Título: Brasil pode financiar exportações de vizinhos
Autor: Romero , Cristiano
Fonte: Valor Econômico, 12/02/2009, Brasil, p. A6

O governo estuda a criação de um mecanismo que ajude a financiar empresas dos países vizinhos interessadas em exportar para o Brasil. O mecanismo também ajudaria essas companhias, que estão sem acesso a crédito internacional, a rolar suas dívidas. Segundo informou ao Valor um ministro próximo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o governo brasileiro poderá fazer com as nações vizinhas o que o Federal Reserve (Fed, o banco central dos Estados Unidos) fez com o Brasil.

Em outubro, o Fed fechou um acordo de troca de moeda, no valor de US$ 30 bilhões, com o Banco Central (BC). Na prática, trata-se de uma disponibilidade de crédito que permite ao BC recolher dólares, entregar reais no mesmo montante ao Fed e usar os recursos no financiamento de empresas brasileiras com dificuldades para financiar exportações ou rolar dívidas junto a bancos estrangeiros. Até o momento, o Brasil não recorreu ao dinheiro do Fed, mas, pelo acordo, poderá fazê-lo até outubro.

Pela medida em estudo no governo, o Brasil trocaria reais pelas moedas dos países vizinhos interessados em fazer um acordo. A operação não envolveria recursos do BNDES. De posse dos reais, os governos de nações sul-americanas financiariam as exportações de suas empresas para o Brasil ou as ajudariam a saldar dívidas. "Pegaríamos o nosso dinheiro, em reais, e emprestaríamos para eles pagarem a gente, como se fossem as reservas deles. Em vez de ser dólar, eles nos pagam em reais e nós aceitamos", explicou a fonte, ressalvando que a viabilidade legal da medida ainda está sendo avaliada.

A equipe econômica acredita que medidas como essa podem diminuir a onda protecionista que surgiu na esteira da crise financeira internacional. As autoridades brasileiras acreditam que, se conseguirem destravar o crédito às exportações, por exemplo, na Argentina, a tendência é que o país vizinho reduza as restrições que vem adotando nos últimos meses para bloquear a entrada em seu mercado de produtos importados, principalmente, do Brasil.

Nos debates internos do governo, a grande preocupação é mesmo com a Argentina, que responde por 8% do mercado das exportações brasileiras. As empresas do país vizinho, que já estavam sem acesso a linhas de crédito internacional por causa do calote de 2001, estão também sofrendo com as restrições do crédito doméstico. "A Argentina não tem bancos para financiar suas empresas. Os bancos estrangeiros pegaram seu dinheiro e jogaram na Espanha. O país está caminhando para uma crise severa e nós não podemos deixar isso acontecer", disse um ministro.

Segundo avaliação do governo, com a crise dos grandes bancos internacionais, que perderam capital, os governos dos países ricos estão pressionando os bancos a direcionarem o crédito para seus mercados domésticos. A solução encontrada pelos bancos tem sido cortar as linhas internacionais. Isso está provocando forte queda nos fluxos de recursos para os países emergentes.

De acordo com dados e estimativas do Institute of International Finance (IIF), o fluxo de capitais privados para mercados emergentes em 2009 deve sofrer uma redução dramática, caindo para US$ 165 bilhões, face a US$ 466 bilhões em 2008 e US$ 929 bilhões em 2007. Por causa disso, as empresas estão tendo dificuldade para financiar suas exportações e rolar dívidas com o exterior. "Este é o grande gargalo que está travando o setor real no mundo", observou um ministro.

No Brasil, a taxa de rolagem da dívida externa das empresas está em 53% (dados de janeiro), um percentual baixo. A situação não é mais dramática porque o BC dispõe de reservas cambiais elevadas (US$ 199,8 bilhões) e tem adotado inúmeras medidas - dentre elas, a troca de moeda com o Fed e o uso de reservas para financiar empresas - para amenizar o problema.

Ontem, ao participar do programa "Jogo do Poder", da rede de televisão CNT, a ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, afirmou que o direcionamento do crédito bancário ao mercado doméstico tem sido a primeira forma de protecionismo adotada pelos governos em meio à crise internacional. "Havia um circuito financeiro internacional. Agora, os créditos estão ficando cada vez mais domésticos. Em vez de você disponibilizar recursos a todo o mercado, os mercados passam a ser prioritariamente domésticos e só as empresas daquele país acessam os bancos", disse a ministra.

O raciocínio é que, sem acesso a linhas de crédito, as empresas de países emergentes não obtêm recursos para vender mercadorias no exterior e também para rolar suas dívidas. "A primeira manifestação do protecionismo é essa (o corte de fluxos de financiamento). A segunda é o "buy American", o "British job for British worker" e coisas desse gênero", criticou Dilma Rousseff.