Título: Encontro de prefeitos se transforma em muro de lamentações
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Fonte: Valor Econômico, 12/02/2009, Especial, p. A20

O prefeito de Barra Mansa (RJ), José Renato Carvalho (PMDB), perambulava ontem pelos estandes de ministérios no centro de convenções de Brasília. A crise está feia mesmo e qualquer ajuda é bem-vinda, afirma. No município que ele administra, a receita com royalties de gás natural em janeiro caiu 30% em relação ao ano passado. A prefeitura espera um tombo na arrecadação de fevereiro, com a queda de produção na siderúrgica da Votorantim Metais e na fábrica de tubos de ferro fundido da Saint-Gobain, pilares da economia local. Ruy Baron/Valor Paulo Eccel (PT), prefeito de Brusque (SC): "O comércio está aquecido e esperamos até aumento da arrecadação"

Assustada com os efeitos da crise, a cúria diocesana da região chamou os prefeitos de dez municípios do sul fluminense, sindicatos e empresas para discutir medidas. Das conversas, surgiu uma proposta comum: esses municípios resolveram enviar projetos de lei às câmaras municipais, cortando em um terço o valor do ISS, em troca de manutenção dos empregos por 90 dias, no caso de empresas que se beneficiem da vantagem tributária.

Licitações de até R$ 80 mil vão privilegiar micro e pequenas empresas, facilitando a participação das companhias locais nas compras públicas. E as prefeituras estudam renovar frotas com veículos da fábrica da Volkswagen, em Resende. Tudo para afastar a recessão. "Estamos muito preocupados", admite Carvalho.

O agravamento da crise, aliado às adversidades climáticas que devastaram ou ainda ameaçam economias locais, transformou o encontro nacional de prefeitos em um muro de lamentações. A queda das commodities minerais paralisou as atividades de metade das cerca de 100 empresas de extração e beneficiamento de calcário na pequena Pains (MG), de 8 mil habitantes, diz o prefeito Ronaldo Márcio (PT).

Em janeiro, a arrecadação municipal já caiu 20% na comparação com igual período de 2008, comprometendo o orçamento de R$ 11 milhões para o ano. As mineradoras, responsáveis por 50% dos empregos locais, deram férias coletivas e estão no limite do banco de horas. "Nossa economia sentiu de imediato a crise", lamenta Márcio. Reeleito, ele decidiu preencher só 22 dos 35 cargos de confiança. As secretarias municipais foram reduzidas de oito para cinco, na tentativa de congelar os gastos de custeio.

O prefeito de Itaqui (RS), Gil Marques Filho (PDT), buscava ajuda do governo federal para projetos nas áreas de habitação e de saneamento, bem como para a instalação de um aterro sanitário. Ele diz que assumiu o município com a folha de pagamento em atraso e conseguiu acertar as contas, mas "a dificuldade é tocar uma agenda de obras". A forte seca na região ameaça a próxima safra de arroz, o que pode atingir em cheio toda a atividade econômica. "Estamos há mais de 30 dias sem chuvas significativas", relata Marques.

Pelo motivo oposto, o excesso de chuvas, o município de Brusque (SC) tenta se reerguer do desastre provocado pelas enchentes. O custo da reconstrução é estimado em R$ 85 milhões pelo prefeito Paulo Eccel (PT) - valor muito próximo a seu orçamento anual. Da verba de R$ 315 milhões prometida pela União para todo o Vale do Itajaí, nenhum centavo chegou às cidades atingidas, diz Eccel. Ele culpa a burocracia do governo de Santa Catarina pela demora no repasse. "A tramitação está bastante lenta."

Por enquanto, a prefeitura tem aumentado as dívidas para avançar na difícil tarefa da reconstrução. "Quase três meses depois, temos famílias que ainda não conseguiram acessar suas casas, nem a pé nem de carro", lamenta. As aulas na rede municipal só começam nesta segunda-feira. "Algumas escolas estão funcionando em salões de igrejas."

Paradoxalmente, a economia está a todo vapor. É efeito direto, segundo o prefeito, da liberação do FGTS aos trabalhadores locais, mesmo àqueles não diretamente prejudicados pelas enchentes - medida determinada pelo governo federal. "A Caixa Econômica Federal estima que foram liberados mais de R$ 100 milhões em janeiro e fevereiro", afirma o prefeito, que está no primeiro mandato. "O comércio está bastante aquecido e esperamos até aumento da arrecadação", diz Eccel, citando as vendas de veículos, eletrodomésticos e materiais de construção.

No sertão nordestino, a crise também mostrou sua cara. Em Granito (PE), cidade com 6,8 mil habitantes, os repasses do Fundo de Participação dos Municípios (FPM) diminuíram cerca de 30% em janeiro, conta o prefeito Francisco Alencar Sampaio (PMDB). De acordo com ele, 70% da renda local provém de aposentadorias e dos salários pagos a cerca de 400 servidores municipais. O restante sai da pequena agricultura e do Bolsa Família. Sampaio diz que não tem como pagar o aumento do salário mínimo para R$ 465, nem o novo piso salarial dos professores. "É justo. Mas, se eu pagar, a prefeitura para. Pedimos que os governos federal e estadual dividam o problema conosco. Os municípios sempre acabam sendo o burro de carga."

Sampaio saía de um estande do Ministério do Meio Ambiente montado no centro de convenções. Novato no cargo, ele afirma que o município espera beneficiar-se da transposição do rio São Francisco - mas não encontrou nada de concreto na prefeitura.

Com uma pasta em mãos, buscava encaixar Granito nos programas de revitalização do São Francisco, do qual o rio Brígida, que atravessa o município e foi cantado em versos de Luiz Gonzaga, é afluente. Pela devastação contínua das matas ciliares, supõe o prefeito, não sobra um fio de água na seca. "O rio está ficando soterrado pela areia e desaparece no verão. Nasci em Granito, ele era perene antigamente. Dizem que tem um programa de revitalização do São Francisco e quero saber como participar", afirma o prefeito, andando curioso pelos corredores do centro.