Título: Fundo soberano é criado, sem dotação
Autor: Izaguirre , Mônica
Fonte: Valor Econômico, 19/12/2008, Política, p. A9
O Senado aprovou, na madrugada de ontem, o projeto que cria o Fundo Soberano do Brasil. O texto passou sem mudanças sobre a versão aprovada pela Câmara e, agora, só depende de sanção do presidente Luiz Inácio Lula da Silva para virar lei. Embora contrários ao projeto, os partidos de oposição não fizeram obstrução no Senado. Mas à tarde, no Congresso, obstruíram a votação de um crédito suplementar que garantiria a inclusão de R$ 14,2 bilhões para o fundo no Orçamento de 2008. Márcia Kalume/Agência Senado Mercadante: relator do projeto no Senado, parlamentar petista rejeitou todas as cinco emendas apresentadas
Assim, o fundo nasce ainda em 2008, como fazia questão o governo, mas, em princípio, sem dotação orçamentária. Como não há mais sessões do Congresso marcadas para esse ano, o Executivo terá que encontrar outra forma de fazer com que o dinheiro que ele havia reservado para o fundo gere impacto fiscal primário ainda em 2008, mesmo que só seja gasto, como já se pretendia, a partir de 2009.
O vice-líder do governo na Câmara, deputado Gilmar Machado (PT-MG), sinalizou que, uma vez aprovada a lei do fundo, haveria forma alternativa de lhe destinar recursos ainda este ano. Uma das possibilidades seria edição de medida provisória.
O governo tem pressa em colocar R$ 14,2 bilhões no fundo para que esse aporte seja considerado despesa primária ainda deste ano e, assim, evitar que essa disponibilidade de receita engorde sem necessidade o superávit fiscal primário de 2008, cujo cumprimento da meta já está assegurado. Mesmo que o gasto seja efetivamente posterior, o Executivo quer antecipar, para este ano, o impacto do primeiro aporte ao fundo sobre o resultado primário de suas contas, para que a despesa não afete o cumprimento de metas de superávit primário do setor público futuramente, em "época de vacas magras".
Por causa da crise econômica e dos esperados efeitos negativos sobre a arrecadação tributária federal, supõe-se que, nos próximos anos, será mais difícil compatibilizar as altas necessidades de investimento público do país com a geração do patamar mínimo de superávit exigido pelas metas. Para 2009, a Lei de Diretrizes Orçamentárias da União fixa esse mínimo em 3,8% do Produto Interno Bruto (PIB) para o conjunto do setor público. Sozinha, a União é responsável por assegurar, pelo menos, 2,85% do PIB de saldo positivo entre receitas e despesas primárias (conceito que exclui gastos com juros de dívida). O resto refere-se à expectativa de geração de superávit nos Estados e municípios.
Um dos objetivos do governo, quando encaminhou o projeto do fundo era justamente criar um instrumento de atenuação do efeito negativo dos ciclos econômicos sobre os investimentos federais. A idéia é que o fundo sirva para formar poupança pública em épocas de receita tributária farta, para assegurar investimentos ou inversões financeiras (financiamentos de investimentos privados, por exemplo) em momentos de arrecadação magra.
A União poderá dar caráter anticíclico aos seus gastos usando recursos do fundo para adquirir cotas do Fundo Fiscal de Investimento e Estabilização (FFIE), cuja criação é prevista no mesmo projeto de lei que agora vai à sanção presidencial. O texto aprovado estabelece que o FFIE, a ser constituído por um banco federal, terá natureza privada, patrimônio próprio separado do patrimônio do cotista e estará sujeito a direitos e obrigações próprias. Uma vez nesse fundo, portanto, o dinheiro deixará de ser contabilizado como disponibilidade financeira do setor público para efeito de apuração do resultado fiscal primário. Por isso, os aportes do fundo ao FFIE serão considerados despesa primária para tal efeito. Assim, quando o dinheiro for aplicado pelo FFIE, em outro momento, posterior, não haverá impacto fiscal primário, até porque isso seria contabilizar o mesmo gasto primário duas vezes.
O texto aprovado pelos senadores e deputados permite que o dinheiro volte ao Orçamento fiscal e da seguridade social (exclui empresas estatais) posteriormente, hipótese em que viraria receita primária. Portanto, mesmo com o recurso voltando para o governo para ser gasto diretamente pelo Tesouro Nacional em obras dos ministérios, o impacto fiscal no ano da efetiva despesa seria neutro. Um dispositivo incluído pela Câmara e mantido pelo Senado assegura que, na hipótese de retorno, os recursos sejam aplicados em investimentos e não em despesas correntes, como pagamento de pessoal, por exemplo.
O governo também poderá colocar no fundo recursos de fontes de receita financeira, como, por exemplo, aqueles obtidos com emissão de títulos de dívida do Tesouro. Esses, porém, não poderão ser aplicados na aquisição de cotas do FFIE. Na prática, isso impede que receitas financeiras da União colocadas no fundo sejam usadas para financiar investimentos dentro do país, pois a aquisição de ativos pelo fundo no Brasil está limitada à compra de cotas do FFIE.
No exterior, a aquisição de ativos com recursos do fundo poderá ser feita diretamente pelo Ministério da Fazenda, ao qual o fundo é vinculado, ou por intermédio de depósitos especiais remunerados em bancos federais. Essa parte do projeto de lei foi pensada para permitir que o fundo sirva também para atenuar o efeito de fluxos cambiais muito positivos na taxa de câmbio. O fundo poderá interferir na formação da taxa comprando dólares dentro do país para aplicar no Exterior e, assim, evitar valorização excessiva do real.
Essa possibilidade, no entanto, ficou mais distante depois que a crise financeira reduziu a entrada de dólares no Brasil, provocando desvalorização do real.
A crise foi um dos motivos apontados pela oposição para criticar a aprovação do fundo. Na visão do PSDB, DEM e PPS, criá-lo agora estaria na "contramão" das necessidades da economia no momento. O governo rebate dizendo que, mesmo com crise, a criação do fundo nesse momento ajuda a economia, pelo seu caráter fiscal anticíclico.
No Senado, o projeto do fundo foi relatado pelo senador Aloizio Mercante (PT-SP), que rejeitou todas as cinco emendas apresentadas. Na Câmara, a relatoria coube ao deputado Pedro Eugênio (PT-PE), que incorporou sugestões, algumas da oposição. Ainda assim, os oposicionistas acham que o fundo é um artifício para o governo poder gastar com obras fora do orçamento fiscal nos próximos anos, com objetivos político-eleitorais.