serviço foi reduzido a 74, entre eles cinco debêntures. Do início do ano passado até ontem, segundo levantamento realizado pelo Valor no site da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), 28 empresas tinham comunicado que estavam abrindo mão do serviço, seja pela não renovação do contrato ou ainda pela rescisão. Esse movimento ficou mais intenso a partir de novembro.

"As empresas estão cortando custos onde podem e o critério não é discricionário", afirma Manuel Fernandez, diretor executivo do UBS Pactual, corretora que presta o serviço de formador de mercado para 46 companhias. Fernandez conta que já chegou a ter 53 empresas como clientes ao mesmo tempo. Na avaliação do diretor do UBS Pactual, esse mercado cresceu muito nos últimos anos, na esteira da explosão das aberturas de capital. "Investidores grandes, como os estrangeiros, condicionavam a entrada nas ofertas à contratação do formador de mercado, principalmente no caso de operações de menor porte", conta o diretor.

Mas a crise financeira, que por si só reduziu a liquidez dos mercados e estancou o crédito bancário, deflagrou um movimento inverso de corte do serviço. Isso começou no ano passado, destaca o executivo de uma corretora que preferiu não ser identificado. Segundo ele, 98% das companhias que abriram mão do formador de mercado alegaram redução de orçamento, ainda que o serviço seja relativamente barato para a empresa - a fonte prefere não estimar o custo de ter um formador de mercado.

"Se olharmos as companhias que desistiram do serviço, muitas enfrentaram perda de liquidez", ressalta a fonte. Além disso, continua o executivo, em momentos de maior adversidade, esses papéis podem sofrer mais que a média do setor em que atuam. "As ações ficam sem defesa", observa. Outro ponto relevante, na opinião dessa mesma fonte, é o fato de o formador estar de olho no mercado o tempo todo, o que possibilita, por exemplo, identificar potenciais investidores ou até mesmo vendedores. "Isso para o executivo de relações com investidores da empresa é muito importante, até para melhorar a comunicação com o mercado e a divulgação de informações", afirma.

O Banco Daycoval, que cortou o serviço no início de janeiro, é um exemplo de companhia aberta que perdeu liquidez. O banco sofreu uma redução de 44% no número de negócios com suas ações e de 47% em volume financeiro. Procurado, o banco não retornou o pedido de entrevista. A Lupatech, que também foi procurada pelo jornal, mas não respondeu, é outra que viu os negócios com suas ações caírem. Desde o descredenciamento do formador de mercado, em 11 de janeiro, houve queda de 23% no número de ações negociadas e de 5% no volume financeiro.

Há ainda casos de companhias que desistiram do serviço porque atingiram uma liquidez mínima para integrar determinados índices da bolsa. Mas mesmo empresas com um índice alto de negociação podem sofrer hiatos de liquidez e distorções de preços, alerta Fernandez, do UBS Pactual. "Um formador atuante pode evitar que isso aconteça; liquidez nunca é demais", diz. Até para que a companhia possa acompanhar mais de perto momentos de recuperação do mercado, em que o investidor tende a priorizar ações mais líquidas, acrescenta Fernandez.

A CCR, uma das primeiras a ter o serviço, ficou cerca de nove meses sem formador de mercado, mas voltou atrás. E isso logo depois de o presidente da empresa, Renato Valle, dizer, em entrevista concedida ao Valor em junho, que a ausência do formador não tinha provocado mudanças perceptíveis ao comportamento das ações da companhia. Procurada, a CCR não estava disponível para entrevistas.

Para o investidor, o formador de mercado tem um papel fundamental, defende Fernandez. Segundo o diretor, mais do que fomentar a liquidez, o "market maker" é a garantia para o acionista de que ele pode entrar e sair do papel a hora que bem entender, além de contribuir para a formação de um preço de referência para o ativo.

O papel do formador pode ser desempenhado por corretoras, distribuidoras de valores ou bancos, desde que assumam a obrigação de colocar no mercado, diariamente, ofertas firmes de compra e venda para uma quantidade mínima de ativos. A diferença de preços entre as ofertas de compra e de venda do formador deve respeitar um intervalo máximo (spread), em geral de 3%, calculado para cada ativo com base na volatilidade verificada ao longo de um determinado período. Quanto maior a liquidez do papel, menor o spread.

O movimento de queda do número de ativos com formador de mercado é visto pela BM&FBovespa como algo normal, afirma a gerente de renda variável da bolsa, Adriana Sanches. "Há casos de empresas que cortam o serviço porque entraram em algum índice, há aquelas que deixam de ter o formador por um período, mas depois voltam, e outras que apenas estão trocando de formador", afirma.

O importante, na opinião de Adriana, é que as empresas informem o fim do serviço com 30 dias de antecedência, a fim de que o investidor possa se preparar. Ela ressalta, ainda, que esse é um mercado que tem crescido desde que foi criado, em 2003. A capitalização das empresas com formador hoje gira em torno de 12% do valor de mercado total das empresas listadas na bolsa, informa Adriana. Era 10% no fim de 2007, 9% em 2006 e menos de 7% em 2005, segundo dados da bolsa.