Título: Faltou a reforma do Estado, diz Dilma
Autor: Romero, Cristiano
Fonte: Valor Econômico, 12/02/2009, Política, p. A7
Numa demonstração de que já começa a pensar numa plataforma de campanha para a sucessão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, lamentou ontem que o governo, em seis anos de mandato, não tenha feito a reforma do Estado. Em entrevista ao programa "Jogo do Poder", da rede de televisão CNT, do qual o Valor participou como convidado, procurou justificar a falta de iniciativa nessa área, dizendo que, por causa da crise de 2002 e 2003, o governo Lula assumiu o poder "trocando a roda do carro" com ele em movimento. Lula Marques/Folhaimagem
Cartaz da ministra da Casa Civil e do presidente Lula montado ontem no encontro nacional em Brasília para que prefeitos posem ao lado da foto de ambos
Dilma elogiou o PT, mas disse que sozinho o partido "não faz verão". Mesmo sem admitir a candidatura à sucessão, já tornada pública por Lula, Dilma defendeu as alianças que deram sustentação ao governo e que, segundo ela, "também podem viabilizar de uma forma muito sólida a continuidade desse projeto numa nova etapa". "O governo soube construir um arco de alianças fundamental para que o país pudesse ir em frente. Esse arco deu sustentação e governabilidade", afirmou.
Ao mencionar a reforma do Estado como uma tarefa "central" do próximo governo, Dilma abordou um tema que o governador de São Paulo, José Serra, provável candidato do PSDB, já havia apontado como prioridade. "O Estado brasileiro tem que ser mais eficiente. Não estou falando em choque de gestão, que acho uma das maiores enganações que se venderam à população", disse a ministra. "Não é cortando funcionários que você melhora a gestão."
Dilma contou que, quando assumiu o Ministério das Minas e Energia, em 2003, encontrou na Pasta 15 motoristas e dois engenheiros. Segundo ela, faltam servidores em algumas áreas e há excedentes em outras. "É impossível gerir dessa forma um ministério que tem subordinado a si toda a mineração, a energia e o petróleo", assinalou. "A grande questão no Brasil é instituir no Estado meritocracia e profissionalismo."
Pela primeira vez desde que deixou o PDT, onde militou por quase 20 anos antes de entrar para o PT - onde ainda é considerada uma neófita e, por isso, há resistências ao seu nome -, a ministra falou publicamente da opção que fez pelo trabalhismo de Getúlio Vargas e Leonel Brizola, em detrimento do movimento fundado por Lula. Em 1980, no ano em que o PT foi criado como uma negação do antigo trabalhismo, ela preferiu juntar-se ao PDT. A filiação ao PT só aconteceu em 1999, quando o partido de Brizola decidiu romper com o governo petista de Olívio Dutra no Rio Grande do Sul.
"O trabalhismo tinha sido o grande movimento de massas da resistência e da tentativa das reformas (urbana, agrária etc.). O Golpe de 64 foi feito contra o trabalhismo. Então, naquele momento, o PDT foi a alternativa de uma nova visão do Brasil", justificou a ministra, para em seguida derramar-se em elogios ao PT. "É um partido singular, a grande experiência inovadora que aconteceu no Brasil nos últimos 20 anos."
Dilma relega, inclusive, as críticas que seu partido faz constantemente à política econômica que, segundo ela, criou as condições para o Brasil crescer de forma acelerada, com baixa inflação, e enfrentar a atual crise internacional. "O PT tem que cumprir esse papel. Há um fenômeno dos partidos que vão para o governo e morrem. Eles perdem certas características", comentou. "Os partidos não podem se confundir com o governo. Eles são fatores centrais, mas têm de ter posições um pouco mais críticas. Isso é da democracia, não tem mal nenhum. O PT não tem que ser igualzinho ao governo."
Ao mesmo tempo em que defende o partido, a ministra deixa claro que não concorda com as críticas à política econômica, que os petistas consideram uma "herança maldita" do governo Fernando Henrique Cardoso. "É óbvio que o governo acha e segmentos do partido também acham que foram muito importantes todas as ações adotadas para o controle da inflação, a questão do superávit primário e a construção das reservas (cambiais)", observou.
De acordo com a ministra, o que pode incomodar os petistas é o ritmo de queda da taxa de juros, mas, novamente, ela não se alinha com essa percepção, deixando claro que o tema é uma atribuição do Banco Central. "Eu asseguro que (a taxa de juros) será reduzida. Agora, como e de que forma, essa discussão não interessa porque diz respeito ao BC. As condições (para isso) foram criadas pela política econômica."
Tratando de outro tema caro ao PT - as privatizações -, a ministra disse, na entrevista, que "não tem cabimento" o Estado se intrometer em atividades onde o setor privado tem grande eficiência e é forte - ela mencionou as indústrias automobilística, siderúrgica e metal-mecânica. "Isso é absurdo", comentou.
Dilma disse que não faria uma revisão das privatizações. Elogiou, por exemplo, a desestatização da telefonia, mas declarou que, "graças a Deus e aos céus", o Brasil não vendeu empresas como a Petrobras. Ela lembrou o caso da YPF, empresa de petróleo argentina privatizada em 1997 por US$ 16 bilhões e que hoje estaria valendo US$ 200 bilhões. Ela saudou também o fato de o país ter um sistema de bancos estatais.
"É um diferencial, na resistência à crise, contar com um sistema bancário estatal. Países que o perderam no processo de privatização que varreu a América Latina terão mais dificuldades", argumentou. "Um país que não tem uma empresa de petróleo tem uma dificuldade imensa de lidar com situações internacionais que a indústria do petróleo coloca."
Sem confrontar diretamente possíveis adversários, Dilma chegou a dar uma explicação para a decisão do governo FHC de vender estatais. Segundo ela, naquele período, o país enfrentou crises que o levaram a ficar sem reservas internacionais, tendo quebrado em mais de uma oportunidade. "Uma das formas de obter reservas foi vender patrimônio público. É isso que explica as privatizações."
A ministra diz que o Brasil, hoje, não tem mais que provar aos investidores que respeita os contratos. "Isso está para lá de provado. O que nós temos que provar é que o Brasil é um país moderno que protege seus consumidores, seja lá nas rodovias, onde não deixa cobrar tarifas elevadas, seja na energia elétrica", afirmou.
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