Título: Fim de crise não acaba com todas as polêmicas
Autor: Fpreque, Flávia
Fonte: Correio Braziliense, 15/01/2010, Política, p. 4

Lula dribla as divergências entre ministros, mas projeto ainda cria insatisfação em setores do agronegócio e representantes religiosos

O presidente Lula minimizou o mal-estar entre Jobim e Vannuchi e elogiou o trabalho de seus ministros

O Palácio do Planalto considera encerrada a crise gerada pelo terceiro Plano Nacional de Direitos Humanos (PNDH), publicado em dezembro. Após encontro com os ministros Nelson Jobim, da Defesa, e Paulo Vannuchi, da Secretaria de Direitos Humanos, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva editou, na quarta-feira, um novo decreto, que exclui a expressão ¿contexto da repressão política¿, que tanto irritou os militares. Mas para diversos setores da sociedade, o plano ainda continua polêmico.

O presidente se limitou a alterar a descrição do trabalho a ser realizado pela Comissão Nacional da Verdade, cuja tarefa passa a ser ¿examinar as violações de direitos humanos¿ praticadas no período da ditadura militar (1964-1985). O novo decreto foi publicado ontem no Diário Oficial da União. O extenso conteúdo do PNDH, no entanto, voltou a ser alvo de críticas.

A Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), por meio de nota, afirmou que, apesar da mudança, ¿foram mantidas as ameaças às instituições democráticas, ao Estado de Direito e à liberdade de expressão¿. O texto é assinado pela presidente da entidade, senadora Kátia Abreu (DEM-TO).

Invasões Setores do agronegócio contestam um dispositivo do decreto que prevê mudança no processo de reintegração de terras invadidas. De acordo com o documento, um projeto de lei pode ser criado para priorizar audiências coletivas entre os envolvidos antes da concessão de medidas liminares para a reintegração de posse. O que, na prática, pode retardar a saída dos invasores.

Outra questão polêmica refere-se ao apoio a um projeto de lei para descriminalizar o aborto. A Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) criticou esse posicionamento, além de se mostrar contrária à proibição do uso de símbolos religiosos em locais públicos. ¿São exatamente essas posições antagônicas que permitem que a gente possa construir o caminho do meio na elaboração do projeto e na discussão dentro do Congresso Nacional¿, rebateu o presidente Lula, na quarta-feira. Diante da polêmica, o Legislativo, ainda em recesso, já começa a se mobilizar. O deputado do PSDB Eduardo Gomes (TO) pretende instalar uma comissão na Casa para analisar o texto do programa.

Apesar das críticas de alguns setores da sociedade, diversas entidades aprovaram o conteúdo do plano. Ontem, dezenas de grupos e militantes de direitos humanos protocolaram, no escritório da Presidência da República em São Paulo, uma carta de apoio ao documento. Os manifestantes exibiam cartazes com fotos de mortos e desaparecidos durante a ditadura militar. ¿Quando você faz uma conferência nacional ¿ e nós já fizemos 63 ¿ na qual você envolve todos os segmentos da sociedade além de 20, 30 ministros, é bem possível que o resultado tenha várias divergências¿, reconheceu o presidente Lula, em entrevista coletiva na última quarta-feira. Lula minimizou o mal-estar entre os ministros Jobim e Vannuchi e elogiou o trabalho de ambos.

Antes de viajar para o Haiti, o ministro da Defesa se limitou a dizer que o novo decreto atendia a demanda dos militares. Vannuchi, entretanto, preferiu não dar entrevistas. O ministro da Secretaria de Direitos Humanos volta ao trabalho na próxima semana.

Leia a íntegra do Plano Nacional de Direitos Humanos

Entenda o caso Ameaças de demissão

A polêmica sobre o terceiro Plano Nacional de Direitos Humanos (PNDH) teve início com a notícia de que o ministro Nelson Jobim e comandantes das Forças Armadas entregaram carta de demissão ao presidente Lula devido ao conteúdo do documento. Eles apontavam um tom ¿revanchista¿ ao decreto, que previa a criação de uma Comissão Nacional da Verdade para apurar e esclarecer crimes de violação dos direitos humanos praticados no ¿contexto da repressão política¿.

Coordenador do plano, cujo conteúdo foi discutido em 27 conferências nacionais, o ministro Paulo Vannuchi também levantou o tom e ameaçou deixar o cargo caso o teor do documento fosse alterado. Instalado o conflito, foi necessária a atuação do chefe de gabinete Gilberto Carvalho para se obter um consenso.

Carvalho se reuniu com Vannuchi e Jobim para selar um acordo antes do encontro dos ministros com o presidente Lula, na manhã da última quarta-feira. E o governo conseguiu apaziguar os ânimos apenas retirando o termo ¿contexto da repressão política¿.

Este não é o primeiro plano de direitos humanos elaborado pelo Executivo. Outros dois textos semelhantes foram publicados durante o governo Fernando Henrique Cardoso (PSDB), em 1996 e em 2002. (FF)